Adaptado de uma biografia por Lizzie Alldridge
Frances Ridley Havergal é conhecida por todo o mundo cristão por seus hinos muito conhecidos e pelos livros que escreveu. Muitos daqueles que não conhecem seu nome já cantaram e foram tocados por estes hinos.
A seguir, alguns dos fatos principais da sua vida, como motivo de inspiração à nossa jornada de entrega a Deus.
Frances nasceu em Astley, na Inglaterra, em 14 de dezembro de 1836. Era a última de seis filhos do pastor anglicano, Henry Havergal, e sua esposa, Jane. Era um lar rico em influências espirituais e também musicais. O Sr. Havergal, um conhecido poeta e músico cristão, era uma canção viva, que enchia o lar com santas melodias. Compôs mais de cem hinos e a música para muitos dos hinos que sua filha escreveria.
Como caçula, Frances tornou-se a queridinha especial de toda a família. Era uma criança linda, com aparência de fadinha, cabelos louros encaracolados, uma expressão radiante e pele clarinha. Boa parte deste fulgor e radiante beleza permaneceu durante o resto da sua vida.
Além da sua beleza, Frances também demonstrou excepcional desenvoltura e facilidade com linguagem oral e escrita, desde pequena. Com dois anos de idade, já falava com perfeição. Com três, lia histórias infantis e cantava hinos que aprendera do pai. Tinha sede de conhecimento e sempre estava lendo um livro ou procurando aprender algo novo. Com quatro anos, já estava lendo a Bíblia.
Fazer poesias veio para ela naturalmente. Seu pai era um grande compositor de música sacra e, assim, o ambiente do lar estava sempre permeado de hinos e letras cristãs. Desde pequena, já enchia cadernos com histórias e poesias, especialmente para uma sobrinha que era pouco mais nova que ela. Aos nove anos de idade, escrevia longas cartas para seu irmão e suas amigas.
Um Problema Interior
Aparentemente, era uma garota bem dotada e muito feliz. Porém, havia um problema interior, que só se tornou conhecido por causa do relato que ela mesma escreveu da sua vida, quando tinha 22 anos de idade.
Seu grande problema e angústia interior era que sentia que devia amar a Deus, porém não amava. “Até os seis anos de idade”, ela escreveu, “não me lembro de ter pensado em nada que fosse religioso. Acho que não conseguiria falar nenhuma das belas coisas que as crianças costumam falar a respeito de Deus, embora tivesse todo incentivo ao meu redor neste sentido.
“Porém, entre seis e oito anos de idade, recordo-me de algo que mudou tudo isso. Foi através de um sermão que ouvi. Até hoje, guardo uma forte impressão. Para mim, foi algo muito terrível, pois era a respeito do inferno e do juízo de Deus, e de como é coisa horrível cair nas mãos do Deus vivo. Este sermão me assombrava. Comecei a orar bastante, de manhã e à noite, com uma espécie de impaciência e frustração, ou quase ira, por sentir-me tão infeliz. Eu queria um novo coração e que tudo ficasse acertado, para poder ser feliz e acabar de vez com a tristeza.
“Este estado de espírito perdurou muito tempo, quebrado de vez em quando por intervalos de um mês ou mais, quando não tinha qualquer pensamento mais grave, nem fazia nenhuma verdadeira oração. Depois, de repente, um belo e tranqüilo entardecer ou um ‘livro de domingo’ despertava novamente a sensação de desconforto. Comecei a cultivar um hábito: todo domingo à tarde, eu ia para uma pequena sala na frente da casa e lia um capítulo do Novo Testamento. Depois, ajoelhava-me e orava, o que geralmente me fazia sentir um pouco aliviada e menos travessa.
“Como criança, eu tinha uma percepção muito mais aguda da natureza do que tenho, mesmo agora. Nunca mais senti algo tão intenso, como se fosse uma espécie de prazer quase insuportável. A calma esplendorosa de um dia de verão penetrava no mais profundo do meu ser e me fazia bem. O que hoje sinto somente através de alguma música rara e especialmente bem apresentada, eu tinha naquela época simplesmente por estar à sombra de uma árvore sob um céu cristalino e azul, vendo um raio solar penetrando por entre os galhos e folhas da árvore. Mas este prazer não me satisfazia, nem me deixava feliz. Eu queria mais.
“Lembro-me de ter visto a frase de um poeta famoso, que dizia: ‘Meu Pai fez todas essas coisas’! Eu queria poder dizer isto e sentir sua realidade, mas não conseguia. Durante a primavera, estas palavras voltavam com insistência e, por dezenas de vezes, dizia comigo mesma: ‘Oh, se Deus tão somente me tornasse uma cristã antes do verão’, porque eu queria tanto apreciar suas obras como sentia que podiam ser apreciadas.
“Durante todo esse tempo, ninguém tinha qualquer noção do que passava dentro de mim. Mas eu sabia que era uma ‘criança travessa’ e quase me desesperava de melhorar, a menos que me convertesse.”
Em outro livro, publicado após sua morte, ela conta como nesta época desejava muito que viesse alguém que não fosse de sua família, para falar com ela sobre Jesus. Por mais que soubesse que seus pais e irmãos eram todos santos e dedicados, ela sentia que não conseguiria ouvi-los. Homens bons e ungidos vinham e pregavam belos sermões na igreja do pai dela, mas quando voltavam para sua casa depois do culto, falavam de toda sorte de outro assunto, menos aquele que ela queria ouvir. Procurando ser amigáveis, falavam com ela sobre suas lições ou sobre as filhinhas deles que ficaram em casa, mas não falavam a respeito do Salvador, que ela tanto queria e ainda não encontrara. Aqueles homens não podiam imaginar como aquela alma faminta saía vazia e frustrada.
Quando tinha nove anos, ela ouviu uma pregação que muito a impressionou. Era sobre o texto: “Não temas, pequeno rebanho”. Ela queria tanto encontrar felicidade e se converter, mas nunca havia falado com ninguém sobre este assunto. Depois de quase duas semanas de indecisão e angústia, vendo-se sozinha com o pastor que pregara aquele sermão, resolveu falar-lhe da sua perturbação interior e de como piorava cada vez mais.
Como sua família tinha acabado de mudar de cidade, o pastor lhe disse que talvez esta fosse a causa, que logo passaria, e que deveria tentar ser uma boa menina e orar, etc. Foi uma decepção tão grande que durante os cinco anos seguintes, ela não se abriu com mais ninguém.
Com onze anos, ela sofreu a mais terrível tristeza que uma criança pode conhecer: depois de muito sofrimento, sua mãe faleceu. Embora sua angústia fosse muito aguda, ela sempre tentava escondê-la. Como qualquer criança, ela tinha a capacidade de esquecer de tudo por alguns instantes, diante de algum estímulo exterior, e assim dar a impressão de que estava tudo bem.
Enquanto isto, a mesma carga de angústia interior continuava no seu interior.
“Eu sabia”, ela escreve no seu relato, “que não amava a Deus. Só de pensar nele me assustava. Ao deitar-me à noite, eu me obrigava a pensar em Deus, dizendo: ‘Como foi bom Deus ter enviado Jesus para morrer’. Entretanto, nada disto me atingia, nem conseguia acreditar nesta bondade.”
Aprendendo a se Abrir
Quando tinha por volta de treze anos, uma atitude mais ponderada e sóbria começou a substituir as crises espasmódicas e apaixonadas de antes. Agora havia uma oração mais definida e intensa para que tivesse fé.
“Oh, que eu pudesse crer em Jesus, acreditar que de fato ele me perdoou. Eu ficava acordada por horas nas noites de verão, orando por este dom precioso. Eu lia bastante a Bíblia, de uma forma seqüencial. Se a vida eterna estava nas Escrituras, pensei, eu a encontraria ali. Comecei a dar uma hora por dia à leitura metódica e cuidadosa do Novo Testamento.”
Finalmente, sua barreira para falar do seu anseio com outras pessoas começou a ser quebrada. Em 1850, ela foi enviada para uma escola cristã. Na véspera da sua partida, sua irmã, Ellen, começou a falar-lhe do amor de Deus. Frances não suportou sua pressão interior e explodiu: “Não posso amar a Deus, ainda não!”
A diretora da escola tinha um santo e doce poder em sua vida, e orava e conversava com as alunas com um fervor que Frances nunca antes vira. E logo conheceu várias outras colegas cristãs. Especialmente com uma, chamada Maria, Frances conversava freqüentemente. Bebia tudo que ouvia sobre Jesus e sua salvação. Percebia claramente que somente Cristo poderia satisfazê-la. Chorava e orava de dia e de noite, mas “não havia uma voz que respondesse”.
Havia uma outra colega, Diana, que Frances admirava com uma afeição muito grande. Por algum tempo, esta amiga estivera um tanto deprimida. Frances novamente relata em suas próprias palavras:
“Nunca poderei me esquecer da noite de domingo, 8 de dezembro de 1850… Ao sentar-me de frente com a Diana durante o chá, não pude deixar de notar um novo e admirável fulgor no seu semblante. Parecia haver um brilho que saía do seu interior e iluminava seu rosto e sua voz; mesmo quando falava sobre as coisas mais comuns, assemelhava-se a uma canção de regozijo. Olhei para ela com espanto e admiração.
“Logo que terminamos o chá, ela veio para meu lado da mesa, abraçou-me e disse: ‘Oh, Fanny, querida Fanny, a bênção chegou para mim! Enfim, Jesus perdoou-me, agora eu sei. Ele é meu Salvador e estou tão feliz! Vá a ele e ele a receberá. Mesmo agora, ele a ama, ainda que não o sinta.’”
A Luz Finalmente Alcança Seu Coração
Agora que já tinha quebrado o gelo na escola, Frances não teve tanta dificuldade para se abrir novamente com a Srta. Cooke, que depois se tornou sua madrasta. Depois de várias conversas, cada uma das quais deixava Frances mais esperançosa e intensa, um dia, no entardecer, as duas estavam sentadas sozinhas na sala. Frances estava contando como ansiava por saber que estava perdoada, e como mesmo o grande amor que tinha pelo querido pai e pelos irmãos e irmãs nem se comparava com este intenso anseio.
A Srta. Cooke ficou em silêncio por um instante e depois disse: “Então, Fanny, eu acho – não, eu tenho certeza que não demorará para seu desejo ser saciado, sua esperança realizada”.
Depois de dizer mais algumas palavras, ela disse: “Por que você não pode se confiar, já agora, ao seu Salvador? Supondo que agora, neste momento, Cristo fosse vir, não poderia confiar nele? Será que seu chamado, sua promessa, não seria suficiente para você? Não poderia entregar sua alma a ele, ao seu Salvador, Jesus?”
Frances relata o que sentiu neste momento. “Então um raio de esperança passou por mim, deixando-me literalmente sem fôlego. Lembro até de como meu coração disparou a bater rápido. ‘Sim, eu poderia, certamente poderia’, foi minha resposta e imediatamente a deixei e corri para meu quarto para ficar sozinha.
“Lancei-me de joelhos e lutei para me abrir àquela repentina esperança. Enfim, estava feliz; eu podia entregar minha alma a Jesus. Podia confiar tudo que eu era a ele por toda eternidade. Era algo tão novo, sentir algo positivo sobre a religião, que quase não dava para acreditar.
“Naquele momento, entreguei minha vida ao Salvador. Não posso dizer que o fiz sem tremor ou temor, mas me entreguei. Terra e céu pareciam ter uma nova luz daquele momento em diante. De fato, estava confiando no Senhor Jesus.
“Pela primeira vez, minha Bíblia era doce para mim e a primeira passagem que recordo claramente de ter lido nesta nova luz maravilhosa foi João 14 e os capítulos seguintes.”
Era fevereiro de 1851, e Frances tinha quatorze anos. A partir da sua conversão realmente tudo foi diferente. Agora não só parecia ser uma pessoa exuberante e cheia de dinamismo, mas realmente era.
A Revelação da Consagração
Porém, como sabemos, a jornada para conhecer a Deus e dar tudo a ele só estava começando.
Frances passou por sérias enfermidades, quase ficou cega com quinze anos de idade, e perdeu o pai alguns anos depois. Completou seus estudos e desenvolveu seu talento literário. Escrevia com profusão, cantava profissionalmente como solista de concertos, e era uma brilhante pianista de música clássica. Falava vários idiomas, além de conhecer bem grego e hebraico. Com vinte e dois anos, tinha memorizado todo o Novo Testamento, além de Isaías e Salmos. Mais tarde, decorou todos os profetas menores.
Apesar de todo seu talento e facilidade natural de escrever, ela aprendeu a depender de Deus como uma criança. “Escrever é como orar para mim. Uma criança escreve uma frase e depois olha para cima e diz: ‘O que devo falar agora?’ É assim que faço; peço a ele, a cada linha, que me dê não só idéias e poder, mas cada palavra, até as próprias rimas.”
Mas foi anos depois que teve uma experiência ainda mais profunda, quase tão impactante quanto sua conversão. Nas suas palavras, foi uma bênção que “elevou toda sua vida à luz do sol brilhante de verão, fazendo tudo que experimentara antes parecer raios pálidos e passageiros da primavera, em comparação”.
Esta bênção veio através de um livreto chamado “Tudo Para Jesus”. Algumas palavras ali sobre o poder de Jesus de guardar aqueles que permanecem nele abriram seus olhos e ela exclamou: “Vejo tudo agora; a bênção agora é MINHA! Vi como um raio de luz elétrica e o que se vê assim nunca mais dá para ficar encoberto novamente. Precisa haver total entrega antes que possa haver pleno gozo e graça. Ele mesmo mostrou-me isto.”
Outro aspecto da sua revelação foi a respeito da purificação do sangue de Jesus. “Um dos momentos mais intensos da minha vida foi quando vi a força da palavra ‘purifica’”, ela escreveu. “O senso totalmente inesperado e inimaginável da purificação total, simplesmente por crer na sua plena eficácia, era indescritível. Eu não esperava nada assim antes de chegar no céu. Aceitando as ordens e promessas de Deus assim, com uma fé simples e ingênua de criança, parece trazer-nos uma visão mais intensa de todas as coisas. O pecado nunca antes pareceu tão odiável, a vigilância tão necessária e tão constante e aguçada – só que diferente, sem angústia ou esforço, mas alegre e tranqüila. Aí entra também o ‘tudo’ para Jesus; nada de meia entrega, mas absolutamente tudo precisa ser entregue, pois a área, por menor que seja, que permanece intacta ou em dúvida torna-se pecado, além do grande fato de que devemos tudo a ele.”
Sua vida tornou-se agora muito mais frutífera. Em cada visita e contato pessoal, seu maior desejo era que famílias inteiras pudessem provar junto com ela da bondade do Senhor.
Foi nesta época que escreveu seu Hino de Consagração, provavelmente o mais conhecido de todas suas obras. Foi assim que aconteceu, de acordo com seu relato: “Fui fazer uma visita de cinco dias a uma família. Havia umas dez pessoas na casa, algumas sem conversão, por quem havia orado há muito tempo, outras convertidas mas sem alegria no Senhor. Fiz uma oração, inspirada pelo próprio Deus: ‘Jesus, dá-me todos que estão nesta casa!’ E ele me deu! Antes de partir, todos haviam recebido a bênção.
“Na última noite da minha visita, não consegui dormir de tanto gozo, e passei a maior parte da noite em louvor e renovação da minha própria consagração. Espontaneamente, estes versinhos foram se formando, rimando e tocando no meu coração, um após o outro, até terminarem com ‘Sempre, SOMENTE, TOTALMENTE para ti!’”
A partir deste dia, em 1873, ela dedicou todos seus talentos somente para a causa do Mestre. Em qualquer ambiente, social ou não, onde cantava e fazia apresentações, ela passou a cantar e tocar somente para Jesus.
Sempre com saúde frágil, contraiu uma gripe severa com quarenta e dois anos e morreu de uma inflamação dos pulmões. Nunca se casou. Deixou mais de sessenta hinos, compôs a música de algumas delas, e escreveu várias coletâneas de poesias e livros em prosa.
A história da sua vida é a história do crescimento do amor a Cristo no seu coração. Ela recebeu o privilégio, não só de experimentar, num grau maravilhosamente elevado, aquele extático amor e total consagração a Jesus que marcam a verdadeira vida cristã, mas de comunicar poderosamente esse amor através de hinos e escritos, de tal forma que corações em muitas partes do mundo fossem tocados pelo ardor da sua devoção. No caso dela, o amor cresceu de forma lenta, como também sua capacidade de derramá-lo. Seu vaso de alabastro demorou para se encher; mas depois de cheio, com que gozo e arrebatamento ela o quebrou aos pés benditos do seu Rei!
A seguir, a tradução mais literal do seu hino mais famoso, Consagração. Existem várias adaptações de seus hinos em português, como: Porém, evidentemente para se adequarem à música, acabam perdendo um pouco do seu sentido original. Esta tradução literal é mais fiel ao sentido e à forma original de estrofes com apenas dois versos.
Toma minha vida; que seja
Consagrada, Senhor, a ti.
Toma meus momentos e meus dias,
Que fluam sempre em louvores incessantes.
Toma minhas mãos; que movam
Pelo impulso do teu amor.
Toma meus pés; que sejam
Velozes e “formosos” para ti.
Toma minha voz; que eu cante
Sempre, somente, para meu Rei.
Toma meus lábios; que se encham
De mensagens vindas de ti.
Toma meu ouro e minha prata;
Nem um centavo quero reter para mim.
Toma meu intelecto e usa
Todas minhas faculdades conforme tu quiseres.
Toma minha vontade e torna-a tua;
Nunca mais será propriedade minha.
Toma meu coração; é teu somente;
Será teu trono real.
Toma meu amor; meu Senhor, derramo-o
Aos teus pés, com todos seus tesouros.
Toma meu ser e serei
Sempre, somente, totalmente para ti.
Uma resposta
História fantástica! Depois da Bíblia, o mais precioso livro que tenho em minha casa é Memorials of Frances Ridley Havergal, publicado em Londres em 1881. Uma preciosidade que guardo com o maior carinho. Vida exemplar! Como faz-nos falta nos dias de hoje crianças como foi FRH.