Por: Andrew Murray
Num discurso que ouvi recentemente, o orador disse que as bênçãos de uma vida cristã mais elevada muitas vezes são como objetos expostos na vitrine de uma loja – a gente pode vê-los com clareza sem contudo poder tocá-los. Se alguém nos pedisse para esticar a mão para tocá-los, a resposta seria: “Não posso; há uma vidraça bem grossa que me separa delas”.
Da mesma forma, os cristãos podem ver claramente as benditas promessas de paz e descanso perfeitos, de amor e alegria abundantes, de comunhão e frutificação permanentes, e contudo ainda sentir que algo os separa, afastando-os da verdadeira posse. O que poderia ser que forma esta barreira? Nada mais que o orgulho!
As promessas feitas para a fé são tão gratuitas e tão certas, os convites e as sugestões são tão fortes e o onipotente poder de Deus no qual podemos nos basear está tão perto e gratuito – que só pode haver alguma coisa que impede a fé, que não permite que a bênção seja nossa. No texto a seguir Jesus nos revela que na verdade é o orgulho que incapacita a fé:
“Como podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos outros, e contudo não procurais a glória que vem do Deus único?” (João 5:44).
“Como podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos outros?” À medida em que percebermos que a fé e o orgulho são intrinsecamente irreconciliáveis, aprenderemos que a fé e a humildade têm uma só raiz. Nunca teremos mais da verdadeira fé do que temos da verdadeira humildade. Podemos ter uma forte convicção e certeza intelectual da verdade e ainda manter o orgulho no coração, mas o orgulho faz com que a fé viva que é poderosa para com Deus seja uma impossibilidade.
O que é a fé
Pensemos por um momento no que é a Fé. Não é a confissão de nossa nulidade e da nossa impotência, a entrega total e a espera pela operação de Deus? Não é, em si mesma, a coisa mais humilhante que possa acontecer – a aceitação da nossa dependência, da posição de quem não pode reivindicar, alcançar ou realizar nada além do que a graça nos concede?
Humildade é simplesmente a disposição que prepara a alma para viver através da confiança em outrem. Mesmo na sua forma mais camuflada ou abafada, o orgulho, no seu egoísmo, na sua vontade própria, na sua auto-confiança e auto-exaltação – é o fortalecimento do ego que não pode entrar no reino ou possuir as coisas do reino, porque se recusa a permitir que Deus seja o que Ele é e precisa ser neste reino – o Tudo em Todos.
Fé é aquele órgão ou sentido que percebe e apreende o mundo celestial e suas bênçãos. Fé procura a glória que vem de Deus, que vem somente de lá onde Deus é Tudo. Enquanto nós aceitamos glória uns dos outros, enquanto buscamos e amamos e zelosamente guardamos a glória desta vida, a honra e a reputação que recebemos dos homens, não podemos buscar e receber a glória que vem de Deus. O orgulho incapacita a fé.
A salvação vem da cruz e do Cristo crucificado. Salvação é a comunhão com o Cristo crucificado no espírito da Sua cruz. Salvação é a união com a humildade de Jesus e o prazer nesta união. Não é de admirar que a nossa fé seja tão fraca quando o orgulho ainda reina com tanta força, e quando aprendemos tão pouco a desejar e orar por humildade como a parte mais necessária e abençoada da salvação.
A humildade e a fé estão mais unidas na Escritura do que muita gente pensa. Veja-as na vida de Cristo. Em duas ocasiões Ele falou da grande fé de alguém. O centurião, com cuja fé Jesus se maravilhou, dizendo: “Nem em Israel encontrei tão grande fé!” falou: “Eu não sou digno de que entres na minha casa.” A mulher a quem Ele disse: “Mulher, grande é a tua fé!” aceitou ser chamada de cachorrinho e disse, “Sim, Senhor, porém até os cachorrinhos comem das migalhas.”
É a humildade que faz com que a alma se sinta como nada diante de Deus e que também remove qualquer obstáculo para a fé, e que a faz temer pela possibilidade de desonrá-Lo por não confiar Nele totalmente.
Será que não temos aqui a causa do nosso fracasso na busca da santidade? Não foi isto, embora não o soubéssemos, que tornou a nossa consagração e a nossa fé tão superficiais e tão passageiras? Não tínhamos noção da extensão da atividade do orgulho e do ego dentro de nós, nem entendíamos que nada menos que o próprio Deus vindo para habitar em nós com o Seu onipotente poder poderia expulsá-los. Não compreendíamos como somente a natureza nova e divina, ocupando completamente o lugar do antigo ego, poderia nos tornar realmente humildes.
Nós não sabíamos que a humildade absoluta, universal, e incessante deve ser a fonte da disposição de toda oração e de toda busca de Deus, assim como de todos os tratos com os homens. Crer em Deus, tentar aproximar-se Dele ou permanecer no Seu amor, sem profunda humildade e quebrantamento de coração, é o mesmo que tentar ver sem olhos, ou viver sem respirar.
Será que não estamos errando o alvo, nos esforçando tanto para crer, quando permanece o tempo inteiro aquele velho ego e orgulho buscando apropriar para si mesmos as bênçãos e riquezas de Deus? Não é de admirar que não conseguimos crer. Mudemos a direção do nosso rumo.
Busquemos antes de mais nada nos humilharmos sob a poderosa mão de Deus: Ele nos exaltará. A cruz, e a morte, e o túmulo através dos quais Jesus se humilhou, foram a sua trajetória rumo à glória de Deus. São também a nossa trajetória. Que nosso único desejo e nossa oração fervorosa seja que sejamos humilhados com Ele e como Ele. Aceitemos com alegria qualquer coisa que nos humilhe diante de Deus e dos homens. Esta é a única trajetória para a glória de Deus.
Podemos falar de algumas pessoas que tiveram experiências abençoadas, ou são canais para trazer bênçãos a outros, e no entanto não têm humildade. Você me pergunta se isto não é prova de que têm uma fé verdadeira e forte, embora demonstrem claramente que ainda buscam em grande medida a honra que vem dos homens.
Há mais de uma resposta possível. Mas a resposta principal dentro do nosso assunto atual é esta: Na verdade elas têm uma medida de fé, aliada aos dons especiais que receberam, e é esta a causa da bênção que podem transmitir aos outros. Mas nesta mesma bênção, a obra da sua fé é impedida pela falta de, humildade. A bênção é geralmente superficial ou transitória, exatamente porque não são o “nada” que abre o caminho para Deus ser “tudo”.
Uma profunda humildade certamente traria uma bênção maior e mais completa. O Espírito Santo, não somente operando neles como Espírito de poder, mas permanecendo neles na plenitude da Sua graça e especialmente na Sua humildade, poderia Se comunicar através deles para os outros para operar aquela vida de poder e santidade e perseverância que se tornou tão rara atualmente.
“Como podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos outros?” Nada pode curar você do desejo de receber glória dos homens, ou da sensibilidade e dor e angústia que vêm quando essa glória não lhe é dada, a não ser a sua entrega total para buscar somente a glória que vem de Deus. Deixe que a glória do Deus Todo-glorioso seja tudo para você. Você se libertará da glória dos homens e do ego, e se sentirá feliz e contente em não ser nada.
A partir deste nada você crescerá forte na fé, dando glória a Deus, e descobrirá que quanto mais se aprofunda na humildade diante Dele, mais próximo Ele estará de preencher cada desejo da sua fé.
Extraído de Humility, The Beauty Of Holiness (Humildade, a Beleza da Santidade) por Andrew Murray