Por: João A. de Souza Filho
Batalha espiritual é um tema bíblico que pode ser visto por dois ângulos ou perspectivas diferentes: em nível pessoal, isto é, a luta do diabo contra o cristão, procurando enfraquecer ou derrotá-lo através da tentação e opressão; e em nível territorial, procurando dominar determinadas regiões de uma cidade, país ou continente através de poderes ou autoridades espirituais.
Muitos cristãos mantêm distância do tema de batalha espiritual por causa de práticas que são mais esotéricas que bíblicas. Por desconhecerem princípios bíblicos, em vez de usarem as armas espirituais ou as estratégias de Deus, alguns grupos têm entrado no terreno do esoterismo, tentando neutralizar as forças do mal com elementos aos quais atribuem poderes especiais ou com métodos trazidos de fontes erradas.
A Existência do Mundo Espiritual
Por outro lado, a solução não é negar a existência do mundo espiritual das trevas e os poderes que este exerce sobre a Terra. Tanto Jesus quanto os apóstolos falavam da existência de tais poderes.
Os discípulos de Jesus voltaram da viagem missionária regozijando-se com a autoridade que puderam exercer sobre os demônios (Lc 10.17-19). Paulo descreve os acontecimentos no mundo espiritual nos célebres textos de 2 Coríntios 10.3-5, Efésios 6.12, Colossenses 1.16-20 e 2.14-15. O texto de Efésios 6.12 fala de uma ordem ou hierarquia no mundo espiritual. “Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes”.
Em seu livro The Believer’s Guide to Spiritual Warfare (O Manual do Crente Para a Batalha Espiritual), Tom White diz que essa passagem é um retrato do organograma de autoridade do inferno. Veja o que ele diz a respeito da hierarquia satânica:
Paulo iluminou o tópico descrevendo os poderes como uma hierarquia de governo organizada, com principados (archai), autoridades (exousia), poderes (dunamis) e forças espirituais da maldade (cosmocratas). Supõe-se que a estrutura de governo aqui esteja em ordem decrescente. Daniel 10.13,20 desvenda a identidade dos principados (archai) como príncipes satânicos superiores que foram colocados sobre as nações da Terra. A palavra exousia tem uma conotação de governo natural e sobrenatural. Na compreensão apostólica, havia forças sobrenaturais que “ficavam por trás” da estrutura governamental humana. Sem dúvida, Paulo é um porta-voz da noção apocalíptica judaica de que Deus concede poderes a seres cósmicos para arbitrar os assuntos terrenos. Presume-se que os poderes, dunamis, operem dentro de países e nas culturas, influenciando certos aspectos da sociedade. Finalmente, as forças espirituais da maldade, cosmocratas, são os muitos tipos de espíritos que afligem as pessoas, por exemplo, espíritos de engano, adivinhação, sensualidade, rebelião, medo e enfermidades. Geralmente esses são os espíritos do mal que se manifestam e são expulsos nas reuniões de libertação. Entre eles, existe também uma estrutura de autoridade em que os mais fracos são subservientes aos mais fortes.
Relação entre Príncipes Espirituais e Naturais
Uma passagem interessante ocorre no livro de Daniel. Este servo de Deus, depois de três semanas de intensa intercessão, recebe a resposta às suas inquietações através de um varão celestial que o conforta, dizendo: “… porque desde o primeiro dia… foram ouvidas as tuas palavras; e por causa das tuas palavras é que eu vim” (Dn 10.12).
O versículo seguinte descortina, de forma rara, o que acontece no mundo espiritual: “Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu por vinte e um dias; porém Miguel, um dos primeiros príncipes, veio para ajudar-me, e eu obtive vitória sobre os reis da Pérsia”.
Como entender o texto? Nenhum homem na terra, por forças naturais, pode impedir a ação de Deus. Ora, o governo da época era o de Ciro, rei da Pérsia, mas no mundo espiritual havia um príncipe que paralelamente governava. O versículo 20 esclarece o episódio, pois diz: “Sabes por que eu vim a ti? Eu tornarei a pelejar contra o príncipe dos persas; e, saindo eu, eis que virá o príncipe da Grécia”.
Entendemos que houve uma batalha nos céus, envolvendo os demônios liderados por Satanás, para impedir a passagem do Arcanjo. Vemos que o mesmo conflito que se passava no mundo espiritual veio a manifestar-se no mundo natural: a Grécia foi a nação que a seguir ocupou o lugar de destaque no mundo político da época.
A Bíblia Anotada de Ryrie diz na nota de rodapé: “Um ser sobrenatural tentava levar os reis da Pérsia a se oporem ao plano de Deus. Os anjos maus procuram influenciar os relacionamentos entre as nações… Com a ajuda de Miguel, o anjo bom obteve um lugar de superioridade para influenciar os destinos da Pérsia. No entanto, a batalha entre anjos bons e maus pelo controle das nações continua, conforme o versículo 20”.
Daniel não participou diretamente dessa batalha e só ficou sabendo dos acontecimentos no final do seu período de intercessão. Entretanto, fica claro que a vitória sobre a resistência inimiga estava vinculada, de alguma forma, à fidelidade e persistência de alguém na Terra que se angustiava pela causa de Deus.
Outros exemplos da ligação entre governantes terrenos e potestades espirituais podem ser encontrados nos profetas. Na figura do rei de Tiro (Ez 28) e na do rei de Babilônia (Is 14.3-27) estava representado o próprio Satanás. Inicialmente, parecem profecias dirigidas a pessoas humanas, mas na realidade se referem a um ser espiritual, pois descrevem alguém cujos atributos transcendem um ser natural.
Ligações com o Mundo Espiritual na Época Apostólica
O mundo da época de Jesus e dos apóstolos em nada difere do mundo de hoje. Videntes e profetas inspirados por potestades do mundo espiritual apareceram em todos os períodos da história trazendo previsões e revelações. Os imperadores consultavam pitonisas e médiuns para saber de seu futuro e viviam sob o terror dos prognosticadores.
Existem cidades ou regiões que parecem ser especialmente controladas por potestades das trevas. Veja o exemplo de Pérgamo, cidade sede de uma das sete igrejas do Apocalipse, grande centro cultural que exercia forte influência espiritual na região.
Essa célebre cidade possuía a segunda mais importante biblioteca do mundo, com 200 mil volumes, que depois foram levados para Alexandria. Um dos seus principais monumentos era um templo dedicado ao deus Esculápio, representado por uma serpente. A cidade possuía também uma antiga forma de adoração ao diabo e um culto babilônico – o culto dos magos.
Na carta à igreja em Pérgamo, Jesus afirma que lá estava o trono de Satanás (Ap 2.13). Era uma fortaleza espiritual contra o evangelho, onde Antipas morreu como testemunha ou mártir. A influência maligna veio da época quando toda a hierarquia religiosa de Babilônia fugiu da invasão persa em 487 a.C., levando consigo os oráculos espirituais – os livros de magia com seus segredos.
Posteriormente, essa mesma influência foi transmitida ao império romano. Júlio César foi o primeiro imperador que recebeu em Pérgamo o título de sumo pontífice em 74 a.C. O título dava ao imperador o direito de ser o representante supremo de Deus na terra. A partir de Júlio César, todos os imperadores iam a Pérgamo receber o título de divindade.
Assim, Roma herdou o legado espiritual de Babilônia através de Pérgamo e o utilizou para conferir autoridade e domínio aos imperadores como pontífices máximos e líderes espirituais, controlando cidades e regiões da Terra. Mais tarde, os mesmos títulos e linhagens de poder foram outorgados aos papas de Roma.
Usando as Armas Espirituais
Apesar de a igreja apostólica ter nascido num mundo tão explicitamente governado por poderes das trevas, não vemos nas Escrituras nenhum registro de uma estratégia delineada para os cristãos atacarem ou tentarem derrubar esses governos. Por outro lado, Paulo reconhece claramente que existe uma guerra espiritual e exorta os efésios a se prepararem para tomar posição firme nela.
Em Efésios 6.10-19, podemos aprender alguns princípios importantes.
1.É uma batalha baseada “na força do poder” de Deus (6.10), não na inteligência ou intelecto humano “Força” aqui é kratos, palavra usada para governo, e “poder” é ischus, palavra usada para vigor ou autoridade. Então, lutamos fortalecidos no governo da autoridade divina. E isso faz a diferença!
2.Ele fala em “tomar as armaduras de Deus” ou revestir-se “de toda a armadura de Deus” (Ef 6.11,13). Então, o poder, ou vigor para a guerra, e a armadura, ou revestimento espiritual, são ambos providências de Deus para o cristão que está debaixo de autoridade ou do governo de Deus. Não são armaduras nem armas humanas que se compram numa conferência de guerra espiritual. Cada um dos itens vem de Deus, até mesmo a oração com a qual enfrentamos os poderes do diabo são orações no Espírito (6.14-19).
3.Parece que as duas únicas coisas com que o homem contribui nesta guerra são a vigilância e a perseverança, pois Paulo afirma: “e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos” (v 18).
Tomar posse de nossas armas espirituais não quer dizer que o crente não será perseguido, exilado e morto por defender a fé. João explica como isso aconteceu na vida dele. “Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no reino e na perseverança, em Jesus, achei-me na ilha chamada Patmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus” (Ap 1.9). O que levou João a ser perseguido? A intransigência que mantinha em defesa da Palavra de Deus e o testemunho que sua vida dava de Jesus (veja Ap 1.2 e 12.11).
Ainda hoje, cristãos em várias partes do mundo fazem guerra contra o mal e morrem, dando sua vida em defesa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus. A vida de justiça – padrão de boas obras – deve estar acompanhada de uma vida de manifestações do poder de Deus. Manifestações de cura, de libertação, de expulsão de demônios e milagres são o testemunho, ao lado de uma vida de santidade e de boas obras, de que o reino de Deus é chegado a uma cidade.
Em síntese, o relato do Novo Testamento não mostra a igreja obcecada com a existência de poderes das trevas, embora estivesse consciente de sua existência. O objetivo é sempre estender o Reino de Deus, e devemos lutar contra as forças satânicas na medida em que estas se opõem ao seu avanço. Embora ainda existam várias cidadelas do inimigo, à semelhança de Pérgamo nos tempos apostólicos, nossa incumbência não é atacá-las diretamente; é sempre dar um fiel testemunho, ainda que nos custe a vida, e fortalecer-nos no poder e com a armadura do Senhor. Se estivermos ativos na extensão do Reino de Deus, certamente enfrentaremos ferrenha oposição; porém, se estivermos firmes no Senhor, revestidos com sua armadura, não poderão nos deter.
João A. de Souza Filho é casado com Vanda Beatriz, tem dois filhos e três netos. Exerce seu ministério junto ao corpo de Cristo, a igreja, no Rio Grande do Sul. Para mais informações sobre seu ministério, seus artigos e seus livros acesse: www.pastorjoao.com.br.
Respostas de 4
gostei muito , pois através do que eu li aqui consegui tirar algumas duvidas e estudar mais profundo a palavra de DEUS, que Deus abençoe a vc sua familia e seu ministerio .
ótimo perceber uma obviedade que me escapava, a transferência do saber maligno da Babilônia para Pérgamo e daí para Roma. muito obrigado, vlw
Gostei muito do assunto e solicito enviar em meu e-mail.
Eu quero tanto aprofundar mais quanto ao estudo da batalha espiritual. Visto que é conhecendo o inimigo para se ter o bom combate e obter vitória.