Por Luiz Montanini
Encontro de Ministérios Translocais em Guarapari dá ênfase à necessidade do pastoreamento de pastores
Há, hoje, na Igreja, uma imensa população de ovelhas sem pastores. Também há – e isto é tão ou mais grave na lista das carências atuais do Reino – um contingente de pastores necessitado de pastoreamento. Suprir essa demanda, encarando-a como prioritária, é requisito para a saúde individual e a do rebanho como um todo. Ter consciência de que há um só rebanho e um só Pastor, e de que a autoridade dos subpastores, portanto, é apenas delegada, como a de uma ovelha-guia, são o desafio e a urgência do corpo de Cristo.
Para discutir esse tema, tentar entender o que Deus pensa disso, admitir os fracassos e testemunhar os sucessos nessa área, cerca de 750 pastores e líderes dos quatro cantos do país participaram do II Encontro de Ministérios Translocais, com o tema Pastores sendo pastoreados, de 31 de outubro a 2 de novembro (2009), em Guarapari, ES. Incluindo alguns participantes do exterior, pessoas de cerca de 70 cidades de vários estados estiveram no Centro de Convenções do Sesc.
Jamê:
Condições para um líder ser pastoreado
A palavra inicial do encontro, dada por Jamê Nobre, de Jundiaí, SP, partiu da constatação de que há multidões de líderes sem nenhum cuidado na Igreja. “Um dos problemas é que, nós, pastores, esquecemos que somos discípulos. É o que chamo de complexo de Cristo, uma vez que, inconscientemente, pensamos: sem mim nada podeis fazer”. O sucesso dos ministérios tornou-se laço para os pastores – e dos sérios –, acredita Jamê. Esquecem-se de que são pó e fogem quando o assunto é o próprio pastoreamento. “Quem está na crista não quer ser pastoreado”, aponta o pregador.
Por essa ótica, é necessário que venham os fracassos. “Benditos os fracassos que nos levam a depender um do outro”, observa Jamê; afinal, só os fracassados querem ser pastoreados e tocados.
Em seus 40 anos de jornadas pelo Brasil e exterior, entre pouca e muita gente, Jamê tem identificado pelo menos duas condições para que as pessoas recebam pastoreamento adequado. A primeira é ser ovelha. Ele lembra que Davi mostrava-se ovelha quando dizia que o Senhor era seu pastor. Davi não apregoava que tinha tudo, mas sim que não sentia falta de nada. “No momento em que esquecemos que somos ovelhas, abrimos mão do pastoreamento.”
A segunda é não andar sozinho. “Quem anda sozinho anda em péssima companhia. Portanto, se você tem certeza, não faça. Antes, consulte. Porque o coração do homem é corrupto e enganoso. Você contrataria um homem corrupto? Então, não contrate a si mesmo.”
Jamê observa que um homem precisa amar o Senhor sobre tudo para pastorear o rebanho de Deus, uma vez que, é por causa dele, que pastoreia. “Quando a gente ama o Pai, ama o que ele ama.”
Ele citou vários tipos de pastores, dos quais alguns se destacam para o mal, outros para o bem: pastores degenerados, que perdem a essência de Deus, mas continuam pregando (“Esses esquecem que ministério não é realização pessoal, tampouco carreira de reconhecimento ou fonte de lucro”); pastores mercenários, que são contratados a soldo, pelo salário (“Curam, trabalham, mas o coração não está nas ovelhas e, ao menor sinal de aproximação do lobo, fogem, abandonando as ovelhas; ora, pastoreamento real diz respeito a toque pessoal, a conhecer as ovelhas pelo nome”). Há, ainda, os pastores abandonados, os pastores solitários e os pastores feridos, que produzem rebanhos dispersos. Por outro lado, felizmente, há os pastores pastoreados e cuidados; embora ainda estejam em número reduzido, haverão de multiplicar-se muito nestes últimos tempos.
(A íntegra da palavra de Jamê Nobre pode ser ouvida pelo site www.servindocomapalavra.com.br, seção vídeo e áudio).
Jan Gottfridsson:
“Não procuro um homem, mas um corpo”
O irmão Jan Gottfridsson, membro de uma equipe pastoral em Porto Alegre, RS, abordou o tema “Pastores segundo o coração de Deus”. Fez alguns alertas, dentre os quais o de que precisamos ficar atentos para que as ovelhas não dividam os pastores. “Às vezes, no cuidado das ovelhas, surgem os partidarismos, e ficamos tão dedicados às ovelhas que acabamos por ter problemas com nossos colegas.”
Durante o encontro em Guarapari, Jan trouxe a seguinte profecia, que revela o propósito eterno do coração de Deus de manifestar sua glória por meio da Igreja, o corpo de seu Filho e Cabeça Jesus:
Não procuro um homem, porque esse homem eu já encontrei, é Jesus. Não quero manifestar minha glória por um homem especial, pois o homem especial é meu Filho. Porém, eu procuro um corpo. Quero que seus olhos, iluminados, vejam como eu vejo, tanto as ovelhas de dentro quanto as de fora. Quero suas mãos saradas para serem instrumentos que transmitem minha glória, seus pés livres para andar por todo o Brasil e o mundo, revelando minha glória.
Vince do Rego, de Vitória, ES, fez duas perguntas que levaram à reflexão: “Estamos sendo verdadeiramente pastoreados? E nossas esposas, também estão? Primeiro, tudo deve ser ordenado dentro de mim para que, então, eu possa ordenar outras coisas”, afirmou.
Jorge Himitian:
Uma voz de fora do Brasil
Deus tem duas importantes linhas de ação hoje: devolver à Igreja a esperança de ser gloriosa e dar crescimento à comunhão entre os irmãos, quebrando, cada vez mais, o individualismo. Quem proclamou isso foi Jorge Himitian, da Argentina, uma das vozes em favor da restauração da Igreja mais reconhecidas no Brasil e no exterior.
Exaltando os benefícios da comunhão, declarou: “Que bom ter irmãos com quem confessar tentações – para não ter de confessar pecados depois!” “Como é bom ser discipulado para discipular; estar sob autoridade para ser autoridade; ser pastoreado para pastorear.”
Himitian destacou ainda as bênçãos do ministério plural: “Há um só que é singular: Jesus; fora dele, há pluralidade como no caso dos doze apóstolos. O número mínimo de pluralidade é dois como quando Barnabé e Saulo foram ajuntados pelo Espírito Santo para uma obra específica. A obra de Deus é sempre feita em pluralidade”.
Palavra cobertura está estereotipada
A palavra cobertura[1] (como de chocolate) está estereotipada, lembrou Jorge Himitian para desgosto de alguns presentes. “Não é um termo bíblico. A palavra bíblica ideal, magistral, para descrever a unidade orgânica e funcional da Igreja é corpo. A Igreja é o corpo, o Corpo de Cristo. A palavra corpo expressa unidade porque o corpo é um como Cristo é um. É um organismo vivo; caso contrário, seria um cadáver”.
“Estamos caminhando rumo ao corpo. Estamos em uma transição de igreja subnormal para normal. É, portanto, um período de transição. Ao contrário da igreja do primeiro século, que nasceu em unidade e experimentou ameaças de divisão, agora estamos saindo da divisão rumo à unidade.” Por esse motivo, em especial, Himitian entende que atualmente há ainda necessidade de cobertura entre ministérios. Mas é uma necessidade transitória, com data marcada por Deus para terminar, tendo o amor como solução para superar qualquer divisão. “Nosso grande chamado é cooperar com Deus na formação do corpo em cada cidade, estado, país, continente e no mundo todo.”
“Temos de ter visão do alvo para onde estamos avançando. Por isso, a proposta não é abandonar a cobertura, mas construir, progressivamente, vínculos de relacionamento e, assim, formar o Corpo de Cristo na localidade.”
Himitian lembra que o princípio bíblico, nesse caso, é a sujeição recíproca. “A Bíblia não traz a palavra cobertura, mas usa, isto sim e muitas vezes, a expressão uns aos outros: amar, sujeitar-se, corrigir – sempre uns aos outros. Submeter-se a quem está longe não é difícil. Difícil é sujeitar-se a quem está perto, sujeitar-se ao próximo. Isto sim é lavar os pés uns dos outros”.
Para ilustrar a dificuldade de algumas pessoas com a sujeição, Himitian contou sobre um casal na Finlândia que sempre o procurava para abrir o coração com ele via Skype. No outro lado da linha e do oceano, o casal trazia problemas e discussões on-line para que Himitian julgasse as causas e lhe aconselhasse. “De duas uma”, observou: “Ou o casal tinha uma tão alta impressão de Himitian que não admitia receber conselhos de mais ninguém no mundo, ou tinha um tão alto conceito de si próprio que julgava não haver ninguém em sua cidade ou país capaz de pastoreá-lo.”
O pregador argentino ainda abordou o aspecto do exagerado cuidado de irmãos quando o assunto é buscar pastoreamento, especialmente com pessoas que não fazem parte de sua lista de “cobertura”. “Isso é bobagem. Ele é seu irmão na cidade. Vá a ele. É o seu próximo. Era disso que Jesus estava falando quando mandou lavar os pés uns dos outros. Precisamos construir vínculos com esse sentimento de Jesus que é o de ser servidor de nossos irmãos.”
Levando em conta a necessidade atual e transitória da chamada “cobertura”, Himitian aconselhou: “Mantenha firme o vínculo com sua cobertura. E você, cobertura, mantenha firme sua responsabilidade de pastorear aqueles que estão sob seu cuidado. Mas saiba que isso é transitório. Não tente manter a dependência, facilite a transição, vá soltando gradativamente enquanto o corpo vai-se formando, rumo ao estado normal da Igreja, o de ser um só corpo em cada cidade”.
Diferença entre paternidade, paternalismo e patriarcado
No entender de Jorge Himitian, há, hoje, na Igreja, uma confusão entre a função e o significado das palavras paternidade, paternalismo e patriarcado, o que atrapalha o desenvolvimento natural da Igreja rumo à maturidade.
Paternidade é termo bíblico, ensinou. “Somos pais de nossos filhos espirituais, e os filhos realmente precisam de pais para sua formação. Mas quando chegam à maturidade, pretender perpetuar essa paternidade além do que preciso é paternalismo. É como um filho de 40 anos ser submetido pelo chefe do clã a viver como se tivesse 12. Com isso, em lugar de desenvolver-se, o rapaz fica atrofiado. Patriarcado é ainda pior, porque é a estruturação do paternalismo. Acontece quando o pai espiritual não abre mão de ter uma estrutura centralizada. Ainda que ela cresça, será uma pirâmide, sendo o próprio pai a sua ponta. Isso leva inevitavelmente ao surgimento ou consolidação de uma denominação.”
E os ministérios apostólicos?
Os ministérios apostólicos, por sua vez, são necessários, mas não para pastoreamento, ressalva Jorge Himitian. “Qualquer irmão pode pastorear o outro. Não há necessidade de um pastor para isso. E qualquer pastor pode pastorear outro pastor. Não há necessidade de apóstolo para isso. Então, a responsabilidade dos ministérios apostólicos é apenas a de ser canal de revelação, de velar sobre a visão, a doutrina e o conteúdo do que tem sido ensinado, desafiar a Igreja para expansão, auxiliar outros ministérios translocais, velar sobre a unidade e santidade da Igreja e ajudar a Igreja a cumprir sua missão na Terra.”
“Os ministérios apostólicos e proféticos têm a responsabilidade de estar bem conectados com Deus para transmitir a palavra profética para esta hora, para a Igreja, para a nação, para os governantes e para o mundo”, continua Jorge Himitian. “Comunicam visão, revelação, direção, graça e fé. Ministram o mundo espiritual à igreja e armam estratégias para a batalha espiritual; animam, fortalecem e empurram os irmãos para cumprir o chamamento da igreja.”
Tudo isso será um caminho gradativo, acredita o pregador argentino. “O futuro não é construir nosso reino pessoal. O futuro não é aquilo conhecido no Brasil como movimento de comunidades. O futuro é o Corpo de Cristo. Todo privilégio inclui responsabilidade, e somos responsáveis, diante de Deus, por passar essa revelação a outros irmãos e ser um fator de unidade entre eles.”
“O futuro”, resume, “é o cumprimento de João 17: Pai, que todos sejam um, para que o mundo creia. Seremos um!”
Sérgio Franco:
Preletor serve aos irmãos na madrugada e prega com unção dobrada
Uma das palavras de maior unção no encontro em Guarapari foi a de Sérgio Franco, do Rio de Janeiro. Ao falar sobre discipulado prático, todo o auditório foi tocado. Ainda que simples, sua palestra levou muitos às lágrimas.
Não foi difícil entender o motivo de tanta unção. É que ele tinha simplesmente servido aos seus irmãos dentro do próprio evento. Ainda que fosse um dos preletores (na realidade, foi apontado por seus pares para falar depois de iniciado o encontro, porque não havia “preletores” previamente escolhidos), Franco passou toda a madrugada anterior ao início do encontro transportando dezenas de pessoas que desciam dos ônibus no trevo ou na rodoviária de Guarapari – uma vez que o mau tempo no estado impediu decolagens e aterrissagens de aviões por cinco dias seguidos. Eu fui uma das muitas pessoas que foram servidas por Sérgio Franco, que só foi descansar quando não havia necessidade de buscar mais ninguém. E quando ele começou a falar, e a presença de Deus desceu naquele lugar, eu soube na hora, com clareza, qual era a fonte daquela vida.
Veja a seguir algumas das frases de Sérgio Franco que tocaram o coração de 750 pastores e líderes em Guarapari:
O melhor de Deus é que ele não é cego de amor. Ele vê e conhece todas as nossas debilidades, falhas e pecados e, ainda assim, nos ama.
Ninguém pastoreia sem seguir a verdade em amor. Ninguém apascenta encobrindo os erros dos outros. O amor não encobre multidão de pecados; ele cobre multidão de pecados. O amor é explícito, é verdadeiro, caminha junto. É difícil entender amor e verdade. Ele prima pela verdade, não folga com a injustiça.
Quando alguém não é corrigido no Corpo, eu digo que essa pessoa não é amada. Às vezes, dizemos: “Não corrigi porque a amo”. Mas a verdade é que você agiu por amor a si mesmo, ficou com medo da reação dela e, por isso, não a tocou.
A luz é fundamental para qualquer presbitério. Se não aprendermos a falar a verdade um para o outro, seremos falsos.
O Senhor diz que seu relacionamento com o irmão é mais importante do que seu culto. Sua reconciliação é mais importante do que o ministério, do que o serviço. Depois que você se reconcilia, aí então pode seguir ministrando.
Não temos problema com a mão de dentro do vaso do oleiro, que é a de Deus. Nossa dificuldade é com a mão de fora do vaso. Embora seja do mesmo oleiro, é mais difícil de aceitar porque é a mão de Deus que chega por terceiros.
Quando alguém está com o coração quebrado, humilhado de verdade, mas olhando para Jesus, com um desejo genuíno e profundo de parecer-se com ele, fica fácil para Deus trabalhar; ao perceber que está com alguma coisa fora do lugar, a pessoa se quebranta logo já que está determinada a ser semelhante a Jesus.
Traidora perdoada
Sérgio Franco contou uma história tocante, a de sua própria e jovem filha que se afastou de Deus por um tempo. Na época, toda a família foi afetada, incluindo o filho mais novo, que se sentia traído pela irmã. Certo dia, Sérgio entrou no quarto do rapaz e conversou com ele, lembrando-lhe que Jesus também fora traído, mas oferecera a face para apanhar ainda mais. Foi cuspido e rejeitado, mas se entregou; foi como que esfaqueado pelas costas, mas amou e amou até o fim; foi morto por nós sem merecer e, ainda assim, perdoou-nos.
“Portanto”, disse ao filho, “você pode amar, sofrer e perdoar, porque o Espírito de Jesus está em você.”
Naquele instante, o quarto encheu-se da presença de Deus, e o jovem foi completamente curado do rancor. Alguns meses depois, a irmã arrependeu-se e voltou para Deus. Foi justamente no dia do retorno dela, quando confessou seu pecado e pediu perdão à igreja, que um rapaz da comunidade passou a olhá-la com olhos de afeto e viu nela sua futura esposa. Hoje, estão casados e restaurados. São os mistérios de Deus.
Ao contar esse testemunho, a presença de Deus também encheu o auditório, e a maioria, tocada pelo amor do Pai, foi às lágrimas.
Christian Romo:
Passar o bastão e ficar para trás
O encerramento do Encontro de Ministérios Translocais em Guarapari teve um toque profético e tocante quando o chileno Christian Romo chamou à frente pastores homens e depois mulheres acima de 55 anos e pediu que orassem pelos de 40 a 54 anos e estes pelos menores de 40 anos, demonstrando a necessidade de preparar-se e investir em novas gerações.
“A igreja tem procurado buscar os melhores métodos, mas Deus tem buscado os melhores homens”, disse Christian Romo. “Em quem a gente investe? Em vidas ou em métodos e programas?”
“Precisamos deixar os temores e lançar as flechas antes que seja tarde”, alertou. “A próxima geração será poderosa em Deus, e isso depende de nós. Estamos prontos para passar o bastão e ficar um pouco pra trás?”
Christian fez a seguinte comparação para enfatizar a urgência da sucessão espiritual: “Nas empresas, tudo está planejado e estruturado, e as pessoas são dispensáveis. Se uma faltar, a outra dá continuidade, e o trabalho continua padronizado, sem mudanças. Mas com Deus não é assim. Ele tem um objetivo e enfatiza pessoas de forma que cada uma é peculiar. Não há ninguém parecido ou padronizado. Se essa pessoa desiste, ele mantém seu propósito, chegará ao mesmo objetivo final, mas de forma diferente do que se fosse com aquela primeira pessoa. O que acontecerá é que a contribuição dessa pessoa que desistiu não aparecerá. A nós, compete então investir nesses talentos para que cumpram seus propósitos diante de Deus”.
[1]Cobertura: termo usado em alguns círculos eclesiásticos para definir a relação de pastor e a autoridade espiritual que um ministro tem sobre outro no Corpo de Cristo mesmo estando, geralmente, em locais geográficos distintos um do outro.