Por Maurício Bronzatto
Eu Sou o que Sou
Alguém já disse, em algum lugar, que o homem só aprende a ser homem com Deus, por paradoxal que pareça. Nada mais certo. Sem que receba do alto revelação de seu papel, o homem não consegue reproduzir essa singularidade no nível horizontal. Inseguro, indeciso e inconstante quanto a sua vocação, não tem propriedade para imprimi-la no caráter de outro homem.
Eu fico boquiaberto com a revelação de Deus a Moisés que se seguiu ao episódio da sarça. Depois de anunciar a Moisés que este seria enviado a Faraó e de ter sua carteira de identidade exigida, como uma credencial para ser apresentada aos hebreus cativos, Deus simplesmente responde: “…EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós outros (Ex 3.14).
É surpreendente a resolução de Deus manifestada nestas palavras: Ele é o que é, ponto final. Uma coisa que Deus não tem é crise de identidade. Ele sabe de si. Ele sempre FOI. Ele sempre SERÁ. Ele É agora. E essa verdade dá sentido a todas as coisas. As coisas (e aqui estão incluídos todos os seres) só SÃO porque ele É – sempre.
E o mais extraordinário é pensar que, porque Deus sabe de si, nós ganhamos papéis a serem existencializados. E esses papéis foram-nos outorgados juntamente com sua imagem e semelhança. O EU SOU O QUE SOU forma filhos para igualmente SEREM O QUE SÃO. Nós fomos criados para SERMOS NELE. A felicidade chega para nós quando, independente de circunstâncias, nós entendemos não O QUE somos, mas que SOMOS. O Deus que é eternamente resolvido acerca de si mesmo tem expectativas antigas de nos levar à mesma condição, a de estarmos resolvidos, descansados, assumidos nele.
Tu és Pedro
Quando Simão Pedro recebe revelação do alto de que Jesus era o Cristo, o Filho do Deus vivo, concomitantemente recebe revelação de quem ele era: “Também eu te digo que tu és Pedro…” Em outras palavras, chegava para Pedro a compreensão de que ele não precisava mais tatear no escuro à procura de respostas. A alma podia sossegar agora: “Tu és Pedro!” Jesus estava dizendo que Pedro podia desistir das performances, das representações, dos scripts, das atuações. Os céus estavam dizendo: Tu és Pedro. Esse é o teu papel e te foi outorgado por aquele que É”.
Saber, de fato, quem nós somos em Deus põe fim a tanta incerteza a tanto corre-corre, a tanta insatisfação, ao levantar-poeira-nosso-de-cada-dia. A revelação do alto sobre quem nós somos, que só vem a nós quando primeiramente Deus nos fala quem é ele, é alimento pleno, duradouro para o nosso existir. A tormenta cessa. “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (SI 46.10). Sabei que EU SOU O QUE SOU. Mas sabei também quem sois vós.
Depois de se revelar a Pedro e de revelar Pedro a Pedro, Jesus pôde então revelar o fazer de Deus. Há uma plataforma segura para a edificação do reino: Deus se revelou ao homem com o intuito de mostrar para o homem quem o homem de fato é e para que este abandone tudo o que ele não é e simplesmente passe a SER. Quando o homem representa papéis, está ávido por fazer e por ter. E faz e corre para ter, inconscientemente, porque está querendo saber de si.
Só há, no entanto, uma possibilidade para o homem se descobrir: saber-se em Deus que, ao se revelar, fala também quem nós somos, “pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos… Porque dele também somos geração” (At 17.28). Fracassarão todas as tentativas de um autoconhecimento sem um prévio conhecimento do ser de Deus. A vida autônoma é um absurdo, é agnóstica
Sobre esta pedra edificarei
Pois bem, com esta plataforma segura, ou com esta pedra, Deus pode então edificar a sua igreja. Agora o homem, cônscio de quem ele é em Deus, não vai mais viver para si, vai simplesmente viver para o que foi planejado: “nele nos movemos”. Deus então terá toda a glória para si, em hipótese alguma ela será usurpada.
Debaixo dessa revelação, o homem não passa de instrumento, e Deus é glorificado. Agora que Pedro sabe quem Deus é e quem ele é, “sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Eis o campo preparado para o fazer conseqüencial de Deus, nunca antes da descoberta do SER.
No entanto, isso não significa que o ardil do Éden não estará presente aqui A serpente continuará concorrendo com a revelação de Deus. A missão de Satanás é a de se antecipar a Deus e dizer o que o homem é. Se o homem não dá ouvidos, pode manter-se firme, resoluto em sua identidade. Essa consciência solidificada faz avançar o reino e empreende passos largos e decididos para “fazer convergir nele (em Cristo), na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu como as da terra” (Ef 1.10).