Por Peter Walker
Seria inútil analisarmos qualquer assunto hoje a não ser à luz de uma nova reforma. Essa frase começa a se ouvir, cada vez com mais freqüência, e pelos mais diversos segmentos da igreja. Há um consenso crescente de que Deus está para fazer algo novo na Terra, e precisamos estar atentos para isso. Jesus mesmo alertou que, sem odres novos, o vinho novo não teria proveito algum.
Portanto, antes de entrar no assunto de adoração em si, quero tecer algumas reflexões sobre o que poderia ser a Nova Reforma. Quero deixar bem claro que não tenho a pretensão de saber o que é, nem de a estar vivendo, mas, à semelhança de muitos outros, há uma crescente fome no meu coração para estar envolvido no que Deus está fazendo em nossos dias. Queremos ouvir o que o Espírito está falando para a igreja em toda a Terra e agir de acordo. E uma das condições para isto é saber de onde viemos, onde estamos, e para onde vamos.
Falta uma Testemunha
1 João 5.8 diz que há três que dão testemunho: o Espírito, a água e o sangue. Podemos usar estas três testemunhas para fazer uma ligação com duas grandes restaurações que a igreja já experimentou.
A primeira restauração – da Palavra – é representada pela água. A segunda – do batismo no Espírito – é representada pelo Espírito. Estes dois grandes passos foram muito importantes na história da igreja, mas ainda não foram suficientes para trazer à existência a gloriosa noiva descrita em Efésios e Apocalipse, com a qual nosso Senhor irá se casar.
A Igreja Protestante, que nasceu após a restauração da Palavra escrita no século XVI (conhecida como a Reforma), era descendente da Igreja Católica e manteve o mesmo sistema de clero e leigos – ou separação entre mediador e povo. A diferença foi que não conseguiu manter a unidade de sua mãe e, conseqüentemente, uma das principais marcas do protestantismo veio a ser suas intermináveis divisões.
O pentecostalismo e suas ramificações (que surgiram durante todo o século XX como conseqüência do batismo no Espírito Santo) não sanaram esse problema; muito pelo contrário, piorou e muito. Além da proliferação das divisões – hoje temos uma igreja em cada esquina -, outros fatores que entraram foram heresias, escândalos, pecados e espíritos estranhos. A noiva perfeita não está mais visível hoje do que (perdoe-me se isso lhe parecer muito radical) no tempo de Lutero. É verdade que duas ferramentas poderosíssimas foram restauradas, mas temos práticas na igreja hoje no mínimo tão questionáveis quanto a venda de indulgências do tempo de Lutero.
O atual movimento “praise and worship” (louvor e adoração) tem seu berço na grande onda do pentecostalismo. Começando nos anos 50 com a Chuva Serôdia, que trouxe palmas, mãos levantadas e corinhos no lugar dos hinos tradicionais, esta ênfase cresceu, desenvolveu-se e tornou-se um ministério altamente sofisticado, digno dos grandes e luxuosos templos, onde presidem nossos pastores, bispos e apóstolos. Temos corais, orquestras, bandas e cantores popularíssimos. Oferecemos seminários bem organizados, com “slide shows” e “workshops”, onde as pessoas podem aprender tudo sobre como adorar ao Senhor.
No final dos anos 90 e no começo deste novo século, tem havido uma tentativa de trazer renovação nessa área. Estilos e métodos novos têm aparecido. Porém, precisamos entender que a igreja ainda está vivendo a experiência da segunda testemunha, a segunda grande onda (com muitas ondas menores), que varreu a igreja no século passado. Não podemos esperar que algo novo ou definitivo aconteça enquanto ainda estivermos limitados só a este nível. Qualquer tentativa de inovar na área de adoração (ou em qualquer outra área) acabará em frustração, modernismo, fanatismo ou perigosos exageros da alma, se não vier no contexto de uma nova reforma.
Tudo aponta, cada vez mais, para uma conclusão: sem a restauração da terceira testemunha – o sangue – a igreja nunca estará preparada para a volta de Jesus. Por isso, o entendimento do que esta testemunha significa e do que é necessário fazer para que se torne atuante em nossos dias deve ser o centro de nossas atenções.
Ainda na Velha Aliança
Se analisarmos a igreja como um todo hoje, constataremos que ainda vivemos a velha aliança. Existe uma lacuna entre nós e Deus. Estamos mais em Romanos 7 do que em Romanos 8. Temos mediadores, homens dedicados e sinceros, que sempre procuram trazer uma palavra de Deus que nós, como o povo de Israel, prometemos obedecer. Fazemos o melhor possível para agradar a Deus. Infelizmente, o melhor possível não é suficiente!
Se quisermos uma igreja reformada, precisaremos de homens e mulheres reformados. 1 Pedro 2 fala de pedras vivas, sacerdócio real, que proclamarão as virtudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.
1 Coríntios 15 fala de apenas dois homens, o primeiro Adão e o segundo Adão. Um foi alma vivente; o outro, espírito vivificante. Jesus falou que se um cego guiar outro cego, os dois cairão no barranco. “O discípulo não está acima do seu mestre; todo aquele, porém, que for bem instruído será como o seu mestre” (Lc 6.40). “E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial” (1 Co 15.49). Se não formos como Jesus, seremos apenas almas viventes, cegos guiando outros cegos, sempre caindo no barranco. Precisamos trazer em nós a imagem do celestial, proclamando as virtudes daquele que nos chamou. Como isso acontece?
Jesus disse que se o grão de trigo, caindo em terra, não morrer, fica ele só. As igrejas estão cheias de grãos de trigo hoje – almas viventes. Precisamos deixar a casca de trigo romper para nos tornarmos espíritos vivificantes e, assim, produzirmos muito fruto. No mesmo capítulo 12 de João, Jesus diz: “E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo”. A única forma de atrair os outros é Jesus ser levantado em nossas vidas. Este é o testemunho do sangue: a casca do grão de trigo se rompendo, a nossa vida natural morrendo e Jesus sendo levantado.
Quando a casca se rompe e os corações são circuncidados através da lei escrita no coração, a lacuna se fecha. Não há mais separação entre nós e o que pregamos. Jesus disse: “O reino de Deus está dentro de vós”. O reino de Deus não vem com aparência exterior. O reino de Deus não é palavra – é poder para vencer a velha natureza. A palavra se encarna em nosso interior. Nós nos tornamos a palavra.
Uma das grandes marcas deste último mover do Espírito foi o aparecimento de homens com tremenda unção e palavras profundas. Entretanto, vários caíram por causa de sérios problemas de caráter. A característica da nova onda, da nova reforma, será a realidade de corações reformados. Viveremos o que pregamos, e pregaremos o que vivemos. E não poderíamos deixar de ressaltar que uma das maiores marcas do testemunho do sangue será quebrantamento e submissão mútuos, para que esse corpo, não feito por mãos humanas, mas por pedras vivas, apareça na terra.
Poderíamos discorrer longamente sobre o testemunho do sangue e como isso fará com que a Nova Aliança seja realidade em nossas vidas, conforme a promessa feita ainda no tempo da lei: “Não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor, porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor” (Jr 31.34). Entretanto, voltemos ao assunto de adoração.
A Única Oferta Aceitável
Jesus afirmou em João 4 que o Pai procura os verdadeiros adoradores, aqueles que o adoram em espírito e em verdade. Lá no começo da Bíblia, quando Abel e Caim trouxeram seus sacrifícios, Deus já nos ensinou que a única oferta que ele aceita é o Cordeiro, seu Filho. Deus não aceita nada da terra. Não adianta você se esforçar e tentar trazer a melhor adoração que consegue oferecer, porque o sacrifício tem que ser perfeito. Jesus é o único sacrifício perfeito, agradável ao Pai.
Mas o que é adorar em espírito e em verdade? O que é oferecer Cristo ao Pai?
A igreja hoje vive na base da Velha Aliança. Vive Romanos 7. Tentamos obedecer a Deus, mas – ufa! – ainda bem que se a gente não consegue, temos um Cordeiro cujo sangue nos limpa e nos purifica. E assim nos ajuntamos em nossos cultos e reuniões para cantar sobre o sacrifício perfeito e agradecer a Deus pelo sangue maravilhoso de Jesus.
Isso é muito bom, mas estamos perdendo o sentido da Nova Aliança. Jesus veio mudar o coração. Ele veio escrever a lei no interior. Veio fazer-nos andar em novidade de vida. Veio preparar obras para que andássemos nelas. Andar em novidade de vida. Andar no Espírito. O único esforço que temos de fazer é entrar no descanso, e quem entra no descanso de Deus, descansa de suas próprias obras (Hb 4.10).
Adoração em espírito e em verdade é uma adoração que flui de um coração transformado, não de um coração que tenta atravessar a lacuna que existe entre nós e Deus. É um coração que entra no santo lugar, pelo novo e vivo caminho, e permite que Deus o desnude para escrever nele as suas leis. Sai de lá para andar em novidade de vida, oferecendo o corpo como sacrifício vivo e tendo a mente renovada para experimentar a boa, perfeita e agradável vontade do Pai. Esse é o fruto do Espírito que deve ser trazido como a única oferta agradável ao Pai – Cristo em nós. Quanto mais de Cristo houver em nós, mais a nossa adoração será agradável ao Pai.
Como igreja, é hora de nos arrependermos dos sacrifícios imperfeitos, cheios de defeitos, que temos trazido à presença de Deus. Ele pediu para afastar de seus ouvidos o estrépito de nossos cânticos (Am 5.23), e nos conclama a uma assembléia solene, onde devemos rasgar os nossos corações e não as nossas vestes. Se assim o fizermos, ele promete restaurar o trigo (palavra), o azeite (espírito) e o vinho (sangue), conforme lemos em Joel 2.
Precisamos parar de adorar como almas viventes – sem rasgar os corações, sem deixar o grão de trigo morrer, sem deixar a vida de Cristo ser forjada em nós. Deus quer restaurar a criação que geme e clama por libertação. Deus quer curar almas feridas e doentes. Mas o som que curará a terra fluirá do nosso interior. Virá das profundezas de corações quebrantados, que sangram na presença de Deus.
Nosso fruto não serve. Nada que inventarmos ou produzirmos fará diferença alguma na Terra. Se despertarmos o Espírito para clamar em nós com gemidos inexprimíveis, então um novo cântico se ouvirá na Terra. Jesus cantará no meio da igreja, e usará as nossas vidas, nossas bocas, todo nosso ser para libertar e restaurar tudo ao nosso redor. Praticaremos as obras que ele preparou de antemão para cada um de nós, e os ministérios não serão mais mediadores, mas farão aquilo para o qual foram chamados: aperfeiçoar os santos “para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Efésios 4.12,13).
O Chamado de Deus Hoje
Sacerdotes, ministros do altar, pais, ouçamos a voz do Senhor. Enquanto não entrarmos, nós mesmos, na presença de Deus, somos cegos guiando outros cegos. Enquanto os nossos corações não forem quebrantados, rasgados, desnudados na presença dele, seremos apenas almas viventes e permaneceremos sós.
Quer ganhar seus filhos? Pare de empurrar o que você acha certo pela garganta deles abaixo. Levante a Cristo, e todos serão atraídos. Quer uma igreja restaurada, reformada, neo-testamentária? Pare de buscar métodos novos, conceitos novos, formas novas de organização, e busque a reforma do seu próprio coração. Adore a Deus em espírito e em verdade, e de seu interior fluirão rios de água viva.
Para isso, a casca precisa se romper. O preço a pagar é a total substituição de nossos planos, nossas idéias, nossos ministérios pelos pensamentos de nosso Senhor. É conhecer a Deus e permitir que ele escreva as suas leis em nossos corações.
Nestes dias, há uma multidão cada vez maior se aglomerando perto do Santo dos santos. O véu já foi rasgado, mas relutamos em entrar. Uns chegam mais perto que outros, e há arrepios, choros, manifestações de vários tipos. A alma ainda está muito viva, no lado de cá do véu. Mas Deus nos chama para entrar no Santíssimo e conhecer a Deus face a face. Lá não haverá muito barulho. Como Isaías, clamaremos “Ai de mim”. Como Daniel e João, nos prostraremos com o rosto em terra até que ele nos toque e nos levante. Ele nos dará uma palavra e nos enviará para fazer as obras preparadas de antemão para que andássemos nelas (Ef 2.10).
Queridos, ousemos tirar tempo para Deus. Ousemos entrar na presença de Deus, não apenas para sentir a presença dele e nos arrepiar inteiros, mas para ouvir a sua voz, e permitir que ele circuncide nossos corações. Só quando fizermos disso uma experiência constante e regular é que a casca de trigo se romperá, deixaremos de ser almas viventes, e o sangue fluirá, levando a Palavra e o Espírito para cada parte do corpo. Seremos constituídos em casa espiritual, “sacerdócio santo, trazendo sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo” (1 Pe 2.5).
Eis que eu envio o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim; de repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais, o Anjo da Aliança, a quem vós desejais; eis que ele vem, diz o Senhor dos Exércitos. Mas quem poderá suportar o dia da sua vinda? E quem poderá subsistir quando ele aparecer? Porque ele é como o fogo do ourives e como a potassa dos lavandeiros. Assentar-se-á como derretedor e purificador de prata; purificará os filhos de Levi e os refinará como ouro e como prata; eles trarão ao Senhor justas ofertas. Então, a oferta de Judá e de Jerusalém será agradável ao Senhor, como nos dias antigos e como nos primeiros anos (Ml 3.1-4).
Se buscarmos ao Senhor, ele virá e nos purificará até que ofereçamos justas ofertas. A justa oferta é Cristo em nós. O propósito eterno de Deus é fazer todas as coisas convergirem em Cristo (Ef 1.10). A igreja gloriosa, que mostrará a multiforme sabedoria de Deus aos principados e potestades agora, será formada por pedras vivas, pedras purificadas pelo fogo do ourives, pedras em que tudo removível já foi tirado (Hb 12.27).
Para que todas as coisas venham a convergir em Cristo, precisamos das três testemunhas. O Espírito, pelo qual nascemos de novo, revela a Palavra de Deus aos nossos corações, como espada viva, que penetra, divide e revela as mais secretas intenções do coração, e com essa operação da Palavra viva (Palavra mais Espírito), nossa casca se romperá, e o sangue fluirá, de espírito vivificante a espírito vivificante, formando pedras vivas, sacerdócio real, edificando casa espiritual e trazendo ofertas agradáveis por meio de Jesus Cristo. O Pai olhará e dirá: “Filho, essa noiva é digna de se casar com você, pois tem a mesma natureza.”
Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade (Jo 4.23,24).
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DEFINIÇÕES RÁPIDAS
“Nós – ou pelo menos eu – não seremos capazes de adorar a Deus nas ocasiões mais sublimes se não tivermos aprendido o hábito de assim fazer nos momentos mais baixos. Na melhor das hipóteses, nossa razão e nossa fé nos dirão que ele é adorável, mas não o teremos visto assim, não teremos ‘provado e visto’. Qualquer clareira ensolarada no meio de uma mata fechada lhe mostrará algo sobre o sol que jamais descobriria em dezenas de livros sobre astronomia. Estes puros e espontâneos prazeres são ‘clareiras de luz divina’ nas florestas da nossa experiência”
(C. S. Lewis).
“Se não aprendemos a ser adoradores, realmente não importa quão bem fazemos qualquer outra coisa”
(Erwin W. Lutzer).
“Adorar é experimentar realidade, tocar na vida. É conhecer, sentir e experimentar o Cristo ressurreto no meio da comunidade reunida. É romper a barreira e entrar no Shekinah de Deus, ou melhor ainda, ser invadido pelo Shekinah de Deus”
(Richard Foster).
“De acordo com o Catecismo Menor de Westminster, ‘A principal finalidade do homem é glorificar a Deus e fazendo isto ter prazer nele para sempre’. É impossível adorar a alguém em quem não temos prazer ou que não consideramos digno de sacrifício e devoção”
(Bob Mumford).
“Verdadeira adoração não resulta automaticamente de participação coletiva. Adoração é uma resposta individual do homem interior que não pode ser comandada exteriormente”
(Bob Mumford).