21 de dezembro de 2024

Ler é sagrado!

Histórias que fizeram a História – A dura luta para reunir irmãos divididos

Georg Calixtus (1586-1656)

Incompreendido, difamado e rejeitado por seus contemporâneos, um teólogo lutou solitário contra a mentalidade religiosa sectária de sua época

Por Christopher Walker

Depois da Reforma Protestante, no início do século 16, houve várias tentativas, por meio de concílios, diálogos e publicações, de restaurar a unidade da igreja. A maioria acabou apenas confirmando a divergência doutrinária e fortalecendo os muros divisórios. Exemplo disso é o Concílio de Trento, o mais longo da Igreja Católica (18 anos, de 1545 a 1563), que serviu apenas para condenar e afastar ainda mais os reformados.

Além de não acharem o caminho de reconciliação e da unidade, os líderes eclesiásticos com poder político, em geral, nem sequer permitiam liberdade de culto às confissões divergentes. Pior do que isso, a intolerância gerou perseguições e guerras religiosas. No início do século 17, a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), uma das mais longas e devastadoras na história europeia, causada por rivalidades políticas entre católicos e protestantes, veio como espécie de consumação máxima do veneno sectário no cristianismo.

Ao longo desse tempo, surgiram raros e incompreendidos defensores do diálogo pacífico. Dois nomes que se destacaram no século 16 foram Georg Cassander e Georg Witzel, teólogos católicos alemães que estudavam as doutrinas das igrejas protestantes a fim de encontrar pontos em comum entre elas e a Igreja Romana.

Georg Calixtus era um teólogo luterano que seguiu e aprofundou essa mesma linha no século 17. Partindo do Credo Apostólico e procurando os pontos de consenso entre os Pais da Igreja durante os primeiros cinco séculos, Calixtus tentou criar uma teologia unificadora ou consensus antiquitatis. Seu objetivo era mostrar que os pontos em comum entre as igrejas cristãs eram mais importantes do que os pontos de divergência. Definiu heresia como a negação de algo essencial para salvação, e erro como a negação de algo não essencial. Um erro poderia ser grave, mas não suficiente para impedir comunhão entre os cristãos. Numa de suas obras escritas, ele desenvolveu nove pontos essenciais para preservar a paz e a unidade da igreja.

Entretanto, o que conseguiu mesmo foi ser hostilizado dos dois lados. Os católicos sentiram que suas doutrinas e práticas estavam sendo criticadas, enquanto os luteranos o acusaram de ter uma secreta inclinação ao catolicismo.

Enquanto isso, o rei católico da Polônia, Vladislau IV, que conseguira evitar o envolvimento de seu país na Guerra dos Trinta Anos, estava preocupado com os conflitos internos entre luteranos, reformados e católicos. Com esperança de promover união entre eles, convidou representantes das três confissões a se reunir pela primeira vez numa grande conferência de reconciliação.

No convite, o rei fez um apelo apaixonado: “Quem pode permanecer insensível diante de uma guerra [a dos Trinta Anos, ainda em andamento] tão prolongada, cruel e implacável, e não se perguntar: quem acendeu tamanho ódio? Por que tanto derramamento de sangue? […] O espírito do amor cristão me inspira a esperar que, na infinita misericórdia de Deus, aquilo que foi destruído pela malícia do inimigo seja restaurado…”

Calixtus, ao saber da convocação, imediatamente se dispôs a participar como um dos representantes luteranos. Entretanto, foi rejeitado pelos colegas mais radicais que conheciam sua abertura a outras confissões cristãs. “Fiquei atônito”, escreveu um deles, “ao ver Calixtus sentado no meio dos falsos profetas calvinistas, que ele considera como seus irmãos em Cristo!” No fim, Calixtus só conseguiu participar como membro da comitiva calvinista, já que seus próprios irmãos luteranos não o aceitavam.

Em agosto de 1645, 26 teólogos católicos, 28 luteranos e 24 reformados iniciaram na cidade de Torun, na Polônia, o que chamaram de Colloquium charitativum ou “consulta amorosa”. Um dos participantes era o educador morávio Jon Amos Comenius. Houve grande expectativa: mais de 50 mil convidados compareceram para acompanhar o evento.

O colóquio foi planejado para ter três partes: 1) formular uma declaração doutrinária de cada confissão; 2) avaliar a verdade dessas doutrinas; 3) esclarecer as controvérsias. Depois de três meses e 36 sessões, porém, as delegações estavam mais interessadas em expor as interpretações heréticas das outras do que em mostrar os pontos comuns. Não conseguiram nem concordar em orar juntos no início de cada sessão! Apesar das esperanças despertadas, nenhum dos lados quis ceder em favor da harmonia, e os debates não passaram da primeira fase. O colóquio terminou sem acordo – um encontro muito mais irritativum do que charitativum.

Embora profundamente desapontado com o resultado, Calixtus seguiu lutando, dialogando e argumentando em favor da unidade. Foi duramente criticado por seus colegas luteranos e acusado de sincretismo, por querer achar pontos de união entre as igrejas cristãs. Mesmo assim, continuou na Igreja Luterana e, apesar de não conseguir mudar a mentalidade das lideranças, exerceu influência duradoura sobre seus alunos como professor de teologia na Universidade de Helmstedt, bem como por meio de seus escritos.

Apesar da falta de sucesso aparente, Calixtus deixou um marco importante na busca da verdadeira base de unidade da Igreja, algo que ainda buscamos neste início do século 21.

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