Por João A. de Souza Filho
Os títulos, quaisquer que sejam, exercem grande atração sobre as pessoas. Quem na Inglaterra não gostaria de ter o título de Sir ou de Conde? Quem no Brasil não gostaria de ostentar um título qualquer que o elevasse acima das demais pessoas? Quem nas Forças Armadas não anela pelo posto máximo? Ostentar um título faz parte do orgulho humano, tanto que, outro dia, fiquei sabendo de uma pessoa que consegue ganhar dinheiro vendendo títulos de nobreza, diplomas ministeriais, diplomas de ordenação e até carteiras de juiz ou desembargador a pastores e a qualquer pessoa. E alguns pastores gostam de comprar diplomas. Fiquei sabendo também que ela oferecia diploma de dizimista – enormes diplomas que o pastor podia vender aos que se orgulham de ser “dizimista fiel”.
Perguntada por que procedia daquela maneira, a pessoa afirmou que encontrou uma maneira de ganhar dinheiro em cima do orgulho humano de querer ostentar títulos. Uma das pessoas que adquiriu uma carteira de delegada ambiental era uma pastora que passava pelo pedágio gratuitamente apresentando sua carteira funcional. Até que foi descoberta.
Anelar títulos faz parte da vaidade humana, tanto que o centurião romano afirmou a Paulo que o título de cidadão romano lhe custou grande soma de dinheiro (At 22.28). Paulo o recebera por direito de nascimento. Quanto aos títulos ministeriais, o Novo Testamento sequer deixa transparecer que sejam importantes, porque naquele tempo era o ofício e não o título o que importava. A própria palavra ministro que os líderes sustentam hoje em dia tinha um sentido puro naquele tempo, mas perdeu seu verdadeiro sentido bíblico, como se pode ver no exame etimológico da palavra, traduzida para o português a partir de três palavras gregas.
Definindo a palavra ministro
O idioma português, como qualquer outro, é dinâmico, e as palavras vão perdendo seu sentido original ao longo dos anos. Um exemplo foi o que aconteceu com a palavra ministro, que tinha, no Novo Testamento, um sentido puro, e que hoje é usada para destacar alguém com “um alto cargo”, seja na igreja, seja na esfera governamental. Na igreja, ministro parece ser uma pessoa que se sobrepõe às demais pelo cargo que exerce, geralmente o de pastor. Mas este não é o verdadeiro sentido de ministro no Novo Testamento. A tradução da palavra ministro surpreende pelo sentido original como veremos a seguir.
1. Diakonos – Servir. Na maioria dos textos bíblicos, a palavra ministro é a tradução da palavra diácono, que significa servir. A palavra diakonos foi traduzida como ministro no sentido de servir, servo ou serviço.
a) Em Romanos 13.4, ela se refere a autoridades governamentais: “Visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem”.
b) Em 2 Coríntios 3.6 e 6.4, refere-se a “servo” ou “serviço”, “ministros de uma nova aliança”. O obreiro tem de ter em mente que ele é um servo a serviço de Deus em todos os momentos: na paciência, nas aflições, nas angústias.
2. Huperetes – Subordinação. A segunda palavra grega, huperetes, é também traduzida como ministro, e aparece, em 1 Coríntios 4.1, com o significado de subordinação e trabalho. “Assim, pois, importa que os homens nos considerem como ministros de Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus”. Esta palavra tem um sentido mais forte que diácono, pois carrega em si o conceito de alguém que trabalha sob obrigação ou que só faz o que lhe é ordenado. Significa que no serviço cristão não se exerce o ministério por conta e vontade própria, como no caso do servo ou diácono, mas sob autoridade de alguém, ou melhor, o ministro do Senhor Jesus estará sempre às ordens de seu Supremo Chefe, Jesus, que o chamou para o serviço.
Essa é a razão de Paulo exclamar: “Ai de mim, se não pregar o Evangelho” (1 Co 9.16). Para Paulo não havia escape, ele se sentia constrangido (2 Co 5.14). Ele foi convocado para ser um auxiliar, um subordinado, por isso usa o termo huperetes para dar ênfase ao seu chamamento.
3. Leitourgeo – servidor. A terceira palavra grega traduzida como ministro éleitourgeo, cujo sentido é o de um servidor que dispõe de recursos próprios e os coloca a serviço do reino ou da sociedade. Essa palavra, na época de Paulo, era utilizada para designar uma classe social grega que exercia cargos públicos ou ajudava a sociedade com seus próprios recursos. Essa atitude espontânea passou a designar, na Bíblia, pessoas que serviam a Deus de maneira espontânea.
Pode-se confirmar esta verdade examinando-se dois textos bíblicos. Em Atos 13.2, os mestres e profetas não estavam jejuando ou orando por obrigação, mas como um serviço espontâneo a Jesus, por isso o texto é tão claro: “E, servindo eles ao Senhor e jejuando…”. Em Romanos 15.27, Paulo usa a mesma palavra para se referir à espontaneidade das contribuições financeiras que os gentios davam aos judeus: “Porque, se os gentios foram participantes dos seus bens espirituais, devem também ministrar-lhes os temporais” ou, como diz a versão atualizada da Bíblia, “servi-los com bens materiais”.
A partir das três definições apresentadas, pode-se concluir que todas apontam para o serviço ou dedicação; espontâneos, como no caso de diakonos ou por obrigação, como no caso de huperetes. É importante ressaltar que em nenhuma delas há a conotação de superioridade, tão comum nos dias atuais. Portanto, quando se almeja o ministério, não se pode esquecer o compromisso que espera o obreiro, o de ter uma vida de abnegação e de serviço, nunca de privilégios.
Distinção clerical no Novo Testamento
A partir da definição da palavra ministro, pode-se entender também a questão dos títulos à luz do chamamento para o ministério no Novo Testamento. O chamamento e a vocação não podem ser analisados sob a luz do Antigo Testamento, pois naquele tempo havia uma separação entre “clero” e “leigo”, já que a tribo de Levi era uma espécie de “clero” que servia o povo nas questões rituais e o intermediava em seu relacionamento com Deus. No entanto, com a nova ordem ou Nova Aliança, todas as pessoas passaram a pertencer a uma mesma ordem ou ofício, passaram a ser sacerdotes do Deus Altíssimo, pois Cristo, ao assumir a função de sumo sacerdote, abriu esta possibilidade de cada crente ser também um sacerdote.
Assim, a separação que existia entre o povo e os líderes do Antigo Testamento deixou de existir, fazendo com que a igreja passasse a ser um “reino de sacerdotes” em que todos os membros tivessem acesso direto a Deus e pudessem interceder a favor dos demais. Em outras palavras, cada novo membro do corpo de Cristo passou a ter acesso a Deus da mesma maneira que seu líder, pastor ou presbítero. Nesse sentido, todos na Nova Aliança são ministros a serviço de Deus. Isso mostra que não há necessidade de títulos para trabalhar para Deus.
Essa mudança de conceito sacerdotal foi percebida claramente por Pedro, quando afirmou: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pe 2.9). Nesse versículo, percebe-se que Pedro se refere a todo o povo como reino sacerdotal, isto é, todos são sacerdotes de Deus. Na conjuntura atual, parece que o pastor presidente é o sumo sacerdote, os líderes são os sacerdotes e os cantores e músicos, os levitas. E o povo – bem, povo é povo!
Assim como Pedro, a igreja primitiva, através de seus primeiros apóstolos, também percebeu que todos os membros do corpo de Cristo deviam trabalhar sem se preocupar com títulos, pois sabia que a tarefa de evangelizar, orar, expulsar demônios e curar os enfermos não era somente para os presbíteros e líderes, mas para todos (Mc 16.14-16).
Outro fator que comprova essa ausência de distinção entre povo e líderes no Novo Testamento está no costume de as pessoas serem tratadas diretamente pelo nome: Mateus, Paulo, Dorcas, Filipe etc. Essa informalidade no modo de tratamento não impediu o respeito do povo a esses líderes, responsáveis por conduzi-los nos caminhos de Deus.
Os textos de 1 Coríntios 12.28 e Efésios 4.11 mostram que, apesar de todos servirem e ministrarem a Deus e ao próximo – indistintamente de sexo – Deus, em sua soberania, decidiu dispor de alguns para chamamentos especiais. O texto de Coríntios revela que “a uns estabeleceu Deus na igreja…”; e o de Efésios: “ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres”. Esses versículos mostram que Deus se reserva o direito de conceder dons ministeriais a algumas pessoas para que elas executem determinadas tarefas, no entanto, em momento algum, Paulo se dirige a Pedro como “apóstolo Pedro” ou este a Paulo como “apóstolo Paulo”. Falavam diretamente o nome da pessoa, ou tratavam entre si como “irmãos”.
Pastor: Função e não Título
A palavra pastor aparece uma única vez nas Escrituras no texto de Efésios 4.11 e, no entanto, tem sido o único perfeitamente aceito no meio eclesiástico, embora nem seja mencionado em 1 Coríntios 12.28. O verbo pastorear, este, sim, aparece muitas vezes no Novo Testamento, mas a função de pastor, somente em Efésios.
Quantas vezes aparece o termo “evangelista” no Novo Testamento? Duas vezes. Já o ministério de mestre aparece em quatro ocasiões. Mas não é comum chamar alguém de “mestre João” ou de “profeta José”. E por que se insiste em chamar alguém de pastor, quando o termo aparece uma única vez referindo-se ao ministério pastoral?
Talvez porque a cultura evangélica tenha legado a herança de uma hierarquia de títulos, entre os quais o de pastor é o mais importante, pelo menos na localidade. Algumas denominações instituíram seu próprio “plano de carreira”, uma espécie de escalada ministerial, em que o indivíduo com dedicação (ou ambição) começa com cargos menores e trabalha bastante para alcançar o posto máximo de pastor, ou, em muitos casos, de superintendente, bispo ou apóstolo, que tem a responsabilidade de supervisionar igrejas ou regiões.
O ponto em questão aqui não é se é certo ou errado usar títulos ministeriais, mas se o espírito e atitude que se tem em relação às funções são corretos. Podem-se acertar os termos e procurar viver dentro do modelo do Novo Testamento, mas se alguém se apegar a posições, hierarquias e honra através de títulos, ficará distante do verdadeiro espírito da Nova Aliança. Tudo o que foi exposto até aqui serve apenas para mostrar que título algum é importante, seja na função, seja fora dela. O importante é cumprir com o chamamento para ser servo. Este sim, o mais importante dos títulos, desde que se viva para servir.
Jesus é nosso exemplo de serviço, atitude e motivação.
João A. de Souza Filho é casado com Vanda Beatriz, tem dois filhos e três netos. Exerce seu ministério junto ao corpo de Cristo, a igreja, no Rio Grande do Sul. Para maiores informações sobre seu ministério, seus artigos e seus livros, acesse: www.pastorjoao.com.br.
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John Wesley e a
Questão de Títulos
John Wesley era conhecido por seu temperamento equilibrado e disposição calma. Havia, porém, algumas coisas que conseguiam “tirá-lo do sério”.
Uma das ocasiões em que Wesley perdeu a calma foi quando surgiu um incidente envolvendo os dois homens de confiança que estavam à frente do trabalho missionário na recém-nascida república dos Estados Unidos da América, Francis Asbury e Thomas Coke.
Em 1784, Wesley havia autorizado a organização das sociedades metodistas na América como uma igreja independente da Igreja Anglicana (embora esse nunca fosse o seu desejo) e a ordenação de Asbury e Coke como superintendentes para servir às igrejas naquele continente. Ao invés de usar o termo indicado por Wesley, eles passaram a adotar o título de bispo.
Em 1788, Wesley escreveu uma carta indignada para Francis Asbury, que seria a última comunicação entre os dois:
… Mas em um ponto, meu querido irmão, estou um pouco receoso de que tanto o Doutor [Thomas Coke] quanto você difiram de mim. Eu me esforço para ser pequeno – vocês para serem grandes. Eu me arrasto no chão – vocês se empertigam. Eu fundo uma escola – vocês uma faculdade! Sim, e ainda colocam nela seus próprios nomes [Cokesbury College, derivado de Coke e Asbury]. Oh, tomem cuidado! Não procurem se tornar grandes! Que eu seja nada e Cristo seja tudo em todos!
Um exemplo disso, dessa sua grandeza, tem-me causado grande preocupação. Como você pode, como você ousa permitir que seja chamado Bispo? Eu estremeço, tenho arrepios só de pensar em tal coisa! Que os homens me chamem de patife, de tolo, de canalha, e ficarei contente; mas jamais, por meu consentimento, me chamarão de Bispo! Por amor a mim, por amor a Deus, por amor a Cristo, coloque um fim nessa história. […]
Dessa forma, meu querido Franky, tenho dito tudo que está no meu coração. E que estas palavras, quando eu não mais estiver aqui, possam dar testemunho da sinceridade com que sou…
Seu afetuoso amigo e irmão,
John Wesley
A carta não mudou o ponto de vista dos líderes metodistas na América nem a prática usada até hoje na igreja fundada por John Wesley.
A coleção de cartas de John Wesley pode ser acessada em inglês no site: http://wesley.nnu.edu/john_wesley/letters/1788b.htm.