Por Mateus Ferraz de Campos
Como pastor de jovens e adolescentes, tenho observado a trágica situação em que se encontram os relacionamentos familiares. O abismo existente entre pais e filhos se amplia cada vez mais, e o que temos hoje não é uma família vivendo um universo comum, mas vários mundos diferentes, cada vez mais independentes entre si, orbitando debaixo do mesmo teto.
Uma evidência clara desse caos familiar é o número assustador de adolescentes que crescem em uma família de pais separados, onde normalmente um dos pais, ou em alguns casos os dois, são ausentes de sua vida. Cada qual vive sua própria existência, ilhando os filhos, que por sua vez aprendem a ser independentes e enclausurados em si mesmos desde pequenos.
Esse isolamento familiar não é exclusividade das famílias destruídas, nem sequer das famílias não cristãs. Dentro de nossas igrejas, é comum vermos esse mesmo isolamento entre os membros da família. A justificativa é o trabalho, a falta de tempo, e a falta de compreensão do universo do outro.
É verdade que a geração de hoje vive em um mundo totalmente diferente daquele de seus pais. As mudanças ocorrem em um ritmo frenético, tornando muito difícil que os pais compreendam completamente o ambiente pós-moderno em que seus filhos desenvolvem suas atividades e relacionamentos.
No entanto, creio que o maior abismo não é um abismo de geração, mas o abismo do coração. A promessa de Deus em Malaquias é converter o coração. E parece ser esse o problema que tem dividido as famílias.
Olhando por esse prisma, vemos basicamente dois quadros: alguns que não se importam de maneira nenhuma com seus filhos, deixando-os a mercê de si mesmos para desenvolverem caráter e relacionamentos, e outros que se relacionam com seus filhos em um nível meramente educacional.
A maior preocupação é educar os filhos, treiná-los para tornarem-se pessoas de valor. São inúmeros os seminários, cursos, apostilas e livros que prometem a receita mágica para instruir seu filho para que se torne alguém bem-sucedido na vida e que, principalmente, não dê trabalho a seus velhos pais. Creio que o cerne das dificuldades de relacionamento entre pais e filhos reside exatamente nessa preocupação superficial na formação e informação da criança. Os pais têm confundido seus papéis com o de meros treinadores.
Eugene Peterson, em seu livro O Pastor Contemplativo, fala de três linguagens básicas do ser humano. A primeira, chamada de linguagem I, é a primeira comunicação que se estabelece entre pais e filhos. É a linguagem do berço, onde os sons e os fonemas não são nada inteligíveis, e a comunicação abrange a compreensão dos gemidos e choros do pequeno bebê.
Segundo os padrões modernos de comunicação, essa seria considerada a mais primitiva. Contudo, é uma linguagem totalmente relacional e comprometida. É decifrando a expressão da criança e vendo a reação de seus olhos que os pais se tornam magicamente conectados ao seu universo. E, em pouco tempo, alguns pais conseguem deduzir o que está errado pela intensidade do choro ou interpretar o que o filho quer dizer pelas enigmáticas palavras monossilábicas, que só quem é pai ou mãe entende.
A partir daí, estabelece-se a linguagem II. Essa é uma linguagem descritiva que se desenvolve no aprendizado da criança. É quando se dá nome às coisas. Mesa, cadeira, pão, leite, papai, mamãe, cachorro, gato, casa. Agora, já não é necessário imaginar ou deduzir, mas simplesmente ouvir. O que era subjetivo, agora, torna-se objetivo. O mundo não é mais o mundo das relações, mas primordialmente o mundo dos objetos.
E, por último, em um estágio mais avançado, se estabelece a linguagem III: a linguagem motivacional. Essa linguagem dá poder às palavras. É quando elas têm um caráter não apenas descritivo, mas motivam, mandam e extraem das pessoas as reações desejadas. O pai manda, e o filho obedece. A mãe ordena e o filho come tudo o que está no prato. E uma vez dominada a linguagem motivacional, o quadro se inverte, e o filho passa a usar da persuasão de suas palavras para arrastar os pais para sua órbita.
Conforme a análise de Peterson, nosso mundo gira em torno da linguagem II e III. Vivemos em uma sociedade descritiva e motivacional. A persuasão das propagandas, a força motivacional da política e a intensidade da mídia são os imperadores do mundo das palavras. As palavras são instrumento de informação e influência, e a inocência da linguagem relacional se perde.
A família é um ambiente relacional. A beleza da subjetividade, da comunhão, da interpretação de olhares e da compreensão um do outro tem como ambiente o lar.
Pergunte-me quais são minhas melhores lembranças do meu relacionamento com meu pai. Com certeza, aprendi muito com ele. Mas não é no ensino de como lavar o carro, como organizar as contas ou como fazer isto ou aquilo que residem minhas lembranças favoritas. Essas lembranças educacionais influenciaram e influenciam minha vida até hoje. São necessárias a qualquer filho e sou grato por cada uma delas. No entanto, são lembranças frias, não têm cor nem cheiro, e pouca vida.
Mas pergunte-me a respeito dos passeios no parque, das brincadeiras no grêmio, das orações juntos, do olhar de aprovação do pai encontrando o olhar inseguro do filho. Essas lembranças são vivas, presentes e marcantes. Não me lembro muito bem das palavras, mas certamente guardo a memória das risadas, do ambiente alegre de comunhão onde eu podia olhar para meu pai e dizer: eu o conheço.
Pais e filhos precisam recuperar a linguagem relacional. É preciso resgatar a fala do coração que fala ao coração. É necessário entender que somente em um ambiente relacional é que se pode desenvolver a instrução e a motivação. As melhores lições são transmitidas com o coração.
Pais não são treinadores que deixam os filhos na linha de largada e esperam os resultados na linha de chegada. São treinadores que correm ao lado do filho, motivando-o a continuar pelo simples fato de estarem juntos.
O maior modelo dessa paternidade relacional é o Pai celestial: aquele que não dá corda no ser humano e o joga no mundo, mas o acompanha em cada passo do caminho, repetindo consistentemente: “Eu sou contigo”.
Observando a situação desgastada de alguns relacionamentos familiares, devo concordar que algumas situações não mudam de uma hora para outra. É preciso passar por um processo de firmar um novo compromisso de relacionamento. Mas é necessária uma iniciativa de uma das partes. Alguém tem que dar o primeiro passo. Alguém deve estender os braços para o primeiro abraço. E, para isso, recorro mais uma vez à figura do Grande Pai. Quando os filhos estavam longe demais para que pudessem alcançá-lo, ele veio ao nosso encontro.
Que nossos corações se convertam e que nossas famílias voltem a ser um universo só, onde o amor seja a linguagem e o coração, a fonte.
Mateus Ferraz de Campos é um dos pastores da Igreja do Nazareno em Americana-SP.
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A Encruzilhada
“Oh, Pai, meu Pai… Deus Pai.”
Hesitantemente, disse o nome dele em voz alta. Tentei maneiras diferentes de falar com ele. E então, como se algo houvesse se desfeito dentro de mim, descobri que acreditava que deveras ele me ouvia, assim como meu pai terreno sempre o havia feito.
“Pai, oh, meu Pai Deus”, clamei, com confiança crescente. Minha voz parecia inusitadamente alta no grande quarto, enquanto me ajoelhava no tapete ao lado da cama. De repente, aquele quarto já não estava vazio. Ele estava lá! Eu podia perceber sua presença. Podia sentir-lhe a mão colocada gentilmente sobre minha cabeça. Era como se eu pudesse ver seus olhos, cheios de amor e compaixão. Ele estava tão perto que coloquei minha cabeça sobre seus joelhos, como a criancinha sentada aos pés do pai. Fiquei ali ajoelhada por um longo tempo, soluçando quietamente, flutuando em seu amor. Conversei com ele, pedi desculpas por não tê-lo conhecido antes. E de novo, sua compaixão amorosa, como um cálido cobertor, envolveu-me toda.
Reconheci ser essa a mesma presença amorosa que havia encontrado naquela tarde fragrante em meu jardim. A mesma presença que muitas vezes havia sentido ao ler a Bíblia.
— Estou confusa, Pai… — disse eu. — Tenho de acertar uma coisa imediatamente — Levei a mão à mesa de cabeceira onde tinha a Bíblia e o Alcorão lado a lado. Apanhei ambos e levantei-os, um em cada mão.
— Qual, Pai? — Disse eu. — Qual destes é o teu livro?
Então uma coisa admirável aconteceu. Nada igual jamais havia acontecido em minha vida. Ouvi uma voz dentro de mim, uma voz que me falava tão claramente como se eu repetisse as palavras mentalmente. Palavras afáveis, e ao mesmo tempo cheias de autoridade.
— Em qual dos livros você me conhece como Pai?
Respondi:
— Na Bíblia.
Era disso que eu precisava. Agora não havia dúvida em minha mente de qual livro era o dele…
Extraído do livro: “Atrevi-me a Chamar-lhe Pai” — Bilquis Sheikh (conforme narrado a Richard Schneider) —
Editora Vida
Uma resposta
Muito bom!