Por: Eliasaf de Assis
Ao constatar como, desde eras primitivas, os governantes financiaram caros projetos para mapear e fazer estatísticas a respeito de várias regiões mundo afora, o geógrafo francês Yves Lacoste publicou um livro intitulado: “Geografia, isto serve para fazer a guerra”. Não se assuste, portanto, o leitor da Impacto, ao ler um texto recheado de estatísticas e dados demográficos. Lembre-se: isto serve para fazer a guerra!
Quantificar as próprias forças e as forças do inimigo fazem parte do ensinamento de nosso mestre (Lc 14.31-33). Antes dele, movido pela Eterna Sabedoria, o sábio de Provérbios nos admoestava a “informar-se sobre o estado de nossas ovelhas” (Pv 27.23).
E a qualquer servo de Deus, que tenha o coração sensível à multidão que perece, não deve passar despercebido o que é estudado com tanto escrutínio e estupefação por demógrafos e estudiosos em todo o Brasil: nunca houve e nunca mais haverá tamanho contingente de jovens em nosso país: hoje, 49,8 milhões de jovens (de 10 a 24 anos de idade) espalham-se por todo o território nacional. O ápice dessa onda jovem, segundo a socióloga Felícia Reicher Madeira, ocorrerá em 2005, quando o Brasil abrigará a maior proporção jovem da história demográfica brasileira. E declinará até 2020, chegando à cifra ainda assustadora de 43,3 milhões de jovens (em projeção). Setenta e cinco por cento destes jovens vivem em áreas urbanas; mesmo assim é grande o contingente de jovens que vive nas regiões rurais: 11 milhões. Metade dos jovens brasileiros são negros, e 11,3% dos jovens de 15 a 24 anos são analfabetos.
Embora os demógrafos apelidem este fenômeno de “onda jovem”, o tratamento que dão à questão, ainda que esmerado do ponto de vista acadêmico, é insuficiente para sanar e prever todas as demandas. Tratam-no como uma marola (onda pequena), quando na verdade é um tsunami (devastadora onda gigante), pronto a arrebentar-se em nossas cidades e vilas. Os jovens adentram a vida adulta, obcecados pela idéia de procurar sua vaga no sistema educacional e no mercado de trabalho. Têm como modelo um estilo de vida praticado em escala planetária, cujo objetivo é alcançar a rentabilidade máxima.
Este modus vivendi exige muito preparo e, diante da angústia e incertezas atuais, tornam o jovem brasileiro extremamente pessimista: sete entre cada dez jovens não têm esperança de terem condições de vida ou trabalho melhores que seus pais. Isto coloca o Brasil jovem em segundo lugar no ranking do pessimismo, perdendo apenas para a Colômbia. Este estado geral das almas jovens ampliou até mesmo a fase da adolescência (período crítico em que importantes ajustamentos de ordem pessoal e social ocorrem), que agora foi esticada para abranger desde os 12 até os 24 anos. Considerando-se que nesta fase o ser humano está amadurecendo, podemos dizer que se ingressa cada vez mais cedo na puberdade e mais tarde na vida adulta.
Colaborando ainda mais para piorar este quadro, 62% das mortes de adolescentes são por causas violentas (77,4% em São Paulo). No Rio de Janeiro, por exemplo, foi morto um jovem por dia na faixa etária de 10 a 19 anos, durante toda a década de 90. Isso nos leva a imaginar se Deus não sente a mesma repugnância pela violência e criminalidade que tinha pelos sacrifícios infantis feitos a Moloque.
Os estudiosos requerem (acertadamente) a geração de oportunidades sociais (educação, saúde, trabalho, etc.), por parte do governo, mas suprimem arrogantemente as questões espirituais. Convencionou-se o pensamento de que educação e empregos rentáveis resolvem o problema moral do ser humano. Mas como analisa um acadêmico: O jovem busca espaço, mas também um sentido para a vida.
Além disso, mesmo formais versos cívicos, como os de nosso Hino à Bandeira, deixam claro que o ser humano busca uma causa maior que viver para si mesmo, para a ela devotar o seu afeto.
Acredito que toda esta má expectativa tem como objetivo apagar nos jovens a sua índole renovadora e domesticá-los dentro do sistema. É como se houvesse uma cantiga subliminar e hipnotizadora por trás de cada notícia e propaganda, um mantra entorpecente a repetir: “estude (algo que dê dinheiro), trabalhe (para ficar rico), ajuste-se ao sistema, ocupe-se e preocupe-se com sua ‘vidinha’, o que já é muito para você”.
A intenção é absorver o afeto do jovem, transformando-o de revolucionário em mero consumidor. As forças do mal sabem que as mudanças da história e da igreja vieram justamente de jovens inconformados com sua época, que dedicaram todo o seu afeto a fazer a diferença e, assim, mudaram drasticamente o mundo. Grandes terrores e falsas esperanças são táticas para deixá-los paralisados para a obra divina.
A Única Forma do Jovem Pegar a Onda
Nunca pratiquei surf, mas sei que existem apenas dois lados nesse esporte: ou você vai por cima, surfando a onda como um meteoro, ou vai por baixo se ralando.
A única maneira de sair-se bem neste tsunami que invade a sociedade brasileira é “surfando por cima”! Busque as coisas do alto!
“Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra” (Cl 3.1,2).
Isto disse Paulo, o construtor de tendas que viajou pela Europa e Ásia, pregando o evangelho. E ele apenas fez eco a outro trabalhador, o humilde carpinteiro de Nazaré, cuja voz amorosa deve elevar o nosso afeto:
“Buscai antes o reino de Deus, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Não temais, ó pequeno rebanho, porque a vosso Pai agradou dar-vos o reino” (Lc 12.31,32).
Munido destas promessas, deixe o problema intelectual do desemprego para os sociólogos e fortaleça seu coração para buscar a Deus. Sua vida não é regida por estatísticas, mas por um Deus pessoal e amoroso, que conspira a seu favor.
Seja tomado por uma profunda convicção interior, talvez não muito científica, mas altamente motivadora: Deus o trouxe a esse mundo com um propósito e depositou em você talentos suficientes para sustentá-lo, para contribuir com outros e para frutificar em toda a boa obra.
“E Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça, a fim de que tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda a boa obra; Conforme está escrito: Espalhou, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre” (2 Co 9.8,9).
Para caminhar com Jesus nessa aventura é preciso ouvir a sua voz, sujeitando-se ao conselho de pessoas experientes que Deus colocará em seu caminho.
“Então a virgem se alegrará na dança, como também os jovens e os velhos juntamente; e tornarei o seu pranto em alegria, e os consolarei, e lhes darei alegria em lugar de tristeza” (Jr 31.13).
É isso que nos leva ao ponto seguinte.
Solidariedade Intergeracional
Uma das características mais irritantes da juventude atual é o seu desprezo e irreverência pelas pessoas da terceira idade. A maneira como um jovem relaciona-se com os idosos revela muito sobre ele. A onda jovem se caracteriza tanto pelo grande volume de jovens, como também pelo envelhecimento da população brasileira, tornando cada vez mais freqüente o convívio entre jovens e idosos.
Há muita riqueza, espiritual e moral, quando estas diferentes gerações vivem em harmonia e não em conflito. E deveria ser visto com pesar a atitude das comunidades que “compartimentalizam” o rebanho de Deus em vários cultos, um para cada faixa etária. Devemos prezar para que nossas reuniões, em casas ou no templo, sejam agradáveis a todas as idades, pois o evangelho precisa incluir a serenidade dos idosos, o afeto e ousadia dos jovens e, ainda, a simplicidade das crianças.
A igreja é o lugar onde clamamos “Aba, Pai”, onde somos recepcionados pelo Espírito Santo, que é também o Espírito de adoção.
“Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai” (Rm 8.15).
Como é revigorante experimentar a calorosa acolhida do Pai! É uma consolação em tempos de luta, e mais ainda, uma consolação que podemos repartir com outros. Quantos jovens que sofrem a ausência de seus pais podem obter consolação na comunhão cristã, em que as diferentes gerações tratam-se com solidariedade.
Todo Afeto Dedicado ao Amado
Este é um dado comprovado pela observação e experiência: o jovem é tomado por uma paixão e um afeto extraordinários. Quando mal canalizada, esta irrestrita devoção fica a serviço das forças do mal, como no movimento hippy, no neonazismo etc…
Mas quando o alvo desse afeto é o nosso amado Jesus, a vida juvenil ganha contornos deslumbrantes, capazes de inspirar todos à sua volta; ou no dizer de determinada escritora: “o afeto que nos envolve, propaga-se em redor”. Jovens apaixonados por Cristo contagiarão a outros em uma bendita epidemia para a qual Satanás não tem vacina.
Nenhum objeto, pessoa ou idéia deste mundo, por mais admirável e belo que seja, pode merecer a veneração que é devida ao Cordeiro de Deus.
Nosso amor aos pais, à pessoa amada, à nação e aos amigos pode ser intenso e vibrante, e a Bíblia até mesmo recrimina os que não têm afeto natural, nem amor para com estas pessoas. Ainda assim, os relacionamentos de amor desta Terra são apenas uma sombra, um exercício, uma miniatura do amor que deve ser dedicado ao Amado, que nos ama desde antes da fundação do mundo. Cada casamento que assistimos deveria nos servir como uma profecia, e o rosto dos noivos apaixonados como um lembrete, a respeito do Amor primordial. Pois o romance verdadeiro, aquele que empresta significado a palavras como amor, paixão e afeto, é o amor entre Deus e seu povo, aquele que abrange a eternidade, o tempo e o espaço, e existe antes mesmo da história. Deus nos fez amorosamente para si mesmo e só seremos realmente felizes quando a ele dedicarmos todo o nosso afeto.
Gostaria de terminar, citando algumas frases do Hino “O amor oculto de Deus”, de Gerhard Tersteegen:
Oh, grande amor oculto de Deus,
Profundo e insondável amor;
De longe avisto tua luz,
Só quero o teu descanso provar.
Bem gostaria, mas meu querer
Parece preso às minhas paixões;
Há tropeços no caminho;
Te vejo, mas sigo ilusões.
Quando minha alma deixará de andar errante e só a ti seguirá?
Existe algo sob o sol
Que quer o meu coração ganhar.
Afaste-se de mim! Seja o que for.
Tu tão somente reinarás.
Oh, oculta meu “eu”, para que assim
Só Cristo possa em mim viver,
Vis afeições mortificar,
Pecado algum domine aqui,
O tudo em nada possa reverter,
Deseje eu nada além de ti.
Vem para longe da terra atrair
Meu coração, que a esperar
O teu chamado sempre está.
Fala à minha alma: “Sou teu Deus, teu tudo”.
Eis o maior desejo meu,
O teu amor provar.
Bibliografia:
-FIBGE, diretoria de pesquisas, departamento de população e indicadores sociais.
-Cristo nos Cânticos; Obra Cristã – À Maturidade, pg. 8.
Eliasaf de Assis é sociólogo, conferencista e diretor da Escola Cristã de Ensino Fundamental da Vila Prudente em São Paulo – SP.