Por: Mateus Ferraz de Campos
Grande parte do problema dos desviados é o ambiente hostil que a igreja tem apresentado. Longe de ser o ambiente da graça, onde o amor é a atmosfera, temos visto um legalismo exacerbado que, ao invés de atrair pecadores, os repele.
Teologia do Botequim
Em um dos seus livros, Charles Swindoll fala a respeito da teologia do botequim. A idéia defendida pelo escritor é a de que os bares de esquina apresentam um ambiente mais “cristão” do que muitas igrejas. Isso soa como blasfêmia aos ouvidos mais conservadores; afinal de contas, associar um ambiente de jogatina, bebedeira e palavras torpes a um ambiente cristão beira o absurdo. No entanto, se avaliarmos o que realmente está em questão, veremos que os “botecos” têm muito a nos ensinar.
O botequim, em certo sentido, é uma boa expressão de um ambiente humano. É um lugar onde as máscaras são deixadas de lado, por serem desnecessárias, e as pessoas são livres para revelarem o que realmente são. Abrem seus corações, muitas vezes de forma patética; mas, ao invés de encontrarem olhares de reprovação, são abrigados pela empatia de outros “patéticos” que sabem exatamente como ele se sente. Cada bêbado tem um nome, uma história e uma vida. É tratado como pessoa e os amigos sabem muitos detalhes de seus dramas particulares. Ser traído pela mulher, embora vergonhoso, não é motivo para deixar de ir ao bar, pois sempre haverá um outro traído para juntos afogarem as mágoas.
O bar se torna um refúgio. É comum vermos que os alcoólatras em recuperação voltam aos bares nos momentos de recaídas, quando algo frustrante acontece em suas vidas e famílias. É bem verdade que a bebida é uma muleta emocional, mas o fato é que o bar, embora degradante, é um ambiente onde o drama do ser humano é valorizado em um nível pessoal. O fracasso da teologia do botequim está no fato de que não há para onde recorrer, somente onde chorar. Mas pela experiência, percebemos que no mundo frio onde vivemos, o simples fato de ter onde chorar é o suficiente para muitas pessoas.
A igreja normalmente se coloca como o lugar de todas as respostas. Um ambiente onde todos os questionamentos da vida são facilmente solucionados por jargões do “evangeliquês”. Dizemos em alto e bom som: “Cristo é a resposta”, mas será que sabemos qual é a pergunta? Temos as soluções enlatadas com um belo rótulo religioso, esquecendo que o ser humano é uma pessoa e não o resultado de uma produção em série.
O Deus dos Particulares
C. S. Lewis em Peso de Glória, faz uma brilhante reflexão sobre o dilema que a igreja vive nesse sentido. Segundo Lewis, oscilamos entre os extremos do individualismo e o da coletividade. O individualismo isola o ser humano de suas relações interpessoais, fazendo com que fique a mercê de si mesmo. A idéia de que o cristianismo possa ser desenvolvido na esfera do individualismo é um absurdo. Ninguém pode viver a vida cristã sem uma relação com o corpo de Cristo.
No entanto, o outro lado da moeda é igualmente perigoso. A igreja tem por diversas vezes confundido a realidade do corpo de Cristo com uma mera coletividade. Na coletividade, todos são membros de uma classe, ou seja, indivíduos de um grupo homogêneo que não reconhecem as diferenças entre si. Todos são vistos como membros de uma massa de gente sem levar em conta suas particularidades.
Em contraste com isto, o Deus da Bíblia não é um Deus de generalidades e, sim, de particularidades. Ele foi pessoal o suficiente para se envolver com sua criação em um nível humano, tocando, curando, ouvindo e falando com pessoas que tinham liberdade de expor suas vidas em um ambiente de graça. Aparentemente, nossa concepção de uma vida de santidade tem afastado os pecadores de nossos templos. Ao olharmos para Jesus, vemos que mesmo sendo absolutamente santo, sua santidade convidava o pecador a aproximar-se e a tornar-se semelhante a ele.
A igreja deve ser um ambiente de graça. Um lugar onde o pecador tenha liberdade para expressar seu pecado e onde encontre um outro pecador que chore junto com ele e com quem possa buscar o direcionamento específico de Deus para cada situação individual. Deve ser um lugar de amor, onde a particularidade de cada um é valorizada. Nas palavras de James Houston, a igreja deve ser um lugar onde os indivíduos são transformados em pessoas.
A euforia pela expansão evangélica tem tornado nossas comunidades em ambientes frios, onde ora vemos uma multidão de indivíduos, cada qual vivendo sua vida cristã particular (como se isso fosse possível!), ora uma coletividade vazia, onde a única coisa que os membros têm em comum é a carteirinha que os filia à instituição.
O Sonho de Cristo
O homem pós-moderno é um homem cansado. Cansado da impessoalidade, da tecnocracia, dos dez passos para a felicidade, da apatia. É exatamente com tudo isso que ele convive. Ele não quer respostas prontas, conselhos dos amigos de Jó, cadastros para preencher. Ele não quer ser uma ficha, uma foto, uma carteirinha ou um número. Ele quer ser reconhecido como pessoa, como pai de alguém, esposo de alguém, alguém cuja história precisa ser conhecida e cujo interior precisa ser explorado. E, cada vez mais, a igreja precisa assumir o seu papel, que é mostrar ao mundo que um lugar assim é o sonho de Cristo.
Eu creio na igreja, corpo vivo de Cristo. Creio que ela foi comissionada pelo próprio Senhor Jesus para representá-lo em um mundo que precisa de amor. Creio que as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Mas precisamos começar a viver a igreja como Cristo a projetou e não chamarmos de igreja os projetos particulares, frutos do coração humano.
Quando isso acontecer, os bares estarão mais vazios, pois os homens terão para onde correr, e principalmente, aonde chorar.
Mateus Ferraz de Campos é um dos pastores da Igreja do Nazareno em Americana-SP
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O RELATÓRIO DE JESUS
Ariovaldo Ramos
“Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra. Agora, eles reconhecem que todas as coisas que me tens dado provêm de ti; porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me enviaste. É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus; ora, todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e, neles, eu sou glorificado. Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, ao passo que eu vou para junto de ti. Pai santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam um, assim como nós. Quando eu estava com eles, guardava-os no teu nome, que me deste, e protegi-os, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura.” (Jo 17.6-12).
Chamo este trecho de “O Relatório Ministerial de Jesus”. Ele poderia ter apresentado ao Pai uma lista de milagres, como resultado de sua passagem pela Terra, mas, ao invés disso, apresentou o fruto de seu relacionamento com gente. Foi um relatório pastoral. Jesus sabia o que glorificava a Deus.
Atenção aos destaques do relatório (vide os grifos nossos):
• Reconheceu que os homens eram de Deus, só estavam com ele porque o Pai lhos dera. O mérito era do Pai.
• Fez com que aquelas pessoas reconhecessem um nome: o do Pai. Ele sabia a quem devia dar glória.
• Ensinou-os a confiar e a obedecer a uma palavra: a do Pai. Ele sabia o que e a quem anunciar.
• Os seus discípulos só o reconheceram como o Ungido de Deus por causa de sua fidelidade ao Pai. Ele sabia a quem expressar.
• Intercedeu pelos discípulos sabendo que sua recompensa seria a vitória destes sobre o mundo, o que significaria eles se tornarem realmente os homens que o Pai queria que fossem, e estarem unidos como a Trindade, expressando a beleza de Deus. Ele sabia o critério de Deus para medir o sucesso.
• Orava pensando não em si, mas no nome do Pai; sua própria glória estava vinculada a que os seus discípulos se mantivessem sob o nome do Pai, um estado de plena obediência. Ele sabia o motivo por que Deus ouve a intercessão, a glória de seu nome (Ez 36.22).
• Em sua intercessão, estava apenas sendo coerente com a forma como os pastoreou, guardando-os e protegendo-os, pelo amor, intercessão e ensino, para que se mantivessem fiéis ao Pai e não se perdessem no mundo (o conjunto dos seres humanos em rebelião a Deus). Só se perdeu aquele por quem ele não poderia fazer nada, por ser o filho da perdição. Ele sabia pelo que tinha de zelar e quais eram os seus limites.
• Ele sabia que só fez o que fez por graça do Pai, e que a manutenção e a continuidade de seu trabalho, também, dependeriam da mesma graça.
Hoje, estamos todos assustados com o número de desviados da igreja. Alguém já disse que essa, sim, é a maior igreja do mundo. De duas, uma: Ou há uma imensidão de filhos da perdição, ou os pastores estão, em tudo, cada vez menos parecidos com Jesus. Logo, estão seguindo cada vez menos as ênfases e o modelo ministerial de Jesus. E, então, as pessoas não estão mais ouvindo a palavra do Pai, daí, não se submetem ao seu Nome e nem conseguem vê-lo. E a igreja vai se parecendo cada vez menos com a comunidade dos discípulos de Cristo. Como não ser tragado pelo mundo?
Ariovaldo Ramos é missionário da Sepal, presidente da Visão Mundial no Brasil, pastor da Comunidade Cristã Reformada em São Paulo e membro do CONSEA – Conselho de Segurança Alimentar do Governo Federal.