Alexander MacLaren (1826-1910)
Eu me alegrarei no SENHOR, exultarei no Deus da minha salvação. O SENHOR Deus é a minha força! Ele fará os meus pés como os da corça e me fará andar sobre os meus lugares altos. (Hc 3.18-19)
Com o simples objetivo de trazer à tona o significado profundo das palavras, ressalto que as três condições do texto apresentam três aspectos de como nossas vidas podem efetivamente se tornar, se nós também nos regozijarmos no Deus da nossa salvação.
Em primeiro lugar, essa comunhão com Deus traz Deus ao homem como a fonte de sua força. “O Senhor é a minha força.” Ele não apenas dá força, como se colocasse uma moeda na mão de um pedinte, enquanto fica o tempo todo longe dele, mas “ele é a minha força”.
E o que isso significa? É uma antecipação da mais maravilhosa e mais elevada de todas as verdades do Novo Testamento, a qual o apóstolo Paulo declarou quando disse: “Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Fp 4.13). “A minha graça te é suficiente, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Co 12.9).
Ó meu irmão! Não nos privemos de receber as incomparáveis consolações e o misterioso influxo de poder que podemos receber se abrirmos nossos olhos e nosso coração para ver e alcançar a verdadeira bênção central do evangelho, a comunicação de vida por meio da mesma fé que Habacuque manifestou quando disse: “Eu me alegrarei no SENHOR, exultarei no Deus da minha salvação” (Hc 3.18); uma verdadeira força divina constante que se manifesta de modo majestoso e triunfante em nossa fraqueza. “O Senhor é a minha força”, e se nos alegramos no Senhor, veremos que a experiência de Habacuque foi menor do que a nossa, pois ele tinha menos conhecimento de Deus do que nós; e seremos capazes de superar sua fala com esta: “O SENHOR Deus é a minha força e o meu cântico; ele é a minha salvação” (Is 12.2).
O segundo ponto é semelhante: a alegria da comunhão com Deus trará leveza ao caminhar. “Ele fará os meus pés como os da corça.” Todos os idiomas falados por pessoas que já viram uma corça definem que esse exemplo tipifica um caminhar fácil, flexível, leve, de saltitar gracioso, que transpõe os obstáculos e salta velozmente sobre as campinas. E quando o salmista profeta, ou o cantor do Salmo 18.33 diz: “Faz meus pés como os das corças”, ele está falando sobre o andar leve, saltitante, elástico, e sobre a rapidez de sua corrida.
Que enorme contraste com o modo como a maioria de nós passa seu dia de trabalho! Alguns caminham de forma arrastada, desconfortável, como o lavrador que arduamente ara o campo com os pés pesando uma tonelada por causa da terra grudada nos calçados; ou como o passo de um homem que chega do trabalho à noite extremamente cansado. A monotonia das atividades triviais, recorrentes; as flutuações de ânimo; as subidas íngremes na estrada que cedo ou tarde todos vamos encontrar; com o passar do tempo, a fadiga aumenta, a esperança diminui e passamos a caminhar mais lentamente; sabemos que nossa força e nosso ritmo de caminhada serão afetados. Porém, as palavras no nosso texto trazem um belo encorajamento, restaurando a esperança de que o andar leve e ágil da corça numa encosta aberta pode ser uma experiência nossa nesta corrida que nos foi proposta.
Nós podemos nos equipar para andar assim no nosso caminho e nos alegrar com nosso trabalho como um “atleta participando de uma corrida”. Podemos receber de bom humor cada tarefa diante de nós e nos dedicar de todo coração para executá-la. Isso é possível, por causa da comunhão com Deus por meio de Jesus, que insufla vigor e resiliência nas pessoas e, consequentemente, produz um frescor e uma leveza que não provêm de si mesmas, da natureza nem das coisas que as cercam.
E não apenas isso, mas essa mesma comunhão com Deus, que temos quando abrimos o coração para receber o influxo do poder divino, traz nova motivação que pode redimir o trabalho; ele deixa de ser opressivo, entediante, monótono, trivial, grande ou pequeno demais para nossas habilidades e esforços. Qualquer trabalho que não seja feito em comunhão com Jesus Cristo tende a se tornar pesado demais para ser realizado com sucesso ou muito trivial para todo o nosso potencial; em qualquer dessas situações, com o passar do tempo o trabalho passa a ser feito de forma superficial, mecânica ou enfadonha.
“O Senhor fará os meus pés como os da corça” se eu receber no coração o amor de Deus em Cristo. Tudo o que fluir dele influenciará as minhas ações. Não haverá mais tarefas desproporcionais ou grandes demais, além das nossas forças ou pequenas demais para valer o esforço. Não haverá trabalho indesejável. Os terrenos irregulares serão aplainados, o torto será endireitado, nossos pés serão calçados com a preparação do evangelho da paz.
Se vivermos diariamente em comunhão com Deus, outra passagem também nos ajudará a correr “a corrida que nos está proposta”. Tudo o que acontece conosco e tudo o que temos a fazer será conectado ao objetivo final do plano de Deus; a vida se tornará solene, grave e abençoada por ser o pátio externo e o vestíbulo da vida eterna com Deus, em Cristo. Aqueles que mantiverem comunhão com Deus, e somente eles, como disse outro profeta, “correrão e não se cansarão” quando vierem os momentos que exigirem um esforço especial; e “andarão e não se fatigarão” durante todas as longas e entediantes horas das nossas jornadas pelas estradas comuns e empoeiradas dos nossos deveres diários.
A última observação: a comunhão com Deus nos eleva. “Ele… me fará andar sobre os meus lugares altos.” Podemos ver a silhueta do rebanho no alto da montanha, totalmente à vontade, distante de perigos e ataques; capaz de se manter calmo à beira do precipício, enquanto movimenta seus chifres ao ar livre. Um movimento súbito e eles correm quilômetros de distância. E nos “colocará em segurança em meus lugares altos”, se permanecermos na comunhão de amor com Deus em Cristo. E dia após dia, mesmo que “a figueira não floresça, nem haja fruto nas videiras”, ainda assim “exultarei no Deus da minha salvação”.
Ele nos exaltará, e outra declaração de Isaías do versículo que mencionei, se cumprirá: “subirão com asas como águias”. A comunhão com Deus não nos auxilia apenas no trabalho e na jornada, mas nos ajuda a voar alto. Se permanecermos em contato com ele, seremos como um peso que flutua com o auxílio de um balão. A leveza de um iça o peso do outro. Se segurarmos firmemente a mão de Cristo, seremos erguidos aos topos, aos lugares altos de Deus, até o limite daquilo que podemos alcançar neste mundo – e, ali, estaremos em casa. Esses são os “meus lugares altos”, que eu jamais alcançaria com minhas próprias forças, somente porque ele me eleva até lá, e que, pela sua graça, se tornaram minha morada. Ali estou à vontade – caminho em liberdade nas alturas e não temo cair entre os penhascos.
A maneira para chegar lá é mantermos contato com Jesus Cristo, que nos colocará à sua direita nos lugares celestiais, os quais serão “nossos lugares altos”, mesmo quando estivermos caminhando pela estrada terrena aqui embaixo. Lá em cima é seguro. O ar é puro, as névoas venenosas ficaram lá embaixo; no alto, os caçadores não chegam. Suas flechas e seus rifles não alcançam essa distância. Somente quando o rebanho se aventura colina abaixo é que ele corre riscos de ser atingido.
A comunhão com Deus nos torna leves e ágeis e nos leva para o alto, mesmo quando ainda estamos em nossas mesas, fábricas, escolas, cozinhas, enfermarias, lojas. Descobriremos que os lugares altos são acessíveis a todos, qualquer que seja a nossa vocação ou tarefa específica. Prossigamos, então, até ouvirmos a voz que diz: “Suba mais alto”, e seremos elevados à montanha de Deus, onde estão as águas vivas, e não temeremos armadilhas ou caçadores para todo o sempre.
“Tentar realizar a obra do Senhor com sua própria força
é o trabalho mais confuso, exaustivo e entediante de todos.
Mas quando você está cheio do Espírito Santo,
o ministério de Jesus flui naturalmente, sem esforço”
– Corrie ten Boom