Clésio Pena
Recentemente, voltei de mais uma viagem às comunidades ribeirinhas na Amazônia. Como sempre, foi uma experiência singular. Costumo ir com uma equipe da área de saúde. Embora o objetivo principal dessas viagens seja mostrar o amor de Jesus às pessoas que vivem lá, também procuramos prestar assistência médica. Na equipe, contamos com médicos, dentistas, um farmacêutico (olhe eu aí) e enfermeiros.
Dessa vez, tivemos a participação de cabeleireiros e manicures. Minha filha Beatriz, de 13 anos, também me acompanhou. Ela ficou muito feliz em poder ajudar nas atividades, no evangelismo e, até mesmo, em poder abraçar as crianças e dançar com elas. Foi uma experiência muito marcante e inesquecível para ela.
Embora tenha sido muito interessante o trabalho que realizamos lá com toda a equipe, minha intenção aqui não é relatar nossas experiências, mas tentar traçar um paralelo entre a forma urbana de viver em nossas cidades e a vida simples que os ribeirinhos levam às margens dos rios, em meio à mata amazônica.
Algumas horas após chegarmos à primeira comunidade, num final de tarde, saí com Beatriz para caminhar um pouco pelo local. Enquanto andávamos entre as casas, ela me fez uma pergunta: “Pai, como essas pessoas conseguem viver desse jeito, sem nada?”.
“Sem nada?”, respondi. “Eles têm tudo!”
Certamente, a questão é muito complexa. Quando nós, que moramos em casas bem-construídas, com piso, água tratada, eletricidade e todas as facilidades da vida moderna, como microondas, internet e celular, nos deparamos com uma realidade simples, como a daqueles ribeirinhos, costumamos imaginar: “Como pode alguém viver num lugar onde não tem nada disso? Onde não há nenhum conforto moderno?”. Nessa região, por exemplo, nem estradas existem. Toda locomoção é feita por barcos.
Temos uma tendência a considerar que essa vida não é muito boa. Quem mora ali não dispõe de qualquer recurso tecnológico, possui poucos móveis, tem uma casa simples, sem cama alguma, pois todos dormem em redes. Há abundância de água, porém não é tratada nem encanada; geralmente, lavam louças e roupas às margens do rio. Tomam banho no rio. Não existe ali saneamento básico. Evidentemente, hospitais, médicos, dentistas e medicamentos ficam todos muito distantes. Enfim, é uma vida completamente oposta à que levamos nas cidades. A diferença é imensurável. Só podemos afirmar que é outra vida; uma vida muito estranha – de acordo com os nossos parâmetros.
Não há segredo em perceber as diferenças, não há como ficar alheio a uma vida que não seja como a nossa, com todas as facilidades que temos. Na verdade, até os desejos mudam. Ambições, status, posição social, marcas de roupas, de sapatos, de carros ou de celulares. É estranho ver como é viver sem ficar ligado às marcas, ao mais caro, ao último modelo. Parece que é uma vida que ainda não foi atingida nem corrompida pelo marketing. As pessoas não precisam pensar sobre a opinião dos outros em relação ao que estão vestindo ou usando.
Minha pergunta é: será que a vida simples desse povo deve ser considerada absurda, infeliz, inferior e sofrida – ou a maneira como vivem é um privilégio? É verdade que eles não têm acesso aos últimos modelos dos aparelhos eletrônicos, mas, por outro lado, também não estão sujeitos ao estresse urbano que nos perturba todos os dias. Lá não tem trânsito, buzinas, palavrões destinados ao “navalha” do carro que está à minha frente… A competição é bem menor, e a solidariedade é bem maior.
Você sabia que lá existe um verbo chamado compartilhar? Como ninguém tem geladeira, se um pescador pega um peixe grande ou mata um porco, toda a comunidade é beneficiada. Eles compartilham. Ajudam-se uns aos outros. Para eles, há outras prioridades; os compromissos são mais pessoais do que profissionais. Não há multas de trânsito nem boletos para pagar toda semana. Como sobrevivem sem tanta pressão, tantos afazeres como nós, que passamos o dia todo, todo dia, correndo atrás de compromissos para alcançarmos nossos objetivos?
Se lhes falta acesso a certo conforto ou vantagens da vida moderna, por outro lado, não sentem o estresse nem a fadiga de tentar manter-se atualizados com todos os lançamentos. Se precisamos de tão pouco para viver, por que tanta correria? Como disse Jesus: “Marta! Marta! andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário, ou mesmo uma só coisa…” (Lc 10.41,42). Mesmo ouvindo essas palavras do Senhor, por que ainda continuamos a correr tanto, de um lado para outro? Por que simplesmente não nos aquietamos nos braços do Pai?
Como você pode perceber, a minha conclusão é que uma vida simples é um privilégio. As coisas boas da vida realmente não custam muito caro. Custam decisões – sobre o que é de fato prioritário. Vivemos sempre resolvendo o urgente, esquecendo o principal.
Pergunto-lhe, leitor: você quer ficar atrás do urgente ou dedicar-se às coisas importantes? Ninguém no leito de morte reclama que gostaria de ter trabalhado mais, feito mais horas extras, comprado mais bens ou de melhores marcas. Você tem-se desgastado em prol do quê? O que o tem consumido? O que tem ocupado suas energias, suas forças?
“Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada.”