Por: José Jamê Nobre
Paulo diz que o amor ao dinheiro é raiz de todos os males (1Tm 6.10). Diz que aqueles que quiseram se enriquecer caíram em laços e ciladas. A vontade de Deus é que tenhamos o necessário para viver, e que estejamos tranqüilos e confiantes nele para o nosso sustento (Mt 6.33).
A igreja, durante a sua história, tem se envolvido com as riquezas deste mundo de tal forma que tem impedido o verdadeiro estabelecimento do Reino de Deus. O que geralmente tem ocorrido é que em alguns grupos a grande quantidade de riquezas ocupa o tempo e o coração de seus líderes, ao mesmo tempo que em outros a falta de dinheiro gera intranqüilidade a ponto de levar seus obreiros a se envolverem no serviço secular. Tanto num caso como noutro, os líderes acabam não dando tempo suficiente a Deus, e nem a devida assistência à igreja, que se torna debilitada e doente espiritualmente, e conseqüentemente também não contribui bem financeiramente. Desta forma, um círculo vicioso se instala: o obreiro intranqüilo não oferece boa assistência; um povo mal assistido não contribui!
Obviamente não temos pretensão de esgotar o assunto, que é extenso, mas queremos abordar algumas questões fundamentais, sem medo de tocar naquilo que está abaixo da superfície.
Uma Igreja Comprometida Com o Poder Financeiro
A Igreja Católica, na Idade Média, chegou a concorrer com as maiores fortunas da época. Possuía riquezas de tal magnitude que dominava vidas de reis e imperadores. Essas riquezas eram adquiridas de diversas formas: vendas de indulgências; conquistas feitas durante as Cruzadas; posse das terras de pessoas amaldiçoadas por ela… (isso era mais comum do que se pensa).
As grandes catedrais construídas a partir do século XI vieram de uma crença que situava a presença de Deus nos edifícios: Deus estava nos grandes templos, e quem ajudasse a construir acumulava certos créditos diante dele, pois estavam construindo “a casa de Deus”. Os sacerdotes se colocaram como representantes de Deus na terra, e isso ao ponto de ter poder de vida e morte sobre as pessoas. A separação entre clero e leigo foi acentuada de forma muito profunda.
Nesta época alguns homens foram levantados pelo Senhor para desfazer essa visão errônea, mostrando que não havia separação entre classes: a igreja toda era sacerdotal.
Homens como os valdenses, João Wycliff, os “Irmãos”, Bernardo de Claraval, Domingos, e Francisco de Assis, vieram mostrar uma vida mais simples, de cuidado uns com os outros, e até chegaram a cair em extremos para contrastar com a posição da Igreja Oficial.
R. H. Nichols diz: “Em virtude desses dois fatores, excesso de autoridade e riquezas, o egoísmo dominou a vida da maioria do clero. Extremaram-se os clérigos no zelo e guarda de seus privilégios legais e sociais. Fizeram do dinheiro seu grande objetivo. Muitos deles se tornaram “pluralistas”, isto é, exerciam dois ou mais ofícios eclesiásticos e aumentavam as suas rendas muitas vezes, alugando substitutos aos quais pagavam mal, para fazerem o trabalho que eles próprios não conseguiam fazer. Por meio da simonia (venda de coisas espirituais), que crescera muito apesar da luta de alguns reformadores desse tempo, eram obtidos lugares importantes e rendosos. Sinecuras (posições rendosas sem trabalho) eram objeto de especulação entre eles. A avareza era muito pior no alto clero. A cobiça, a extorsão, a violência dos bispos eram escândalo notório.” (História da Igreja Cristã – Casa Publicadora Presbiteriana – p. 128)
Quando os reformadores se levantaram, algumas aberrações foram combatidas, como a venda de indulgências (Lutero), as grandes riquezas (Pedro Valdo), poderio (Francisco de Assis), envolvimento com o mundo (Bernardo de Claraval), distanciamento do povo nos cultos (João Wycliff). Eles pregavam uma vida mais simples, com salvação pela fé em Jesus, e colocavam a Bíblia nas mãos do povo, mas precisamos entender que aquela reforma somente abriu o caminho para uma restauração maior que o Senhor já vinha operando na vida do homem desde a vinda de Jesus e a descida do Espírito Santo.
A Semente Perversa Continua
Nos nossos dias essa restauração deve se aprofundar, pois a herança que recebemos de nossos pais desceu muito fundo em nossos hábitos religiosos e em nossa formação. Muitos protestantes e evangélicos condenam os excessos e desvios da Igreja Católica, enquanto continuam cegos às práticas e motivações que continuam a mover seus próprios ministérios e movimentos.
A área de finanças da igreja foi tocada somente em sua superfície, assim como outras áreas tais como: a forma de culto, a adoração individual, o cuidado das ovelhas, e o discipulado. O Senhor quer nos levar para seus padrões, para uma restauração de todas as coisas anunciadas pela boca de seus santos profetas (At 3.19-21).
O que aconteceu com a humanidade é que ela foi mergulhada num materialismo insano que domina toda sua forma de vida, suas ações, e seus ideais, e isso não deixou os cristãos ilesos.
A igreja assumiu uma mentalidade materialista de tal forma que sua maneira de agir não tem muita diferença dos padrões e alvos do mundo sem Deus. Seus cultos, seus ideais, sua forma de administração dos recursos – tudo está marcado pelo materialismo.
O Que é Realmente Sólido e Permanente?
O que é materialismo?
É uma forma de pensar, segundo a qual as coisas espirituais são abstratas, difusas e sem base, e as naturais são concretas e dignas de confiança. Porém, a Bíblia ensina diferente.
“Não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” (2Co 4:18).
A maior parte da vida humana é dedicada à busca das coisas temporais como se fossem eternas. Entretanto, todas as coisas da terra estão se desgastando minuto a minuto e somente não o percebemos porque estamos na mesma dimensão e na mesma velocidade dessas coisas. Se pudéssemos aumentar a velocidade, como se faz com os filmes, poderíamos ver as coisas que valorizamos apodrecerem e se tornarem em pó. Essas coisas são, por causa disso, abstratas no contexto espiritual e eterno, e não podemos nos basear nelas por serem de tão pouca duração.
A eternidade e as coisas relacionadas a ela são concretas por sua duração e confiabilidade.
O materialismo invadiu a vida da igreja e até sua doutrina e expectativa escatológica, pois a visão da eternidade futura está carregada de cobiça material. Os crentes são encorajados a esperarem as mesmas coisas que buscam aqui, como amplas moradias (mansões), ruas bem pavimentadas (de ouro), e constante lazer e descanso.
Nossos pais nos passaram a visão de que sua grande expectativa era a glória da presença de Deus. Ansiavam por estar com o Senhor. As figuras que a Bíblia mostra apontam para realidades espirituais, alegorias, pois como se explica sete espíritos de Deus, mar de vidro, quatro seres viventes com olhos por diante e por detrás, com semelhança de leão, novilho, homem, e águia, e outras semelhantes?
Não pretendo interpretar essas coisas. Pretendo somente trazer à lembrança verdades valorizadas pelos que viveram antes de nós e que foram estabelecidos como referência para a igreja de hoje.
Cristãos como aqueles enumerados em Hebreus 11. Homens e mulheres que descobriram riquezas espirituais em Deus, e que por causa dessa descoberta desprezaram as coisas desse mundo, morando em cavernas, sendo perseguidos, vestindo-se de peles de animais, vendo o invisível, vivendo muito acima da maior dignidade desse mundo.
O Que Estamos Buscando?
Hoje muitos buscam na igreja a solução de problemas terrenos, e lutam pelo pão que perece, sem experimentar o contentamento por ter o que comer, o que beber e o que vestir.
Os alvos são ligados ao TER e não ao SER, como se o ter constituísse a vida do homem.
Estamos envolvidos por uma teia de propaganda de insegurança no futuro, e por isso nos mergulhamos numa busca inglória por bens materiais como se estes fossem confiáveis e nos trouxessem segurança.
A proposta do Senhor para nós é que, pelo fato de não sabermos o que nos espera, devemos lançar nosso pão sobre as águas e então, depois de muitos dias o recolheremos (Ec 11:1). Isso mostra que a forma de Deus agir é completamente diferente do pensamento do homem. Quando um pão cai nas águas derrete e é impossível recolhê-lo após algum tempo, muito menos depois de muitos dias. Deus apela para a nossa fé nele, no seu suprimento, nos seus milagres. Ele diz também que devemos “repartir com sete e ainda com oito, porque não sabes que mal sobrevirá à terra”. Que diferente da mentalidade humana!
O povo cristão está sendo enganado, em grande parte, por um evangelho que anuncia BOAS COISAS e não BOAS NOVAS. Anuncia a busca da satisfação do coração, sem levar a experimentar o poder transformador da cruz de Cristo.
O Modelo de Jesus ou o Modelo das Empresas?
Os modelos de igreja hoje, em grande parte, são diferentes da igreja do livro dos Atos. O povo era ensinado a dar generosamente, servindo aos necessitados. Hoje o ensino é que ser rico é sinal da bênção de Deus e ser pobre é sinal de maldição.
De acordo com os padrões atuais o próprio Jesus teria dificuldade em ser pastor de algumas igrejas. O atual padrão de sucesso no ministério é estabelecido por três fatores: número de crentes, construção de prédios e saldo bancário. Quando um pastor tem um grupo pequeno e faz esse grupo crescer, ele é considerado relativamente bem sucedido. Se construir novos prédios é um realizador. Se faz o saldo bancário subir, é bom administrador.
Creio que essas medidas são boas para empresas, pois apontam para uma realização natural e comercial. Se a empresa aumenta seu número de empregados, seus lucros e seu patrimônio, então podemos dizer que é uma empresa bem sucedida.
No entanto, não vejo como aplicar essas medidas para a igreja, pois o nosso modelo é o Senhor Jesus no seu ministério aqui na terra, e em nenhum momento o vemos preocupado com essas coisas.
Quantos seguidores o Senhor Jesus tinha? Não podemos contar na hora da distribuição dos pães. Somente devemos contar os discípulos, pois é nas horas de agonia que se revela o irmão e não nas horas de festa. Na cruz estava somente um discípulo!
Como eram as finanças de Jesus? Ele nasceu em um lugar que não era seu. Tinha uma profissão bem simples e usou um jumento emprestado na sua entrada em Jerusalém. Vestia-se com roupas doadas e fez um milagre para pagar o imposto. Para concluir, o tesoureiro era ladrão!
Quantos templos Jesus edificou? Quando foi levado por seus seguidores para que pudesse admirar as construções do Templo, falou em derrubar!
Se ele se apresentasse em algumas denominações com o intuito de se tornar pastor, certamente seria rejeitado. Definitivamente, seu padrão não condiz com alguns modelos de igreja que temos hoje.-
Precisamos acordar!
Precisamos transformar-nos pela renovação do nosso entendimento, sob pena de ter as nossas obras rejeitadas pelo Senhor por completa incompatibilidade entre a sua planta, e o que nós estamos fazendo.
O Senhor somente vai encher de glória o que for construído segundo a planta dele. A sua presença somente vai ocupar aquilo que estiver de acordo com o modelo que ele apresentou, e não segundo os projetos que se parecem conosco.
José Jamê Nobre é conferencista, escritor e pastor de uma comunidade em Jundiaí-SP.