22 de dezembro de 2024

Ler é sagrado!

Cultivando o Desespero

Por: Daniel Henderson

Jesus responde de forma extraordinária a corações desesperados, famintos e apaixonados. Por outro lado, atitudes de autossuficiência e apatia o entristecem. Portanto, cabe a você e a mim uma pergunta direta e objetiva: Estou desesperado hoje? Senão, é possível ficar?

O desespero vem ou por uma crise, ou por uma busca consciente. No primeiro caso, Deus controla soberanamente as circunstâncias que produzem as crises. Nesse contexto, é sempre importante analisar os sinais dos tempos, tais como indicadores econômicos e acontecimentos políticos, para avaliar como poderão se desdobrar e nos afetar. Em última análise, porém, Deus pode intervir a qualquer momento e criar desespero no coração do seu povo por meio de circunstâncias especiais e inesperadas.

Há um segundo caminho. Jesus nos chama para cultivar desespero conscientemente. Na verdade, é esse chamado que está no centro de toda busca por avivamento, seja onde for: a necessidade de cultivar um coração de desespero espiritual na igreja.

A Bíblia está cheia de exortações para que nos arrependamos, reconheçamos nossa necessidade, busquemos a sua face e permaneçamos firme até o fim. Um dos melhores quadros de desespero no Novo Testamento encontra-se em Filipenses 3.

O capítulo inteiro é marcado por palavras carregadas de significado emocional que descrevem o desespero que Paulo cultivava. Expressões como “prossigo para o alvo”, “conquistar”, “conquistado”, “avançando” e “soberana vocação”, são destaques nessa descrição intensa da busca espiritual de Paulo. É uma “foto” de um coração desesperado.

Portanto, o que se pode aprender de Paulo a fim de experimentar a bênção de desespero espiritual? Como se pode cultivar essa atitude essencial numa base diária? Encontramos os componentes do compromisso de Paulo na contabilidade diária que ele realizava e no entendimento fundamental que abraçava.

A contabilidade de um homem desesperado

Usando termos bem conhecidos de contabilidade, Paulo descreve o balanço que fazia do próprio coração. As colunas de lucro e prejuízo estavam bem delineadas em sua mente. Creio que seria correto intitular a coluna de lucro com a palavra prazer. Em cima da coluna de prejuízo, poderíamos colocar esterco (uma palavra provocativa, mas fiel ao texto bíblico).

Paulo constantemente preenchia a coluna esterco com palavras como “obras religiosas”, “justiça própria”, “autoconfiança” e qualquer sistema humano de “bondade” que competia com a suficiência da pessoa e obra de Cristo.

No texto central dessa passagem, muito familiar, Paulo declara seu firme propósito de perseguir a “sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus” (v.8). Ele fala abertamente do anseio de “ganhar a Cristo e ser achado nele”. Declara sua determinação de “conhecê-lo e o poder da sua ressurreição e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte; para de algum modo alcançar a ressurreição dentre os mortos”.

Essas palavras de Filipenses 3.7-11 são expressões de um coração espiritualmente desesperado e determinado, que possui uma coluna de lucros claramente definida. A disciplina regular de contabilidade espiritual contribuía para deixar Paulo desesperado, focado e útil nas mãos do Mestre.

Essência de um homem desesperado

Usando os termos mais vivos e coloridos do seu vocabulário, Paulo inicia o capítulo 3 de Filipenses mostrando o contraste entre o cerne do desespero espiritual e a complacência perigosa de autoconfiança religiosa.

“Acautelai-vos dos cães! Acautelai-vos dos maus obreiros! Acautelai-vos da falsa circuncisão! Porque nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne” (Fp 3.2,3).

A circuncisão não era uma coisa ruim nas Escrituras. Era um sinal exterior e distintivo do povo de aliança, os judeus. Entretanto, os grandes inimigos do desespero espiritual, centrado em Cristo, são os substitutos respeitáveis da religião.

Referindo-se aos que trocavam paixão espiritual por práticas religiosas, como a essência de sua fé, Paulo chamou-os de cães, maus obreiros e mutiladores. Eram termos muito fortes. Cães se alimentavam de carniça, eram uma ameaça, um símbolo de imundícia.

Devoção religiosa dificilmente é considerada “nociva”, porém Paulo a classifica dessa forma porque qualquer coisa que substitui a paixão pela centralidade de Jesus é um grande mal para nossa alma. “Mutilação” (a palavra no original que é traduzida falsa circuncisão em Fp 3.2) parece uma palavra exagerada para descrever circuncisão – mas se serve para diminuir a paixão por Jesus, a prática não passa de tortura física sem propósito.

A maior ameaça à integridade do nosso sistema monetário não é aquele dinheiro fictício do jogo Banco Imobiliário, mas notas de reais falsificadas. O perigo latente que ameaça o casamento não é a foto da belíssima atriz na revista mas aquela colega super prestimosa no serviço.

Do mesmo modo, a grande ameaça ao avivamento espiritual não é a Islã radical, mas as alternativas fáceis de sistemas religiosos que colocamos no lugar da paixão por Jesus. O que Paulo está dizendo é que práticas religiosas que tomam o lugar do desespero espiritual, centrado em Cristo (especialmente quando nos são impostas com espírito legalista), são uma ameaça perigosa e, em última análise, um substituto nocivo.

Hoje, no lugar da “circuncisão”, temos os substitutos de frequência aos cultos da igreja, obras filantrópicas e uma lista inteira de regras religiosas que são impostas de forma legalista como marcas de espiritualidade. Parecem ser boas, mas, em última análise, são perigosas e nocivas se forem elevadas acima de pura paixão por Jesus. Podem funcionar como extintores de desespero porque proporcionam um falso senso de devoção espiritual.

Aqui, então, está a essência do coração de desespero espiritual que Paulo tinha. Ele o chamou de circuncisão verdadeira porque produz um coração dedicado, não apenas uma anatomia modificada. Ele relacionou três coisas que o afastavam de substitutos superficiais e o impulsionavam a uma busca espiritual mais profunda, genuína e ardente.

1. Adoração a Deus no Espírito.

Paulo faz eco às palavras de Jesus em João 4.24: “Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade”. Sabemos que a verdadeira adoração não consiste em regras e formas religiosas; mesmo assim, é muito fácil cair em uma rotina mecânica de atos exteriores. Paulo enfatiza a prioridade de adoração guiada pelo Espírito, capacitada pelo Espírito, sensível ao Espírito – não só aos domingos, mas todos os dias.

2. Gloriar-se em Cristo Jesus.

Paulo afirmou que toda sua alegria, seu foco, seu orgulho e sua glória estavam em Jesus e somente nele.

3. Rejeição da autossuficiência.

Aqui vemos um afastamento total de quaisquer substitutos de Jesus. Todo esforço humano, dever religioso ou sistema humano que pudesse, de algum modo, justificar o velho homem ou exaltar suas obras era terminantemente rejeitado. Esse “voto de desconfiança” (como se faz no sistema parlamentarista para tirar um governo que não conta mais com apoio popular) em si mesmo, que Paulo fazia diariamente ou, quem sabe, até minuto por minuto, ajudava-o a manter o coração em estado de desespero.

Cultivando desespero

Diante de tudo que consideramos, como podemos aplicar essas coisas à nossa vida hoje?

  1. Precisamos manter nosso alvo bem elevado. Devemos falar e pensar constantemente sobre prosseguir para o alto, engajados na nossa vocação e procurando completar a carreira com intensidade e paixão.
  2. Precisamos fazer um balanço diário do coração, aprendendo a anotar corretamente na coluna esterco e na coluna prazer.
  3. Devemos ficar livres da armadilha da religião legalista e fria (sem paixão), e perseguir sempre uma vida de adoração genuína, com consistência e capacitação do Espírito Santo.
  4. Devemos focar nosso coração somente em Cristo para que a paixão e a expressão de tudo que fazemos sejam voltadas inteiramente a ele.
  5. Devemos reconhecer a realidade sempre presente da carne e dar um voto decisivo de desconfiança como reação imediata e instintiva todas as vezes que o velho homem tentar levantar a cabeça horrorosa para tomar crédito por algo bom que tenhamos feito.

Talvez essas observações nos ajudem a cultivar um verdadeiro desespero por Jesus. É somente nessa posição que encontraremos bênção, poder, alegria e a capacidade de impactar sobrenaturalmente a nossa cultura. Qualquer atitude que ficar aquém disso errará o alvo.

Publicado originalmente na revista “Heartcry”, de Life Action Ministries, edição 47, verão de 2009.

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