Por: Philip Yancey
Diversas cenas nos evangelhos apresentam um bom quadro do tipo de pessoa que impressionou Jesus. Uma viúva que colocou seus últimos dois centavos como oferta. Um desonesto cobrador de impostos tão arrasado pela ansiedade que subiu em uma árvore para ter uma visão melhor de Jesus. Uma criança sem nome, sem descrição. Uma mulher com uma fileira de casamentos infelizes. Um mendigo cego. Uma adúltera. Um homem com lepra. A força, a boa aparência, as boas relações e um instinto competitivo podem trazer o sucesso para uma pessoa em uma sociedade como a nossa, mas são exatamente aquelas qualidades que bloqueiam a entrada do reino do céu. A dependência, a tristeza, o arrependimento, um anseio de mudar — esses são os portões para o reino de Deus.
”Bem-aventurados os pobres de espírito”, disse Jesus. Um comentário traduz para “Bem-aventurados os desesperados”. Não tendo a quem buscar, os desesperados se voltam para Jesus, o único que pode oferecer a libertação pela qual anseiam. Jesus realmente cria que uma pessoa pobre de espírito, ou chorosa, ou perseguida, ou faminta e sedenta da justiça tem uma “vantagem” especial sobre o restante de nós. Talvez, apenas talvez, a pessoa desesperada clame a Deus pedindo ajuda. Nesse caso, essa pessoa é verdadeiramente bem-aventurada.
Os estudiosos católicos cunharam a expressão “opção preferencial pelos pobres”, em referência a um fenômeno que encontraram no Antigo e no Novo Testamento: a parcialidade de Deus para com os pobres e prejudicados. Por que Deus destacaria os pobres para atenção especial em detrimento de qualquer grupo?, eu ficava imaginando. O que faz os pobres merecerem a preocupação de Deus? Recebi ajuda nessa pergunta de uma escritora chamada Monika Hellwig, que faz uma lista das seguintes “vantagens” de ser pobre:
1. Os pobres sabem que têm premente necessidade de redenção.
2. Os pobres reconhecem não apenas sua dependência de Deus e de gente poderosa como também sua interdependência uns dos outros.
3. Os pobres depositam a segurança não nas coisas, mas nas pessoas.
4. Os pobres não têm um senso exagerado de sua própria importância e nenhuma necessidade exagerada de privacidade.
5. Os pobres esperam pouco da competição e muito da cooperação.
6. Os pobres conseguem distinguir entre necessidade e luxo.
7. Os pobres podem esperar, porque adquiriram uma espécie de paciência obstinada nascida de uma dependência reconhecida.
8. Os temores dos pobres são mais realistas e menos exagerados, porque já sabem que a pessoa pode sobreviver a grandes sofrimentos e necessidades.
9. Quando os pobres ouvem a pregação do evangelho, ele soa como boas novas e não como uma ameaça ou repreensão.
10. Os pobres podem reagir ao apelo do evangelho com certo abandono e com uma inteireza descomplicada porque têm tão pouco a perder e estão prontos para tudo.
Em suma, não por escolha própria — podem intensamente desejar o contrário —, as pessoas pobres encontram-se em uma postura que se encaixa na graça de Deus. Em sua condição de necessidade, de dependência e de insatisfação com a vida, podem dar boas vindas ao dom do amor de Deus.
Como exercício voltei à lista de Monika Hellwig, substituindo a palavra “pobres” pela palavra “ricos”, e alterando cada frase para o seu inverso. “Os ricos não sabem que precisam prementemente de redenção… Os ricos não depositam a confiança nas pessoas, mas nas coisas…” (Jesus fez uma coisa parecida na versão de Lucas das bem-aventuranças, mas essa parte recebe muito menos atenção: “Mas ai de vós, os ricos! Pois já tendes a vossa consolação…”.)
A seguir tentei uma coisa ainda mais ameaçadora: substituí “ricos” pela palavra “eu”. Revendo cada uma das dez declarações, perguntei-me se minhas próprias atitudes se pareciam mais com as dos pobres ou com as dos ricos. Reconheço facilmente minhas necessidades? Rapidamente dependo de Deus e das outras pessoas? Onde fica minha segurança? Estou mais pronto a competir ou a cooperar? Posso distinguir entre necessidade e luxo? Sou paciente? As bem-aventuranças me parecem boas novas ou uma espécie de repreensão?
Quando fiz esse exercício comecei a perceber por que tantos santos voluntariamente se submetem à disciplina da pobreza. A dependência, a humildade, a simplicidade, a cooperação e um senso de abandono são qualidades grandemente prezadas na vida espiritual, mas extremamente fugidias para as pessoas que vivem no conforto. Podem existir outros caminhos para Deus mas — ah! — são difíceis, tão difíceis como um camelo se espremendo pelo buraco de uma agulha. Na grande inversão do reino de Deus, os santos prósperos são muito raros.
Não creio que os pobres sejam mais virtuosos do que qualquer outra pessoa (embora tenha descoberto que são mais compassivos e com freqüência mais generosos), mas são menos inclinados a fingir que são virtuosos. Não têm a arrogância da classe média, que pode habilmente disfarçar seus problemas sob uma fachada de justiça própria. São mutuamente mais dependentes, porque não têm escolha; precisam depender dos outros simplesmente para sobreviver.
Agora vejo as bem-aventuranças não como divisa protetora, mas como profundas perspectivas dentro do mistério da existência humana. O reino de Deus vira a mesa. Os pobres, os famintos, os que choram e os oprimidos de fato serão bem-aventurados. Não, naturalmente, por causa de seu estado de infortúnio — Jesus passou grande parte da vida tentando remediar esses infortúnios. Antes, são bem-aventurados por causa de uma vantagem inata que têm sobre os mais privilegiados e auto-suficientes. As pessoas ricas, com sucesso e belas, podem muito bem passar pela vida descansando em seus dotes naturais. As pessoas que têm falta de tais privilégios naturais, uma vez desqualificadas para o sucesso no reino deste mundo, têm simplesmente de se voltar para Deus no momento da necessidade.
Os seres humanos não admitem prontamente o desespero. Quando o fazem, o reino do céu se aproxima.
Extraído do livro “O Jesus Que Eu Nunca Conheci” de Philip Yancey.
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