22 de dezembro de 2024

Ler é sagrado!

Ter Imagem ou Ser Imagem?

Por Harold Walker

Problemas no Casamento entre Deus e o Homem

Quem já não presenciou, a contragosto, uma discussão de casal em que as duas partes só falam e não escutam uma à outra? Se você se lembrou de algum exemplo disso, ao ler essa pergunta, com certeza há de concordar em acrescentar outro detalhe ao quadro: podem-se passar vários anos, mas a discussão não muda! Os mesmos argumentos são apresentados e a mesma frustração é expressa. Aquilo que parece tão óbvio ao infeliz espectador passa desapercebido ao casal envolvido – quando não se escuta o outro para realmente entender o que quer dizer, o assunto anda em círculos e a discussão não leva a lugar algum.

O que é verdade no nível terreno, entre casais humanos, também o é no nível cósmico, entre o casal que dá origem a todos os casais, entre Deus e o homem. É claro que há algumas diferenças marcantes, como, por exemplo, o fato de que Deus escuta o homem apesar deste não escutá-lo; o fato de que num casamento humano os dois lados precisam mudar enquanto que no casamento cósmico só o homem precisa mudar; e, finalmente, o fato de que as discussões humanas duram apenas décadas até serem interrompidas pela morte, ao passo que a discussão cósmica já dura séculos e ainda não dá sinais de que irá terminar. Mas, apesar dessas diferenças, permanece uma grande semelhança – os dois lados procuram reações e atitudes diferentes um no outro e não se conformam com a situação, expressando, vez após vez, sua frustração e decepção numa discussão circular e repetitiva que parece insolúvel.

Sabemos, pelas Escrituras, que esse quadro deprimente não persistirá e que haverá uma solução, um entendimento, uma união de expectativas e alvos, um casamento eterno entre o Criador e a criatura que trará paz e harmonia para o universo eternamente. Ao mesmo tempo, precisamos entender que isso não acontecerá por um passe de mágica, através de uma intervenção sobrenatural, que mudará as atitudes milenares do homem de um instante para o outro. Durante toda a história, Deus vem trabalhando através de eventos e através do desabrochar progressivo de sua Palavra para trazer ao homem uma revelação plena do seu plano para ele e, assim, produzir uma base para um casamento no qual os dois possam se entender e obter compatibilidade.

O plano de Deus não envolve unilateralidade. Para atingirmos harmonia com Deus, serão necessárias a atuação dele e a nossa correspondência a essa atuação. Precisamos realmente escutar a sua voz, que tem ressoado durante os séculos, e entender o clamor do seu coração. Temos de ir por detrás das palavras, ler entre as linhas para perceber o que ele realmente quer. Se a Bíblia não for lida por pessoas apaixonadas, ela jamais será entendida. A paixão pode falar coisas aparentemente contraditórias e, mesmo assim, não ser ilógica (pelos menos para os apaixonados)! Quantos exemplos disso encontramos na Palavra! Deus fala que quer sacrifícios e, logo em seguida, fala que não quer! Em outros momentos, diz que está com tanta raiva que vai destruir seu povo e, pouco depois, chora de paixão e promete que vai perdoá-lo!

Entendendo o Propósito de Deus em Criar o Homem

Portanto, se quisermos apressar a vinda da solução, precisamos nos empenhar em realmente entender o que Deus está falando e o que ele quer de nós. Para isso, é necessário entendermos onde está o cerne do desentendimento, o ponto nevrálgico em que as nossas expectativas e as dele não se cruzam. Com isso em vista, vamos ao início de tudo, quando Deus fez o homem, pois, certamente, é quando se faz algo, que se percebe o propósito com mais clareza.

“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos… Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn 1.26,27).

Esqueça todas as vezes que leu essa passagem e todas as pregações que já ouviu sobre o tema e tente ler objetivamente como se estivesse lendo pela primeira vez. Com que propósito Deus criou o homem? Qual a palavra que se encontra mais vezes nessa passagem, repetida à exaustão, parecendo ser até além do necessário? Não parece um texto jurídico, que repete tanto alguns termos que chega a ficar enfadonho e cansativo, mas que precisa ser assim para não deixar dúvidas ou mal-entendidos?

Neste texto curtíssimo, que resume o propósito de Deus em criar o homem, encontramos a palavra “imagem” três vezes e a palavra “semelhança”, que tem o mesmo sentido, uma vez. Deus não quer que tenhamos dúvidas. Fomos criados para ser a sua imagem e semelhança. Ele não nos criou para ser Deus; ele nos criou para ser a imagem de Deus. Ele não nos criou para originar as coisas. Fomos criados para captar e transmitir as coisas que ele originou.

Deus sonhou em não administrar o universo diretamente, mas indiretamente, através do homem. Ao criar o homem, ele não estava abrindo mão de sua soberania; estava incrementando essa soberania através de compartilhá-la com o homem, feito à sua imagem. Ele sonhou com um estado de coisas em que sua vontade continuasse a reinar soberana, porém que não partisse apenas de si mesmo e, sim, de um relacionamento dinâmico com o homem. Ele queria ter o luxo de poder descansar do peso de ser responsável pela manutenção e harmonia do universo por alguns instantes, sabendo que poderia deixar nas mãos de um ser cujo único desejo seria fazer a vontade do Criador e entregar tudo de volta para ele. Assim, nunca abandonaria seu lugar de Soberano e, ao mesmo tempo, acharia descanso e alegria em comunhão com sua Noiva.

Portanto, não pode restar dúvida: Deus nos criou para ser sua imagem na terra e, a partir desse fato, dominar sobre tudo que ele criara anteriormente. E esse propósito original nunca mudou. A expectativa que Deus tem a nosso respeito continua sendo a mesma: que sejamos sua imagem.

Por que Temos Tantos Problemas com os Primeiros Dois Mandamentos?

Vamos agora para uma outra passagem na qual esta palavra “imagem” aparece em destaque. Em Êxodo 19, Deus faz uma proposta de casamento ao povo de Israel, no monte Sinai, por intermédio de Moisés. Ele diz que “se atentamente ouvirdes a minha voz… sereis a minha possessão peculiar dentre todos os povos” (Êx 19.5), e o povo respondeu, aceitando sua proposta: “Tudo o que o Senhor tem falado, faremos” (Êx 19.8). Nessa base, Deus comunica em voz audível no monte Sinai os Dez Mandamentos e depois os escreve em tábuas de pedra, as quais manda colocar no lugar mais importante do tabernáculo, onde ele moraria no meio dos filhos de Israel. Vejamos os primeiros dois mandamentos dos Dez Mandamentos, que eram como que o contrato de casamento entre Deus e o povo de Israel, a base da Velha Aliança.

“Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu…” (Êx 20.3,4). Logo de início, no contrato de casamento entre Deus e o seu povo, ele coloca em posição de destaque a sua alergia a imagens! O contrato de Deus com seu povo era para estabelecer suas condições de convivência, ditar as regras para uma compatibilidade entre os dois. Como poderão andar dois juntos se não estiverem de acordo? E, neste caso, um dos dois não muda! Portanto, para entrarmos em acordo, somos nós que teremos que mudar!

Por incrível que pareça, foram justamente esses dois mandamentos que o povo de Israel teve mais dificuldade em obedecer. Durante todo o resto do Velho Testamento, vemos, vez após vez, como quebravam estes mandamentos e caíam na idolatria. Penso que não sabemos avaliar corretamente o quanto era difícil para eles guardar esses mandamentos. Entre todos os povos ao seu redor, eram o único que acreditava num Deus invisível que não tinha uma imagem para o representar. No Santo dos Santos, no lugar mais importante do tabernáculo, e depois do templo, onde todos os outros povos teriam uma imagem imponente, Israel tinha apenas um espaço vazio entre os querubins, acima do propiciatório, que ficava em cima da arca com as tábuas da lei, no local em que Deus prometera: “ali virei a ti e falarei contigo” (Êx 25.22).

O homem natural tem muita dificuldade para acreditar em algo que não pode ser captado ou discernido por seus sentidos. Parece que o clamor mais profundo do seu ser é ter algo palpável, tangível, visível, compreensível, contornável e, no fim das contas, manipulável para adorar, seguir e obedecer. O homem está disposto a sofrer, sacrificar-se, dar o máximo de si, obedecer mesmo que seja com prejuízo de seu próprio conforto e felicidade, desde que seja em função de algo que consiga ver, ouvir, apalpar e entender. Parece que o problema do homem, pelo menos aos seus próprios olhos, não é obedecer e, sim, ver e ouvir para saber claramente o que deve fazer e a quem deve servir.

Nesse sentido, nós, como pessoas modernas, não somos muito diferentes do povo antigo de Israel. Apesar de não sentirmos essa necessidade de imagens literais e materiais de Deus, continuamos procurando e dependendo de artifícios religiosos, cheios de regras e fórmulas, que nos dêem um parâmetro objetivo e natural para pautar nossa conduta. O homem não quer depender de um Deus invisível e misterioso para saber como viver. Ele quer qualquer coisa que tire o mistério, simplifique as decisões e torne claras as suas opções. Procura desesperadamente uma imagem, um contorno intelectual, uma “regra de fé e conduta”, uma fórmula explícita de comportamento e culto, para que possa seguir com a certeza de que está acertando o alvo e cumprindo o propósito para o qual foi criado.

O Clamor de Deus e o Clamor do Homem

Resumindo, podemos dizer que a discussão circular entre Deus e o homem gira em torno do problema de imagem e pode ser expressa da seguinte forma: Deus diz ao homem: “Seja minha imagem!”, e este responde: “Dá-me uma imagem para seguir e compreender!” E se continuar um gritando para o outro dessa forma, não haverá progresso.

O homem fala: “Deus, se eu pelo menos soubesse claramente o que o Senhor quer de mim, eu faria! Por que o Senhor é tão misterioso? Por que o Senhor não desembucha logo, não diz claramente o que quer? Deixe de rodeios, e mistérios, e enigmas e diga-me por que me criou e o que o Senhor quer de mim!”

E Deus diz: “Estou cheio de amor e compaixão, de soluções para minha criação doente, miserável e moribunda, porém não consigo me expressar porque minha imagem, meu microfone não está disponível. Meu povo quer fazer coisas, mas não o criei para fazer coisas, mas sim para ser minha imagem, minha expressão, andar em relacionamento íntimo comigo e saber a cada momento os meus pensamentos e sentimentos. Tenho milhares de anjos que podem fazer o que precisa ser feito muito mais rápido e eficientemente do que o homem. Entretanto, não tenho ninguém que tenha paciência para me ouvir atentamente, compreender-me, sentir meus sentimentos e expressá-los em suas próprias palavras. Não estou procurando servos, preciso de amigos! Tenho uma vontade louca de intervir e resolver todos os problemas gritantes de injustiça e maldade que ocorrem todo dia no mundo; porém, na criação, determinei que não faria isso diretamente, mas usaria o homem para expressar minha vontade e sentimentos, e agora não posso quebrar essa regra.”

Em quase todos os aspectos, o homem é inferior à maioria dos animais e da criação em geral, se formos pensar em termos de beleza, tamanho, força ou instinto. Entretanto, ele tem um atributo que nenhum outro ser possui: um espírito que pode captar as comunicações de Deus. Só que, depois do pecado, isso é o que ele menos quer fazer! Assim como um mecânico experiente, através de muitos anos de treino, atenção e estudo diligente conhece o estado de um motor apenas pelo ruído; da mesma forma como um médico consegue, quase como se fosse por um sexto sentido, diagnosticar uma enfermidade; e como um maestro famoso consegue localizar uma nota desarmônica no meio de uma orquestra com centenas de instrumentos, da mesma forma, se o homem “ouvir atentamente” a voz de Deus, usando para isso todas as faculdades do seu ser, 24 horas por dia, ele certamente ouvirá, não só a voz, mas os sentimentos e intenções de Deus, e passará assim a expressar sua imagem na Terra. É isso que Deus procura e é isso que nós devemos procurar também!

Paremos de reclamar com Deus por ele ser tão elusivo e misterioso. Paremos de cobrar que se manifeste com mais clareza a nós. Paremos de querer uma imagem! Aceitemos de uma vez por todas que não fomos criados para ter uma imagem à nossa frente, mas para sermos uma imagem de Deus para o mundo. Não fomos criados para servir a Deus! Fomos criados para ser o microfone de Deus, o espelho de Deus, a manifestação de Deus para todo o resto da criação. Vamos dar um fim a essa discussão inútil, a esse cabo de guerra entre nós e Deus. Aceitemos nosso lugar na criação, cedamos a Deus, aceitando sua vontade perfeita e agradável no lugar de nossa vontade birrenta e voluntariosa.

No momento em que isso começar a acontecer, a harmonia e a paz do céu começarão a invadir o nosso ser. Deixaremos de nos sentir frustrados e condenados por não atingir os alvos que estabelecemos para nós mesmos. Concordaremos com Jesus quando diz que “uma só coisa é necessária” e que seu jugo “é leve e suave”. No meio de muitas aflições e tribulações, dúvidas e incertezas, poderemos começar nossas cartas e palestras como Paulo: “Graça e paz!”

O Reino de Deus só virá para a Terra quando começar a chegar nos corações humanos! Ele nos ensinou a orar por este Reino e a buscá-lo em primeiro lugar. Vamos parar de discutir com Deus, e comecemos a cooperar com ele, voltando toda a nossa atenção, todo o nosso amor, todo o nosso ser a esta tarefa magnífica para a qual nos criou: OUVIR A SUA VOZ COM TODA PARTE DO NOSSO SER E ENCARNÁ-LA DE TAL FORMA QUE SEJAMOS SUA IMAGEM EXPRESSA PARA TODA A CRIAÇÃO PARA A GLÓRIA E HONRA DO SEU NOME!

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Uma resposta

  1. Tenho sido muito edificada com suas mensagens, vivido um tempo de renovo, pois há muito tempo, desde Rubiataba, acompanho as literaturas. E por um tempo parei de ter acesso, agora tenho acompanhado estudos, e pra mim tem sido muito bom. Espero em breve participar de um congresso. Muito obrigada.

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