Por: Pedro Arruda
A conversão dos pais aos filhos e dos filhos aos pais como resultado do ministério profético é a síntese da restauração de todas as coisas, que precederá a volta de Jesus. A ampla aplicação desta palavra não exclui, evidentemente, a questão da família. Inúmeros estudos e mensagens já abordaram a maneira de como proceder para se ter uma família segundo os padrões bíblicos; ainda assim, parece que falta graça e sobra lei nos relacionamentos familiares no ambiente de tensa convivência entre autoridade, submissão, rebeldia, omissão, liberdade, disciplina, emoção, razão, etc.
Os melhores esforços, na maioria das vezes, têm produzido apenas bons cidadãos, sem alcançar uma consagração total de vida a Deus. Intrigante que isso ocorra mesmo entre homens que são extremamente usados por Deus, mas cujos filhos e netos ficam muito aquém desse padrão. Enquanto não chega o momento em que ambas as gerações convirjam seus interesses em Cristo, este triste ciclo tem se repetido, fazendo-nos crer que temos contribuído muito para a formação de uma boa sociedade cristianizada e pouco para o reino de Deus.
Este ciclo vem ocorrendo desde a queda do homem, que colocou o relacionamento da humanidade com Deus numa degradação constante, conforme relatado no primeiro capítulo da epístola aos Romanos. Devemos notar também que Deus tem feito sucessivas intervenções para corrigir este rumo, sempre utilizando a família. No dilúvio, preservou a humanidade através da família de Noé, viabilizou a promessa a Abraão ao dar-lhe uma família, deu uma família eterna a Davi ao eleger a sua casa da qual nasceria Jesus, o Rei eterno. O Salvador do mundo veio através de uma família. O surgimento da igreja se deu nas casas e por meio das famílias e, finalmente, a promessa da volta de Jesus é precedida pela restauração da família, pela conversão entre pais e filhos.
A Chave da Bênção de Abraão
É oportuno lembrar que a grande bênção, universal, prometida a Abraão foi de que “nele seriam benditas todas as famílias da terra”. Para que Abraão se habilitasse a essa benção, precisou demonstrar sua determinação em consagrar Isaque a Deus. Não podemos interpretar precipitadamente esta atitude de Abraão como de desprezo pelo filho, quando, na verdade, significa um reconhecimento de que antes de pertencer a ele, Isaque pertencia a Deus. Isto nos dá uma direção, ou seja, para sermos filhos de Abraão e participarmos desta bênção, devemos ser circuncisos de coração, tendo a atitude de fazer as obras de Abraão e considerando a vontade de Deus acima de qualquer valor, ainda que seja a vida de um filho.
Este sentimento de posse que se tem sobre os filhos é falso, uma vez que a vida não nos pertence, e nada se pode determinar sobre a própria vida, muito menos sobre a vida de outro. Não se trata de uma autêntica expressão de amor, mas sim de egoísmo e, para se libertar disso, é preciso reconhecer a verdade de que eles pertencem a Deus e passar a entregá-los a ele, sem usurpação, principalmente enquanto estão sob nossos cuidados, como fez Abraão com Isaque e Ana com Samuel. Este é um princípio fundamental que expressa a convicção de que a família é para a glória de Deus.
Henry Nouwen é muito feliz em dizer que “vida não é como uma propriedade a ser defendida, mas uma dádiva (de Deus) a ser compartilhada”, (Envelhecer – Ed. Paulinas). Nesse mesmo sentido, Nicola Giordano expõe que um filho não pertence a sua mãe, (ou a seu pai), mas sim ao mundo, assim como uma estrela não brilha para si só, mas para o universo todo (Família, Ícone da Trindade – Ed. Paulinas).
Família Como Representação da Trindade
Uma semente é uma planta em potencial. Quando enterrada, a sua morte dará vida à planta. Jesus usou desta figura para explicar sobre o reino de Deus, através da parábola do grão de mostarda. O reino de Deus é a realização da vontade de Deus. Como tal, Deus deu aos homens sementes de seu reino, que são princípios de sua vontade ou, ainda, a sua vontade em potencial. Entre estas sementes está o poder da procriação. Quando um casal se une com esta finalidade, estão, de certa forma, repetindo a decisão da Trindade e o ato criativo de Deus: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”, mostrando a finalidade da família humana como uma representação da Trindade.
Os pais precisam compreender que são retransmissores de algo que não lhes pertence, que é a vida. Ao procriar, o homem exercita o princípio da vontade de Deus e não pode parar ali. A responsabilidade paterna não tem seu ponto alto ao dar as condições materiais, educacionais ou sociais ao seu filho, mas sim ao oferecer-lhe as espirituais. Ao gerar fisicamente uma vida, deve ter como preocupação principal o nascimento espiritual do filho, dando expressão à vontade de Deus além da vontade do varão.
Os filhos, por sua vez, devem ver a inserção numa família, a qual não foi escolhida por eles, como um arbítrio de Deus, pois todos nós nascemos dessa vontade de Deus em potencial dada ao homem. Devemos aceitar isso como que reconhecendo a vontade de Deus no nascimento da planta e, a partir desta base, dar fluência à sua vontade. À medida que tomamos a iniciativa espontânea de praticá-la em todos os setores da vida, ela será como a mostarda que vai se sobrepondo às demais árvores.
Como filhos, devemos cumprir nosso papel de fazer a vontade de Deus, sem nos escudar nos erros que porventura nossos pais possam ter cometido. Mesmo que o pai não seja convertido, o filho não deve abandonar sua posição em Deus, para que seja atraente ao pai o suficiente para vencer as resistências à conversão.
Qual o Propósito da Família?
A expressão de Josué: “Eu e minha casa serviremos ao Senhor”, tem sido praticada, muitas vezes como “Eu e minha casa nos serviremos do Senhor”. Isso é percebido quando se cerca a família de muitos cuidados e prevenções a fim de promover moralidade, integridade, virtudes e um mínimo de sucesso social. Estes cuidados fazem soar o alarme toda vez que tais objetivos estão ameaçados, quer seja por más companhias ou mesmo por decisões mais arrojadas, ainda que sejam boas.
Se um filho deseja fazer Engenharia, verá sua decisão aplaudida e incentivada, mas se disser que quer estudar Teologia e seguir o ministério, ouvirá uma série de questionamentos para tentar dissuadi-lo da decisão vocacional, colocando-a em dúvida, tal qual o profeta velho procedeu para fazer errar o profeta novo, no episódio de 1 Reis 13. Nestas circunstâncias, os pais se esquecem que “os filhos são herança do Senhor” e que é para ele que devemos cuidar dos mesmos.
A constituição de boas famílias de acordo com os melhores padrões sociais é desejável, mas insuficiente para atender aos propósitos de Deus. Todos têm a expectativa natural de que a geração seguinte supere a anterior e, de fato, isto tem ocorrido em todas as áreas, na tentativa de melhorar as condições de vida na sociedade. No entanto, esta filosofia desenvolvimentista se opõe diretamente no que diz respeito à consagração a Deus, como se fosse possível ir dispensando Deus, à medida que se tem uma vida melhor. Este é o perigo quando se preocupa em primeiro lugar com a formação de bons cidadãos, deixando em segundo lugar a formação de pessoas que sirvam a Deus. É a receita certa para constituir uma sociedade cristã, mas sem Cristo.
Deus criou a humanidade a partir da família, sendo esta a única estrutura deixada por ele aos homens. Todas as demais estruturas são invenções humanas, através das quais se hierarquizou a sociedade e criou valores diferentes para os homens, tanto do ponto de vista macro, no caso dos governos dos estados, as castas sociais e os sistemas financeiros, como também do ponto de vista micro, no caso da organização de uma escola ou de uma pequena empresa. Em todas estas estruturas, está presente a organização do homem para servir ao homem e, pasmem, até mesmo na igreja atual prevalece a mesma filosofia, manifestada no esforço de proporcionar conforto material, de aliviar o pecado, de reduzir o evangelho a compromissos rotineiros, para pacificar a consciência, a fim de que as pessoas não se sintam culpadas.
Pelo fato do reino de Deus se estabelecer através da família, ela se torna o maior centro de tensão da disputa entre Deus e Satanás, que quer destruí-la, agindo de forma preventiva para impedir a sua restauração à glória de Deus. Ao vermos tantos divórcios e assassinatos entre familiares, não podemos nos enganar, achando que se trata apenas de um fenômeno social. Isto é a mais clara evidência da grande batalha que se recrudesce cada dia mais, aproximando-se do auge, quando se dará a vitória de Deus e de seu Cristo. Sem dúvida, vamos experimentar a conversão de pais aos filhos e dos filhos aos pais, e tão somente Cristo será o único ponto de convergência destas gerações.
Pedro Arruda reside em Barueri-SP e é um dos coordenadores de uma comunhão de grupos espalhados por várias cidades e estados do Brasil.