Um País em Conflito
Sri Lanka é uma ilha tropical, localizada ao sul da Índia, com uma área pouco maior que o estado brasileiro de Paraíba. Quando se tornou um país independente em 1948, era uma das regiões mais progressistas e com mais potencial de desenvolvimento da Ásia. Com seu nível de democracia, educação e saúde, tinha tudo para se transformar em um dos tigres asiáticos.
Infelizmente, não foi isto que aconteceu. Há vinte anos, tem sido o palco de alguns dos piores conflitos étnicos em todo o mundo, incluindo ataques a bombas, assassinatos de líderes políticos e massacres sangrentos nas ruas.
Os dois grupos étnicos que estão em conflito são os cingaleses que estão na maioria (mais de 70% da população, de religião budista) e os tâmeis que estão na minoria (17%, quase todos hindus). Os muçulmanos (8%) e os cristãos (7%, maioria católicos) geralmente ficam de fora dos conflitos. Os protestantes só representam 1 por cento da população, embora tenha havido crescimento significativo nos últimos anos.
Apesar dos dois povos terem convivido em razoável harmonia durante a maior parte da sua história, a tolerância mútua começou a desmoronar no final dos anos 50, quando o primeiro ministro, Solomon Bandaranaike, começou a favorecer visivelmente os cingaleses nas universidades e no governo. Os tâmeis, sentindo-se em posição de segunda classe, começaram a reagir e a lutar em favor de um estado separado. Grupos militantes, como os Tigres Tâmeis, começaram a atacar o governo e a lutar entre si. Aperfeiçoaram a tática da bomba suicida, e assassinaram vários líderes do governo, inclusive o primeiro ministro da Índia, Rajiv Gandhi. As forças do governo também contra-atacavam sem misericórdia. Depois de manifestações violentas em 1983, o país entrou em guerra civil aberta. Há pouco mais de um ano, houve um cessar-fogo.
Métodos Antiéticos
Há alguns meses, Tim Stafford, um escritor sênior da conceituada revista cristã Christianity Today, visitou a ilha para descobrir como a igreja daquele país estava enfrentando, no seu dia-a-dia, tamanhas tensões e conflitos.
“Perdi tudo que possuía, com exceção de alguns livros e roupas que coloquei num saco. Muitos dos meus amigos e vizinhos foram mortos”, contou-lhe Ivor Poobalan, reitor da Faculdade Teológica de Colombo, capital de Sri Lanka, ao relatar os acontecimentos de 1983.
“Foi a primeira vez que vi a loucura que pode tomar conta de uma multidão enfurecida. Pessoas eram arrancadas dos carros e mortas. Ônibus eram queimados. Um homem da nossa igreja viu sua mãe ser estuprada diante dos seus olhos. O fato das pessoas manterem qualquer elemento de humanidade era graça de Deus. Não havia bondade nem compaixão de espécie alguma.”
“A igreja é a única comunidade que consegue unir as diversas correntes étnicas”, ele continuou. “Durante as manifestações, os cristãos eram maravilhosos. Abriam suas casas uns aos outros. Não havia qualquer distinção racial. Isto era tremendo.”
Duleep Fernando é o responsável pela Faculdade Metodista Cingalesa de Treinamento Evangelístico. Durante os tumultos de 1983, multidões cingalesas, cheias de ódio e homicídio, percorriam a cidade de Colombo, queimando casas e comércios dos tâmeis e matando-os aos milhares. Duleep, que é cingalês, estava por toda parte, colocando famílias no seu carro, sem preocupação alguma com sua própria segurança. Quando não podia mais colocar gente em sua casa, ele pediu a igreja para servir como abrigo.
Hoje, Duleep junto com os metodistas tâmeis está envolvido em enviar missionários nativos para alcançar as vilas mais afastadas. Uma das grandes dificuldades enfrentadas para se evangelizar naquele país é a oposição dos budistas, que acusam os cristãos de métodos “antiéticos” de evangelização.
Embora os budistas sejam a maioria e tenham até o apoio da constituição, que garante liberdade de religião mas também obriga o estado a proteger e encorajar o budismo, eles se sentem ameaçados pelos cristãos. É quase impossível ler um jornal em Sri Lanka que não ataque os cristãos pela sua tentativa enganosa de minar o caráter budista do país. Acham que o cristianismo é agressivo e representa uma ameaça por não respeitar as demais religiões.
A maior crítica é da metodologia “antiética” que, segundo os críticos, utiliza doações financeiras e outros benefícios materiais para induzir as populações mais carentes. Embora alguns evangelistas zelosos tenham realmente oferecido tais coisas para aqueles que freqüentam suas reuniões, as críticas têm ido bem além disso.
Quando uma missão doa alimentos para refugiados famintos, e alguns se convertem, é acusada de agir de forma antiética. Se ajuda os habitantes da vila a construir casas, furar poços ou criar frangos, poderá ser acusada de utilizar táticas enganosas.
Por causa destes ataques e de investigações do governo, organizações cristãs de assistência social tiveram de se distanciar da igreja cristã. Muitas igrejas abandonaram seus programas sociais e as agências humanitárias e missões tiveram de mostrar que não tinham qualquer ligação com trabalhos evangelísticos.
A acusação chegou até àqueles que pregam sobre céu e inferno – como forma externa de induzir as pessoas a se converterem. Outros reclamam sobre oração em favor de cura divina, pois isto também seria um benefício tangível para seduzir a pessoa a mudar sua religião.
Ao entrevistar alguns líderes cristãos sobre estas acusações, porém, Stafford ficou surpreso ao constatar sua reação. Ao invés de indignação ou autodefesa, ele encontrou autocrítica.
“Acho que as reclamações têm razão, em parte”, disse um pastor pentecostal. “Temos pisado na bola. Tem gente fazendo isto nas aldeias. Recebem dinheiro de fora e dão às pessoas para que venham à igreja.”
De acordo com este mesmo pastor, tudo isto é porque “nós mesmos não compreendemos o verdadeiro poder intrínseco do evangelho. Achamos que temos de oferecer benefícios tangíveis. E a situação aqui vai ficar pior se não mudarmos nossa estratégia, acelerarmos o evangelismo pessoal e assumirmos um perfil mais discreto. Grandes cruzadas não são a solução aqui e não ajudam no crescimento da igreja.”
Evidentemente, é impossível desvincular totalmente o papel social da igreja da mensagem de salvação. É possível corrigir os extremos e evitar o uso de benefícios materiais para induzir a pessoa a simplesmente pertencer a uma igreja. Mas o próprio Jesus ministrou liberalmente às necessidades do corpo e da alma das multidões, sem, porém, cobrar nada delas em troca. Como disse Ajith Fernando (irmão de Duleep e diretor da Mocidade Para Cristo que ministra a populações muito carentes): “Ninguém tem uma conversão totalmente honrosa; todos temos motivações misturadas”.
Diante de tudo isto, a Aliança Evangélica de Sri Lanka estabeleceu algumas diretrizes para trabalhos evangelísticos. Deve-se evitar a presença visível de estrangeiros, abster-se rigorosamente de comentários desrespeitosos a respeito de outras religiões e não divulgar eventos especiais. A maioria das igrejas não usa alto falantes, não coloca placas e não deixa a freqüência transbordar para fora do auditório.
O melhor evangelismo é feito através de famílias que se sustentam por um comércio ou outro negócio próprio e a melhor estratégia é a igreja no lar. Quando um sujeito chega numa vila e anuncia que é pastor, as pessoas acham que alguém o está contratando para converter a população. Por outro lado, quando vêem uma pessoa que trabalha para se manter, é mais fácil de ser aceita como parte da comunidade.
Evidentemente, isto não resolve completamente o problema da oposição. De qualquer forma, especialmente numa pequena aldeia, o cristianismo pode desestabilizar a ordem anterior. A ausência de um número substancial de pessoas nos festivais religiosos abala a estrutura social e até financeira de uma sociedade.
Apesar das dificuldades, e da possibilidade do governo aprovar uma lei para impedir o trabalho de evangelismo e conversões, há muita receptividade entre as pessoas. De acordo com Poobalan, é possível sentar-se com qualquer pessoa na rua em Sri Lanka e achar um ouvinte interessado. “É por isto que tantas igrejas novas estão surgindo”, ele diz. “As pessoas vêm com alegria para ouvir. E é isto que incomoda as pessoas que se nos opõem.”
A Coragem de Enfrentar o Inimigo
Entre muitas histórias de coragem e perseverança no meio de perseguição e conflitos, uma realmente merece destaque. Prova mais uma vez que é na tribulação e dificuldade que a igreja realmente brilha e demonstra o poder da vida de Cristo nos vasos de barro.
Lalani Jayasinghe dirige uma igreja numa pequena vila no sul de Sri Lanka. Stafford viajou até este lugar para conhecê-la pessoalmente e ver o que Deus tem feito ali. Antes de chegar lá, contaram-lhe uma das suas histórias. Numa reunião de planejamento na capital, Colombo, alguém lhe perguntou como estava a obra na sua localidade. Lalani respondeu: “Maravilhosa! Louvado seja o Senhor!” Porém, no decorrer da reunião, ela teve oportunidade de relatar como os opositores do evangelho fizeram uma marcha de protesto contra a igreja e queimaram o telhado de palha do auditório.
Diante desta trágica notícia, perguntaram-lhe como, então, ela pôde falar que tudo estava maravilhoso. “Obviamente”, ela respondeu com entusiasmo, “já que nosso telhado de palha foi destruído, Deus deve ter propósito de nos dar um telhado metálico!”
De fato, ao chegar lá, Stafford encontrou uma estrutura simples, que cabia algumas centenas de pessoas sentadas, e um telhado metálico! Lalani recebeu os visitantes com muita vivacidade, conversou animadamente e mostrou fotos do casamento, do marido assassinado na sua própria casa, e de danos feitos por ataques a bomba à igreja. Durante o tempo inteiro, conversava livremente como se estivesse falando a respeito das suas férias. No culto, enquanto dirigia o louvor, exalava entusiasmo, força e muita alegria – uma alegria profunda e incondicional.
Mas qual foi a história desta mulher incomum, e como conseguiu chegar até este lugar?
O marido de Lalani, Lionel Jayasinghe, tinha sido um sacerdote budista antes de aceitar o Senhor Jesus em 1981, com a idade de 29 anos. Foi um simples folheto que chamara a sua atenção. Deixando tudo, ele foi para um Instituto Bíblico da Assembléia de Deus. Depois de completar o curso, ele quis trabalhar para o Senhor na região onde se convertera, especialmente porque ali não havia cristãos. Até então a maioria dos cristãos em Sri Lanka se encontrava nas cidades. Em todo o tempo em que houve trabalho missionário, ninguém ainda ousara entrar nas vilas e aldeias no interior. Era uma região dominada por culto a ídolos e por poderosos líderes budistas e hindus.
Lionel casou-se com Lalani em 1986 e juntos lutaram com muitas dificuldades para se identificar com o povo e ministrar a eles. Muitos sentiram a autenticidade do seu estilo de vida e foram atraídos ao Senhor que eles pregavam. Viviam num rancho muito simples, sem água encanada nem confortos modernos.
Uma pequena igreja no lar surgiu, e junto veio a oposição. Monges budistas iam de casa em casa, alertando contra os cristãos. Ameaças de morte vinham pelo correio, ordenando que Lionel deixasse a comunidade.
Quando alguém o criticava, Lionel dizia: “Não estou fazendo as pessoas mudarem de religião. Estou dizendo-lhes que Deus pode mudar suas vidas, pois foi isto que fez por mim.”
No dia 25 de março de 1988, Lionel e Lalani voltaram para casa à noite depois de fazer visitas. Seu filhinho de onze meses estava dormindo no quarto, quando alguém bateu na porta. Dois homens pediram com urgência para ver o pastor. Quando Lionel foi à porta, um dos homens sacou uma arma e atirou nele. Ao correr para o quarto, o outro o seguiu e o esfaqueou várias vezes, enquanto Lalani, aterrorizada, pedia para não matar uma pessoa inocente.
Depois de sepultar o marido, Lalani voltou para sua casa, e para o quarto manchado com o sangue dele. Um pastor ofereceu-se para ajudá-la a mudar para um lugar mais seguro, mas ela respondeu: “Todas as vezes que vejo o sangue do meu marido, cada mancha me dá coragem de permanecer e continuar a visão que ele começou.”
De alguma forma, ela sentia que este não era o fim, mas apenas o começo. Havia um senso de destino, o início de uma vida de fé e de dependência somente em Deus, uma jornada corajosa e heróica, em que ela também teria de entregar sua vida e enfrentar as mesmas ameaças e oposição que seu marido recebera.
Com medo de mais violência, o dono da casa onde morava pediu que ela saísse. Depois de se mudar, as pessoas jogavam pedras continuamente, assustando seu filhinho. Cartas chegavam, dizendo que ela seria morta como seu marido, se não fosse embora até determinada data.
Constantemente, espalhavam rumores, mentiras e calúnias contra ela para destruir seu trabalho. Mas Lalani continuou firme com seus obreiros, recusando-se a serem intimidados. Agora ela não era uma mera seguidora, mas uma líder, alguém que precisava ser fonte de coragem e força para aqueles que se dispunham a arriscar suas vidas pelo evangelho de Jesus. Os ataques não eram só contra ela, mas contra os membros da igreja, e mesmo as crianças não eram poupadas.
Em janeiro de 1991, ela recebeu uma carta dizendo que se não saísse em um mês, ela sofreria o mesmo fim do seu marido. Dois meses depois, colocaram fogo na construção da igreja e queimaram o telhado. Dentro de duas semanas, o povo da vila se reuniu, reconstruiu o salão e colocaram um telhado metálico. Outra carta com ameaça de morte chegou, mas não era hora de olhar para trás. Apesar de várias oportunidades de ir para outro local e sair daquele ambiente hostil, Lalani continuou firme, criando seu filho e discipulando obreiros.
“Deus ficou muito próximo a mim durante este tempo”, ela testemunha. “Eu contava tudo para ele. Eu dizia: ‘Se quiseres que eu morra, estou disposta, mas prefiro ficar pois tenho trabalho a ser feito aqui. Mas se eu morrer, quero escrever na parede com meu sangue: Jesus está vivo’.”
Diante de conselhos de outros irmãos da igreja a respeito do perigo que seu filho estava correndo, Lalani finalmente aceitou a necessidade de enviá-lo para outro lugar e separar-se dele. “Foi extremamente difícil”, ela disse. “Fiquei muito abatida. Mas falei com Satanás: ‘Seu fim será horrível’, e depois me senti melhor!”
“Na verdade, meu filho está indo muito bem na escola agora”, ela afirmou. “Muito melhor do que quando estava aqui. Preciso até agradecer àqueles que o ameaçavam!”
Hoje há um grupo de jovens pastores e obreiros, dedicados e destemidos, dispostos a pagar o supremo preço pelo evangelho. A determinação de Lalani de continuar o ministério num ambiente hostil e perigoso, assim como fez seu marido antes, tem dado frutos. Esta é uma região nunca antes penetrada pelo evangelho, mesmo durante 500 anos de atividade missionária quando era colônia do Império Britânico. Agora, a semente do martírio e da perseverança desta viúva corajosa mudou tudo isto. Sete igrejas foram iniciadas na região, que contam com mais de 1200 discípulos de Cristo.
É a igreja sofredora vencendo no meio de oposição brutal e dando uma lição a Satanás e à igreja acomodada no resto do mundo!
Compilado por Christopher Walker, usando como fonte de pesquisa diversas matérias do site:
www.christianitytoday.org.