Por Jane Johnson Struck
Kay Warren estava acostumada a viver como uma “mãezona” suburbana. Agora está engajada numa luta global contra a AIDS e no cuidado dos soropositivos em sua própria localidade. O que é que abalou o seu confortável mundo de classe média?
Em 2002, aos 48 anos e esposa de Rick Warren, autor do best-seller Uma Vida Com Propósitos (Ed.Vida, 2002) e pastor da mega-igreja Saddleback, no sul da Califórnia, Kay era uma “mãezona” de três filhos superocupada, que sonhava, quando o seu ninho esvaziasse, em compartilhar a plataforma com Rick e ministrar a esposas de pastores.
Certo dia, Kay pegou uma revista de atualidades, e um artigo sobre AIDS deixou-a atônita. Ao ler que havia 12 milhões de crianças órfãs na África por causa da AIDS, ela se deu conta de que não conhecia um único órfão. “Não podia imaginar que houvesse milhões deles em qualquer lugar”, admite ela. “Aquele número me assombrou. Minha vida nunca mais foi a mesma.”
Desde aquele “momento divinamente ordenado”, Kay, agora aos 52, se tornou uma mulher com uma missão. Apesar de ter passado por um tratamento para câncer de mama em 2003, nos quatro últimos anos Kay já visitou a África cinco vezes, além de mais seis outros países. Rick, com quem ela comemorou o seu 31° ano de casamento em junho de 2006, se contagiou com a paixão de Kay pelo ministério da HIV/AIDS e, juntos, eles e mais algumas equipes leigas da igreja Saddleback e de outras igrejas com propósitos viajam além-mar para trabalhar com líderes de igrejas locais, líderes políticos e homens de negócios com o fim de combater a pandemia de AIDS. Eles esperam que mais igrejas e pessoas se envolvam pessoalmente.
Mas a missão de Kay não é somente global; ela está igualmente apaixonada por ministrar a pessoas soropositivas na sua própria comunidade. Com esta finalidade, em novembro passado, Kay iniciou a primeira conferência internacional patrocinada pela igreja Saddleback chamada Disturbing Voices (Vozes Perturbadoras), com o objetivo de criar uma conscientização dentro do Corpo de Cristo sobre as necessidades urgentes de ministrar às pessoas portadoras do vírus HIV.
TCW (Today’s Christian Woman – uma revista do grupo Christianity Today) procurou a Kay para descobrir por que ela mudou de mãezona suburbana para ativista social – e o que nós podemos aprender de sua transformação.
Você já se perguntou se conseguiria fazer alguma diferença mensurável, por mínima que fosse, numa questão tão imensa quanto a AIDS?
É claro. Mas no dia em que li aquele artigo sobre a África, eu experimentei a minha própria Estrada de Damasco. Uma realidade fora da minha brilhou fortemente no meu caminho e me cegou. Depois daquilo, eu fui dormir pensando naqueles 12 milhões de crianças; acordei pensando nelas. O Senhor e eu começamos um diálogo particular. Eu disse: Isto não pode ser verdade. Porque se fosse, então eu teria que fazer alguma coisa a respeito. Mas não há nada que eu possa fazer!
Um mês depois, compreendi que eu tinha de tomar uma decisão: ou eu continuaria a seguir em frente com os meus planos, ou deixaria que o meu coração se envolvesse nesta tão grande necessidade. Senti que não conseguiria encarar Deus naquele dia quando ele viesse me perguntar: “O que você fez a respeito daqueles 12 milhões de crianças de quem eu lhe falei?” Como é que eu poderia responder: “Oh, aquilo era tão triste. Mas eu tinha tantas outras boas coisas na minha agenda. Eu sinto muito, sinceramente, mas não deu tempo de tratar desse problema. Espero que o Senhor entenda”.
A verdade é que ele não “entende” – nem eu podia entender. Decidi me envolver. Foi aí que Deus quebrou o meu coração em um milhão de pedaços, e me tornei o que chamo de uma mulher “seriamente perturbada”.
O que você começou a fazer?
Comecei a ler, assistir a vídeos, falar com qualquer pessoa que soubesse alguma coisa a respeito de HIV. Depois de oito meses fazendo isso, percebi que precisava de mais. Fora através da África que Deus cativara meu coração; então resolvi ir para lá. O primeiro país que visitei foi Moçambique, a convite de uma organização de assistência cristã.
Como aquela primeira visita impactou você?
Nada na nossa vida nos Estados Unidos me preparou para a África rural. Absolutamente nada. Até o mais pobre dos pobres aqui vive muito melhor do que a maioria das pessoas no resto do mundo.
Uma das primeiras mulheres que conheci foi Joana. Ela era magra como um palito, atormentada por uma diarréia implacável, abandonada sem lar debaixo de uma árvore, para morrer de AIDS. Joana estava tão fraca que não podia nem mesmo se arrastar para me cumprimentar. Então a tia dela pegou-a no colo e a colocou num pedaço de plástico na minha frente. Jamais esquecerei a Joana ajuntando cada grama de força e dignidade que ainda possuía para se pôr de pé, estender a sua mão e me cumprimentar.
Eu não podia dizer a Joana que ela seria curada ou que eu lhe daria um teto por sobre a sua cabeça. Mas eu pude oferecer a minha presença, e com a minha presença, a presença de Jesus. E pude lhe oferecer a esperança do céu. Eu nunca, nunca esquecerei a Joana. É por isso que a fotografia dela está na parede do meu escritório. Para mim a AIDS tem um rosto. É o rosto de Joana.
O que aconteceu depois que você voltou?
Se quando parti eu estava seriamente perturbada, voltei gloriosamente arruinada. Não dava mais para viver do jeito que eu vivia. Eu não tinha mais os mesmos valores. Mas estou constrangida em dizer que enquanto eu voava de volta para casa, meus pensamentos estavam voltados para o fato de que os pastores e as igrejas na África não estavam fazendo o suficiente para resolver o problema. Então Deus claramente me perguntou: Quando foi a última vez que você se preocupou com qualquer pessoa portadora de HIV na sua comunidade? A resposta foi “nunca”.
Imediatamente, Deus me mostrou a minha hipocrisia; eu estava me preocupando com gente bem distante, mas não com as pessoas soropositivas na minha própria igreja. Tenho vergonha em admitir que eu era cheia de temores e de preconceito. Tive que superar vários mitos, incluindo aquele de que AIDS na América era uma doença de homens homossexuais.
E daí que fosse somente uma “doença gay”? É assim que os cristãos começam a rotular as pessoas. Há “vítimas inocentes” – um bebê que nasce de uma mãe soropositiva, uma mulher infectada pelo seu cônjuge – e os perpetradores – um homem gay, um marido infiel. Por que é que um grupo parece merecer mais amor e compaixão?
Como é que nós ousamos pretender que o nosso pecado seja merecedor da graça de Deus, mas o de outro alguém não? Quando vejo listas de pecados nas Escrituras, eles estão agrupados em uma só classe. Pecado é ser arruinado. É ir contra Deus. A Palavra de Deus diz que se quebrarmos a lei em uma mínima parte, já somos culpados.
Quando você foi diagnosticada com câncer de mama, você chegou a questionar o porquê disso?
Lutei com a pergunta “por que agora?”, com o tempo de Deus e o seu chamado para a minha vida. Lutei com a minha fé, também. Embora eu tivesse os melhores cuidados médicos disponíveis e uma família amorosa e apoiadora, pensei nas muitas pessoas sofredoras que não têm nenhuma dessas coisas. “Deus, o teu sistema não presta”, eu lhe disse, indignada. “Por que criaste um universo no qual as pessoas sofrem coisas tão horríveis desde o dia em que nascem até o dia da sua morte?”
Felizmente, eu tive pessoas maravilhosas ao meu redor que me ouviram e que choraram comigo. Não me deram respostas prontas; deixaram que eu me resolvesse com Deus sobre minhas dúvidas.
Por isso, quando as pessoas me perguntam: “Qual é a resposta às suas dúvidas?”, eu não tenho uma. O que eu realmente sei é que prefiro andar com Deus no escuro a dar um passo na luz sem ele. De certa forma, agora entendo menos a respeito de Deus – mas confio bem mais nele. É um paradoxo.
Você tinha alguma pista de que Deus a conduziria nesta direção?
Acho que ele plantou as sementes, mas de algum modo, através dos anos, elas ficaram enterradas. Entre a idade de vinte e trinta anos, passei a maior parte do tempo me sentindo inadequada. No meu conceito, eu tinha poucos dons e estava casada com Rick, um homem com dons extraordinários. Quando eu me comparava com ele e com outros, meus dons pareciam muito insignificantes.
Entre meus trinta e quarenta anos, meu tempo era totalmente consumido em cuidar dos nossos três filhos. Mas quando cheguei aos 40, meu mundo desabou.
Como assim?
Quando menina, fui molestada por alguém da minha igreja. Depois de adulta, consegui disfarçar muito bem, como se aquilo não me tivesse afetado. Decorava passagens da Bíblia, orava para as pessoas serem curadas, fazia todas as coisas costumeiras, mas minha vida estava edificada num alicerce bambo.
Aquele alicerce bambo não podia suportar o peso de todas as crescentes pressões da minha vida – as necessidades dos meus filhos, as demandas de uma enorme igreja, a notoriedade do ministério do meu marido. Desfraldei a bandeira branca da rendição.
O que aconteceu?
Tive que me submeter a aconselhamento intensivo por uns dois anos. Aquele período de extremo fracasso pessoal foi uma das melhores coisas que me aconteceram; através dele, Deus reconstruiu a minha vida. Reaprendi coisas, desaprendi outras e comecei a me ver sob uma nova luz. Deus estava me preparando para aquilo que faço hoje. Eu não poderia nem mesmo começar a ministrar para crianças e adultos sexualmente feridos se Deus não tivesse consertado as minhas próprias áreas quebradas.
O que é que mais a entusiasma?
Cristãos abrindo o caminho na prática do amor. Como é que as pessoas saberão que Jesus as ama a menos que nós o demonstremos na prática? E a verdade é esta: aquele que primeiro as amar é que vai ganhá-las.
Como é que as mulheres podem começar a demonstrar o amor de Jesus?
Comece com arrependimento. Eu tive que me arrepender da minha enorme apatia. Embora eu tenha lido a Palavra de Deus desde menininha, de alguma maneira eu pulava por cima daqueles versículos que falavam dos pobres e doentes.
Um terço do ministério de Jesus foi gasto em curar as pessoas. Jesus era cheio de compaixão. Ele tocou os leprosos, as prostitutas, as pessoas com as quais a sociedade dele não queria nada.
Peça a Jesus para lhe mostrar maneiras de demonstrar o coração dele no seu dia-a-dia. Eu não posso prescrever como fazer isso para qualquer outra pessoa. Se você não se sente chamado para alcançar pessoas soropositivas na sua comunidade, peça a Deus para abrir os seus olhos para outros grupos de pobres, doentes ou abandonados. À medida que você faz isso, esse assunto sai da teoria e torna-se pessoal. E quando se torna pessoal, você começa a se importar.
Tiago 1.27 diz: “A religião que Deus, o nosso Pai, aceita como pura e imaculada é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades”. O que aconteceria se mais mulheres adotassem crianças indesejadas do seu próprio país, ou abrissem os seus lares para cuidar de órfãos e crianças abandonadas? E que tal se os cristãos verdadeiramente vivessem Tiago 1.27? Acredito que nós subestimamos seriamente o que Deus quer fazer através da igreja.
Todos podem fazer alguma coisa. Na sua pia, enquanto lava os pratos; no trocador de fraldas, enquanto você troca seu bebê, você pode orar pelas pessoas. A questão maior é deixar o seu coração ser partido por aquilo que parte o coração de Deus. Eu sonho com cristãos que vivam uma fé vigorosa que realmente mude o nosso mundo. Começa com oração, depois leva à ação. Sonho com mulheres que não estejam interessadas apenas em quem tem o melhor preço de frango esta semana. Deus nos pediu para fazermos e sermos muito mais do que isso.
Você tem um senso de urgência?
Sim, foi algo que surgiu do meu câncer de mama. Mas eu não vivo insegura, esperando que o câncer me pegue novamente. Meu desejo é não perder um instante sequer da minha vida presente. Todos os dias eu digo: “Deus, usa-me como tu queres. Eu viverei para o teu chamado por todos os dias que tu me deres”.
Que tipo de legado você espera construir?
Espero que os meus filhos e netos vejam uma vida de entrega e abandono radical para Deus. E, assim fazendo, eles estarão dispostos, como diz Isaías 58 e 61, a se doarem para o necessitado, o pobre, o imigrante, o doente. Derramar-se em benefício dos outros, refletir precisamente o coração do nosso Deus neste mundo – oh que honra! Que privilégio!
Traduzido e publicado de “Today’s Christian Woman” (uma revista do grupo “Christianity Today International), de maio/junho, 2006, com permissão de Christianity Today International, Carol Stream, Illinois, EUA (www.christianitytoday.com). Para outras informações sobre o ministério de Rick e Kay Warren para os órfãos de Aids, acesse www.Purposedriven.com/hivaids.