Por: Pedro Arruda
Costumamos qualificar o pecado como resultado negativo de nossas ações. É uma redução própria da maneira natural de conceituar de acordo com os moldes do presente século; conseqüência de colocar o homem no centro. Ainda que dotada de lógica, é insuficiente para abranger o significado de pecado.
Diferentemente, Jesus conceitua o que é pecado a partir da motivação das ações, aferindo se tem relação de dependência de Deus ou não. Jesus fez tudo o que o Pai pretendia e nada além disso. Agir fora desse limite implicaria em pecado para ele – e, evidentemente, o mesmo vale para nós. Entretanto, devido a essa diferença entre o conceito de Deus e o nosso sobre a natureza do pecado, julgamos que determinadas ações não sejam pecado, especialmente se têm uma aparência benéfica ou inofensiva à sociedade.
É daí que vem a nossa dificuldade de entender, por exemplo, por que uma ação tão singela como Adão e Eva comerem de um fruto proibido teve conseqüências tão graves se comparada com a tolerância de Jesus de perdoar uma mulher flagrada em adultério. Do ponto de vista humano, seria mais lógico relevar o tropeço do primeiro casal e, no mínimo, aplicar um corretivo à mulher adúltera. O problema é que nosso conceito equivocado de pecado foi adquirido exatamente a partir da ingestão do fruto maldito, que trouxe conhecimento não só do mal, mas também do bem. O conhecimento, no sentido bíblico, não se restringe à teoria, mas inclui a experiência. Portanto, a prática do bem, tanto quanto do mal, gerada por atitude de independência e sem reconhecimento de Deus, traduz-se, de fato, em pecado.
Levar em conta apenas os resultados de uma ação para qualificá-la como pecado abre a possibilidade de graduá-la em categorias mais graves ou mais leves e ainda a pressupor um espaço de indiferença no qual se podem classificar as ações ou atitudes que supomos não serem pecados, apesar de não agradar a Deus. É esse presumido espaço virtual, mais conhecido como auto-ajuda, que oferece liberdade de ação para a alma. Ledo engano, uma vez que tudo o que fazemos sem fé é pecado, pois, sem ela, não podemos agradar a Deus (Rm 14.23; Hb 11.6). Jesus foi extremamente explícito quando repreendeu Pedro pelas boas palavras que proferiu na tentativa de poupar sofrimento ao Mestre: ao cogitar das coisas dos homens (campo aparentemente neutro), Pedro estava dando voz a um pensamento satânico (Mt 16.22-23).
Portanto, se não percebemos a armadilha enganosa por trás desse presumido e fictício espaço de atuação neutra do homem, ficamos à mercê de Satanás. Se foi ele que instigou o argumento para livrar Jesus do sofrimento, quanto mais armará ardis para desviar os homens do propósito de Deus! Ele pode até se transvestir em anjo de luz e proporcionar uma vida material boa para que a pessoa coloque o foco nisso e não em Deus: ter os celeiros cheios, mas perder a alma – exatamente por tentar conservá-la com as próprias forças e meios independentemente de Deus (Lc 9.24;16.23).
Quando nascemos de novo, somos gerados pelo espírito da nova vida que Jesus conquistou o direito de nos dar. A partir daí, não devemos estender indefinidamente a velha vida; ao contrário, é para o Senhor que agora vivemos na fé do Filho de Deus (Rm 14.8; Gl 2.20). Se, naquela época, fosse conhecida a cirurgia de transplantes, talvez os escritores do Novo Testamento a teriam usado para dizer que a vida de Jesus é transplantada em nós. Diante de tal mudança, não é lícito continuar adotando o conceito humano de pecado (ou seja, conformar-nos com este mundo). Ao contrário, somos exortados a transformar-nos pela renovação de nossa mente (trocar os conceitos do mundo por aqueles que vêm de Jesus) a fim de experimentar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus para nós (Rm 12.2) – assim como Jesus também a experimentou.
Da mesma maneira que o corpo físico reage à presença de um novo órgão transplantado, tentando rejeitá-lo, a alma age de maneira semelhante diante do espírito que nasce em nós. Ela tenta, de todas as formas, livrar-se dessa outra fonte, procurando mostrar que consegue fazer melhor, que a vida espiritual é dispensável ou até mesmo prejudicial. Para isso, recorrerá até a argumentos espirituais e terá sucesso na medida em que, calcados nos conceitos humanos, aceitarmos a existência desse campo virtual de indiferença a Deus. É nesse espaço de temperatura morna que o homem tenta servir a dois senhores simultaneamente (Ap 3.16; Mt.6.24).
Contudo, Deus, criador de todas as coisas, não concebeu esse espaço neutro. Para o Senhor, tudo é uma questão de vida ou morte, de bênção ou maldição; o sim é sim e o não é não. Quando o homem insiste em andar pelo próprio caminho, julgando que seja uma alternativa intermediária entre Deus e o diabo, chega um momento em que Deus o entrega aos próprios pensamentos e paixões, para seguir o curso que lhe parece certo. Como o coração do homem é enganoso, o que lhe parece neutro ou inofensivo, ainda que não claramente aprovado por Deus, pode terminar em morte (Rm 1.24,26,28; Pr 14.12; Jr 17.9).
Portanto, não deixemos a alma enganar-nos com a perspectiva de bons empregos e rendimentos, saúde e paz, custeados pelo sucesso da independência humana. Que Jesus nos salve disso a fim de trocarmos nossa vida efêmera pela vida dele – a única que é verdadeiramente eterna!