23 de novembro de 2024

Ler é sagrado!

Como Satanás Quer Surpreender a Igreja

Por Pr. Mateus Ferraz de Campos

“E as portas do inferno não prevalecerão contra ela [a igreja de Cristo]” (Mt 16.18b)

Esse texto deixa clara a existência de uma batalha que é travada entre a igreja do Senhor e as hostes do inferno, das quais Satanás é o representante maior. Essa batalha, que freqüentemente chamamos de “batalha espiritual”, tem trazido uma forte preocupação a muitos líderes evangélicos nos nossos dias.

No entanto, não vejo a batalha espiritual como um embate direto entre dois exércitos em um vale, ao estilo dos combates medievais. Vejo mais como uma guerra estratégica, quase como um jogo de xadrez, cujos principais movimentos são sutis, como um recuo ou uma infiltração. E, no que diz respeito ao quesito sutileza, o diabo tem-se mostrado um verdadeiro estrategista ao longo dos séculos. Foi com insinuações sutis que ele induziu o homem à queda; foi com pequenas ofertas que seduziu muitos homens de Deus; e, até hoje, sua estratégia não mudou.

Alguém disse que a maior estratégia de Satanás é convencer o homem de que ele não existe. Dessa forma, consegue exercer sua influência sem nenhuma resistência, o que facilita, e muito, o seu trabalho. Porém, recentemente, tenho observado que essa estratégia maligna não é aplicável somente em um nível individual, mas representa também uma poderosa armadilha de Satanás contra a igreja do Senhor.

Sob esse panorama estratégico, ao tentarmos olhar o tabuleiro por uma vista aérea, veremos que duas coisas estão acontecendo simultaneamente. Por um lado, ele tem chamado atenção para si, em um combate direto que se parece muito com a real batalha. Mas, enquanto concentramos todas nossas forças nesse suposto combate, o inimigo infiltra seus valores no meio do exército dos santos, que age ingenuamente como se não estivesse enfrentando nenhum perigo ali.

A Batalha Evidente

É obvio que reconhecemos a existência de Satanás. Com tantos livros sobre batalha espiritual expostos em livrarias evangélicas, seria um absurdo afirmar que a figura do diabo passa desapercebida em nossa realidade evangélica brasileira. São manuais, orações, estratégias, campanhas, abordagens específicas, uma gama completa de meios para se ordenar vitoriosamente a batalha contra os demônios.

Obviamente, muitas dessas abordagens são legítimas. Não podemos, de forma alguma, ser ignorantes a respeito dos ataques malignos e de como o inimigo exerce sua influência por meio da opressão, possessão e controle em muitas vidas que são vítimas de suas algemas.

O que devemos observar, no entanto, é que, em muitas situações, temos permitido desnecessariamente que Satanás obtenha terreno em nossas vidas.

Não é exagero afirmar que o combate aberto às forças espirituais da maldade tornou-se parte de nossa espiritualidade. Muitos não conseguem conceber seus relacionamentos com Deus sem a figura do diabo. É como se orar a Deus não bastasse, se antes não passarmos um bom tempo “amarrando” ou repreendendo o inimigo. Ou como se todos os acontecimentos de nossa vida, do momento em que nos levantamos ao momento em que nos deitamos, fossem permeados pelo diabo e não por Deus. A espiritualidade, que implica em relacionamento entre Deus e o homem, tem ficado desta forma comprometida a um ritual de purificação de atmosferas espirituais, como se fosse necessário apaziguar as regiões celestiais antes de relacionar-se com Deus.

Essa concepção é uma clara influência das antigas crenças animistas, segundo as quais se devia, antes de pedir algo, apaziguar os “espíritos das florestas”, e também da visão maniqueísta de que o bem e o mal se contrapõem em pé de igualdade, sendo assim impossível conceber um sem o outro. É como se não tivéssemos acesso a Deus diretamente sem antes “resolver nosso problema com o diabo”. E como se todos os eventos que nos ocorrem tivessem participação direta das forças diabólicas. O que está por trás desse tipo de abordagem é a idéia de que Deus e o diabo dividem as forças no reino celestial e que, se quisermos prosseguir em conhecer a Deus e nos relacionar com ele, temos antes que conhecer as minúcias da identidade satânica.

Devo ressaltar mais uma vez: não quero dizer com isso que devemos ser ignorantes da realidade da batalha espiritual. As Escrituras são claras em dizer que nossa luta não é contra carne ou sangue, mas contra principados e potestades que governam este mundo. O que creio é que não podemos colocar no meio de nosso relacionamento com Deus uma terceira figura que não seja Cristo – seja ela um instrumento de idolatria ou uma entidade maligna.

O grande perigo é que, enquanto estamos tentando lutar com o diabo no mesmo nível dele, ele pode estar ganhando terreno muito mais próximo a nós do que podemos imaginar.

Inimigo íntimo

O que mais preocupa é a luta por trás da luta. Enquanto travamos nosso embate frontal com o inimigo, como se ele estivesse apenas escondido atrás de alguma trincheira, temos abrigado agentes de seu exército dentro de nossos próprios batalhões.

Mas como ele consegue espaço? Como podemos permitir que nosso maior inimigo encontre lugar no meio de nossas forças de batalha?

Isso acontece porque existe dentro de nosso exército um forte aliado às forças diabólicas: a sede humana por poder, glória e independência.

A história é antiga. Tão antiga quanto o mundo. Foi lá no jardim que se efetuou a primeira infiltração. Ao instigar no homem o desejo de conhecer o bem e o mal, e ser igual a Deus, Satanás deu a caneta para que o homem assinasse seu contrato de independência de Deus. Temos a concepção errada de que o homem era um ser desprovido de qualquer compreensão moral, uma vez que o fruto da árvore proibida lhe concedeu o “conhecimento do bem e do mal”.

Mas se analisarmos bem as Escrituras, veremos que o homem tinha um recurso para saber a diferença entre certo e errado: a vontade de Deus. Se não fosse assim, como saberia o homem que não devia comer da árvore? Ora, ele sabia porque Deus o dissera: “De toda árvore do jardim comerás livremente [certo], mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás [errado]” (Gn 2.16-17). O Criador era também a fonte de conhecimento do que era bom e mau, mas ao desobedecer à sua ordem, o homem estava assumindo o controle de sua consciência moral, controle esse estimulado e financiado pela serpente.

Essa verdade me parece bastante coerente com o que Jesus disse a Satanás em Marcos 8.33: “Arreda, Satanás! Porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens”. Parece claro que Satanás e os homens compartilham interesses em comum. Ou melhor dizendo, o que é estritamente humano interessa, e muito, a Satanás. É assim porque o interesse de Satanás é fazer com que Deus não seja Deus. O que constitui um deus são os pilares do poder e da glória. Portanto, a estratégia básica de Satanás não é atrair glória e poder para si mesmo, e sim desviá-las de Deus, ainda que o novo deus seja um ser humano.

Bem, o que isso tem a ver com a igreja? Creio que o diabo continua financiando projetos humanos de poder, glória e independência. Como David Wilkerson corajosamente declarou em uma conferência de pastores: “Até mesmo o diabo pode ajudar sua igreja a crescer”. Ao falar sobre a necessidade de trazer o arrependimento de volta à prédica moderna, Wilkerson fez uma alarmante exposição sobre como, na maioria das vezes, estamos fazendo “boas coisas” que nos desviam completamente dos princípios e valores do Reino de Deus.

Quando nossos projetos são protegidos pelo ambiente religioso, corremos o sério risco de não questionarmos nossas intenções e atitudes, pois cremos que estamos em concordância com o Reino de Deus. E quando não há espaço para questionamentos em nossos próprios corações, deixamos um imenso silêncio, propício para que a voz da antiga serpente se faça ouvir.

Nada pode ser mais prejudicial ao corpo de Cristo do que a falsa religiosidade. Foi por isso que Jesus fez menção do “fermento dos fariseus” (Lc 12.1), algo que não vem de fora, mas está dentro da massa, pronto para levedá-la. Mascarada pelas “boas coisas” que não levam à vida de Cristo, a falsa religiosidade leva o corpo de Cristo a uma “sincera hipocrisia” – um estágio de vida religiosa onde tudo o que fazemos dentro do templo é absolutamente sincero. Ali dentro, amamos verdadeiramente, adoramos verdadeiramente, ouvimos sinceramente a Palavra de Deus, mas ao pisar porta a fora do santuário, cai sobre os olhos o véu da hipocrisia que nos leva a pensar de forma independente da mente de Cristo, desde que ninguém saiba.

A igreja teme os escândalos. Sofremos arrepios quando ouvimos que um pastor caiu em pecado ou que um membro conceituado do conselho da igreja foi achado em falta. Mas muito pior do que isso é camuflarmos os cantos escuros do coração que deviam ser expostos e queimados no altar.

Vitória através da derrota

Satanás continuará financiando projetos humanos. Onde houver um homem que queira ser deus, haverá uma serpente para ensinar-lhe o que fazer. A resposta para tudo isso é o constante questionamento e o sincero arrependimento; é olharmos para dentro de nós e enxergarmos quão fracos e dependentes nós somos do Criador; está em nos humilharmos debaixo da poderosa mão de Deus, desejando obter dele, na sua Palavra e pelo seu Espírito, as orientações necessárias para vivermos a vida cristã.

No entanto, temos que estar conscientes que seus caminhos não nos levarão aos pináculos dos templos onde todos os reinos nos serão oferecidos, e sim, ao monte do Calvário, onde somente depois do sofrimento e da morte, encontraremos a glória da ressurreição, para que a glória seja atribuída somente a ele – o Cristo ressurreto dentre os mortos.

“Porque dele, por meio dele e para ele são todas as coisas, glória pois a ele eternamente, Amém!” (Rm 11.36)

Mateus Ferraz de Campos é um dos pastores da Igreja do Nazareno em Americana – SP.

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