Enquanto voltava pra casa, escutava um locutor no rádio, do qual eu ouvira algumas coisas controversas. Queria saber por que ele era tão amado, mas fiquei horrorizado, pois ele, em sessenta segundos, expressou uma série de grosserias. Mesmo tendo um senso de humor, o que mais atraia o público era sua personalidade agressiva. Ele era respeitado por dizer as coisas “na cara” e do jeito que elas são. Ele era valorizado por ser uma figura de força e ousadia. Ele era rude e agressivo, e dizia coisas que as pessoas tinham em mente, mas que se recusavam expressar. Sua carreira permanecia pelo fato de vivermos em uma sociedade rude.
Você pensaria que atitudes grosseiras são geralmente desprezadas, mas a aceitação deste hábito cresce a cada ano. É uma pratica comum em apresentadores de talkshow e lideranças em geral, e as mulheres tem grande atração pelos homens rudes, acreditando ser sinal de força e confiabilidade. Um homem com boas maneiras é coisa do passado, sendo hoje considerado fraco e vulnerável.
Da mesma forma, muitos cristãos pensam que Deus é rude, como demonstração de sua força e poder. Eles aprovam algo como Deus expor publicamente os pecados mais escondidos de alguém, colocando a pessoa em seu devido lugar. Conseguem detectar uma atitude não escrita e grosseira de Jesus ao falar com os fariseus, imaginando ele falando da mesma forma com aqueles que não gostam. De uns anos pra cá venho escutando no meio cristão alguns relatos da suposta conversa dos pregadores com Deus. O que eles falam que “Deus disse” tem sempre um tom insensível, frio e sem amor. Certa vez um evangelista disse que Deus o confrontou por causa de seu orgulho pessoal, e supostamente disse a ele: “Você me dá náuseas”. Em outra parte da estória Deus lhe respondeu: “Eu preciso soletrar ou você vai se aquietar para ouvir?” Estas coisas são contadas de forma jocosa, mas como chegariam ao coração dos mais novos? Talvez gerem uma expectativa de que Deus é assim mesmo e que fala conosco desta forma.
Você já ouviu alguém falar sobre uma conversa que teve contigo, dizendo que sua fala tinha um tom abrasivo e que até gritava, quando não aconteceu exatamente desta forma? Por alguma razão, ele entende que você é rude, e insere palavras ásperas em seu discurso e ações. Isto te deixa violado em teus sentimentos, pois foi marcado por um temperamento que não expressa o teu verdadeiro “eu”. Desta mesma forma Deus se sente quando fazemos isto com ele, pois estas estórias afastam o coração de seus filhos. O problema é que ouvimos no tom que quisermos, e se pensamos que Deus é rude, vamos ouvi-lo sempre num tom rude. Encontrei também muitos cristãos que nunca ouvem a Deus por estarem sintonizados numa esta estação rude, esperando sempre uma repreensão, uma correção ou uma ordem insensível. Dentre todas as definições de aspereza, a mais comum é de uma coisa inacabada. Um pedaço de madeira bruta é áspero e cheio de farpas. Quando é esfregado em alguém, causa sangramento. As rochas não polidas são grosseiras. Falamos que tem a borda áspera e é a mesma sensação de quando encontramos alguém que é rude.
Nos tempos bíblicos, os reis usavam mensageiros para entregar sua mensagem. Estes não eram escolhidos pela habilidade de falar a mensagem, mas pela capacidade de expressar o mesmo tom no qual foram faladas. Se o rei ia guerrear contra os inimigos, o mensageiro expressava a ira e a raiva que o rei demonstrava. Se o rei estava alegre e convidava o povo para um banquete, o mensageiro deveria expressar esta alegria durante o convite. Desta forma, o povo recebia não apenas a mensagem, mas também o tom e disposição nos quais ela foi falada. Os mensageiros de hoje não conseguem reproduzir o tom de Deus, e acreditam que as palavras da Bíblia são tudo o que precisam. A única maneira de a Bíblia ser interpretada corretamente é se o mensageiro conhece e entende das batidas do coração do Autor. Quando um tom de condenação e raiva é dado a palavras de encorajamento, as palavras ganham outro significado e dilaceram o coração do ouvinte, o afastando de Deus. Muitas vezes leva anos para que os filhos de Deus se recuperem dessas impressões temerosas.
Por isso que a Bíblia diz para falarmos a verdade em amor. Nós cristãos acreditamos que a verdade é ser “correto”, como uma mais um é igual a dois. Mas isto não é a verdade, pois Verdade é uma pessoa cuja personalidade é o amor. Se você tirar o amor, a verdade também sai. Já falou coisas terríveis a um cão, com voz amorosa? Ele abana o rabo e lambe seu rosto, excitadamente. Mas você já falou palavras de amor com uma voz irada? O cão se encolhe e foge.
Muitos cristãos se escondem hoje, pois além de memorizar as palavras de amor que são pregadas, memorizam também o tom raivoso com que os pregadores falam. Mesmo falando a cada domingo que Deus nos ama, a mensagem dos pregadores está contaminada. A preocupação deles está em “ser corretos”, quando nunca conheceram a Verdade. Os ensinos atuais sobre “respeitar o homem de Deus” demonstra uma mentalidade grosseira, mas que os lideres religiosos valorizam. Infelizmente, a obra de Cristo é negada com esta idéia de que uns são homens de Deus, e precisam de atenção especial, e outros não são. O velho testamento os chamava “servos de Deus” e o novo testamento chama “filhos e filhas de Deus”. Todos os homens e mulheres merecem igualmente nosso respeito.
Eu também percebo grosseria na maneira como entendemos que Deus fala conosco como se fossemos crianças. Eu queria responder a todos os “por quês” da minha filha. Eu já tinha repetido 50 vezes que ela não deveria correr na rua, e mais uma vez ela perguntava: “mas por quê?” eventualmente meu estoque de “porque estou de dizendo” acabava, e então eu passava a usar o “você não precisa saber o por quê, simplesmente faça o que eu estou mandando”. Isto pode até funcionar com crianças, mas se eu fizer isto com adultos, é grosseria, desrespeitoso, e atenta contra a sua dignidade. Fico maravilhado quando vejo pessoas que pensam que Deus nos trata como crianças, sem nenhum respeito por nós. Nossa teologia é baseada num Deus rude que diz: “faça isto, pois estou dizendo para fazer”. Fazemos isto com a Bíblia mais do que qualquer outra coisa. Se ousar a perguntar os por quês, será tachado como rebelde.
Citar as Escrituras é o escape para milhares de pregadores atualmente. Eles se escondem atrás disto, pois os cristãos foram programados para concordar roboticamente no momento que uma referência bíblica é citada. Cremos assim, pois o Deus que nos apresentaram é completamente rude, nunca negocia e nem explica nada. A única coisa que requer de nós é obediência. Para muitos, a obediência cega é sinal de maturidade. O verdadeiro cristão é apresentado como um cavalo amansado, que vai para esquerda ou direita, de acordo com o comando que recebe. Ouvindo estas ilustrações, não é de se admirar que não ter interesse na intimidade com Deus. Quem vai querer um relacionamento com ele?
Deus não é rude
Embora Deus seja teu Pai nos céus, é importante entender que ele te trata com o respeito que um adulto merece, e não como crianças. Alguns cristãos retratam Deus como um quadro de um pai segurando um bebê. Isto é sinal que não conhecem a verdade sobre Deus. Deus respeita tuas decisões e até mesmo acolhe tua opinião em algumas circunstâncias. Nem sempre tem que ser feito do jeito dele. Quando vamos ao shopping com nossas filhas, advirto severamente para elas não correrem no estacionamento. Se alguém perguntar às minhas filhas como é meu coração, elas dirão “Ele quer obediência”. Eu exijo obediência com o propósito de trazer segurança para elas, e não a obediência pela obediência. Deus não quer se relacionar conosco como se fossemos soldados que não pensam, seguindo as ordens do comandante. Se perguntarmos “por que”, ele nos ajuda a entender. Se precisar de um pouco mais de tempo, ele vai esperar com paciência. A comunhão com ele é na base do diálogo e não como monólogo.
Deus é um verdadeiro artista ao olhar para nós. Se perguntássemos a Van Gogh o que ele via ao olhar uma tela branca, ele poderia dizer que via um turbilhão de estrelas no céu escuro, sobre uma igrejinha aninhada numa montanha. Também descreveria o tom de cada cor na pintura, e o interessante é que ele realmente via aquilo. O verdadeiro artista consegue ver a obra-prima já terminada. Por esta causa os artistas cobrem seu projeto com um tecido, escondendo-o do mundo até que tudo esteja terminado. No olhar do artista, a obra já está acabada, pois ele se baseia no que enxerga em seu coração. O que ele está protegendo é justamente a imagem que está em seu interior.
Teu Pai Celestial vê uma obra-prima em você, e ela já está pronta no coração dele. E não tenha dúvida: ele não vai te expor ao mundo como algo inacabado. As pessoas temem que Deus exponha seus pecados, mas ele não faz isso – ele os cobre.
Deus expõe a beleza que há em ti, que pode ser revelada, para os outros. Ele é semelhante aos pais que pedem às crianças para recitarem o alfabeto para as visitas. Ele quer que as pessoas te amem e sintam orgulho de você, da mesma forma que ele sente. Depois que as visitas vão embora, com um brilho em seus olhos, ele pega os pincéis e continua a criar a obra-prima em você, que ele já via desde o princípio. Tudo o que é bruto e inacabado é coberto com um véu de proteção.
Certa vez, logo ao terminar o culto, a entrada da igreja estava lotada de gente rindo e conversando. Minhas filhas, saindo de suas classes, corriam em minha direção quando, uma delas, perdeu o controle da bexiga e se molhou toda, no meio da multidão. Seu semblante era de horror e embaraço, e eu a segurei no colo e corri para o carro, sentindo meu terno e gravata molhados, e a confortava com palavras doces e amáveis. O que eu fiz foi justamente encobrir uma obra-prima que estava ainda sendo feita. E é isso que Deus faz conosco. Não tenha medo que Deus vá te humilhar com o propósito de te quebrantar ou te ensinar uma lição. Expor uma pessoa inacabada é rude e Deus é especialista em guardar coisas só entre você e ele.
Uma das afirmações que mais ouço é: “Deus me levou para o deserto”, como um abacate que fica em cima da geladeira esperando amadurecer. Esta mentalidade vai contra a teologia básica das Escrituras. O Novo Testamento diz que, se somos cristãos, estamos na Terra Prometida, e não no deserto. Não se engane: Deus não põe ninguém no deserto – os israelitas ficaram lá por causa do medo, mas em seguida alcançaram a promessa. Se você está no deserto é porque tem dificuldades de aceitar e possuir o que Deus te deu gratuitamente. O único deserto de tua vida é o que você escolheu viver nele, mas não diga que foi Deus quem te levou para lá.
Deus leva todas as coisas para a compleção e não deixa nada inacabado. Mesmo que você esteja em obras, ele já te declara completo! Quais foram as ultimas palavras de Jesus? Ele disse que tudo estava consumado. Ele não te trata por menos que isso.
Fico admirado com cristãos atuais que preferem um Deus rude. Mesmo Jesus dizendo que “nunca nos deixaria e não nos abandonaria”, eles não têm nenhuma segurança com Deus. Este constante estado de insegurança é o poder da religião e todos que adotam esta teologia são forçados a um círculo vicioso de escravidão, medo e falta de paz. Deus não é rude contigo por uma simples razão: ele resolveu estar contigo para sempre, como numa relação de casamento. Ele não vai te abandonar e, por esta causa, te trata da mesma forma que deseja ser tratado por ti. O autor da “Regra de Ouro” não escreveu isto apenas para nós – ele também a segue.
Continuando nossa caminhada em direção à essência do amor, percebemos que nossa antiga percepção do coração de Deus precisa ser abandonada e demolida para sempre. E nada mais verdadeiro que o próximo capítulo, como acredito, seja o mais importante de todos.
Tradução livre e resumida do cap. 8 de Misunderstood God – The lies religion tells about God (O Deus mal compreendido – As mentiras que a religião conta sobre Deus), de Darin Hufford.
