Por: Charles W. Colson
Charles W. Colson serviu como assistente especial do ex-presidente Richard M. Nixon, entre 1969 e 1973. Em 1974, no julgamento do escândalo político conhecido como Watergate, ele se declarou culpado a várias acusações, e ficou sete meses na prisão. Antes mesmo do seu julgamento, passou por uma profunda experiência de conversão, relatada por ele no seu livro Born Again (Nascido de Novo). Após esta experiência, dedicou sua vida para ministrar a prisioneiros, familiares, e também para vítimas de crimes. É fundador e diretor de Prison Fellowship, que além dos objetivos acima, também luta para melhorar as condições de vida nas prisões, e para reformar o sistema penitenciário. Como alguém que participou do lado de dentro do sistema de poder e influência, e que hoje possui um testemunho cristão reconhecido nestes círculos em vários países, Colson fala com muita autoridade sobre o comportamento do cristão nesta área.
A compulsão de nossa cultura pelo poder tem cativado até mesmo muitos crentes bem intencionados – especialmente quando se trata da arena política.
John Naisbitt observou no livro Megatrends (Mega Tendências) que movimentos significantes começam de baixo para cima, não de cima para baixo. Transformações culturais realmente importantes começam não a partir de pessoas em cargos de destaque nem de celebridades, mas através de pessoas comuns. Cada pessoa pode – e deve – buscar fazer diferença em seu canto do mundo, ajudando pessoalmente as pessoas em necessidade.
Apesar disso, algumas pessoas de fato são chamadas para trabalhar através de estruturas governamentais e meios políticos, para trazer a influência de Cristo à cultura. Essas, entretanto, precisam ser advertidas: o dia-a-dia dos negócios da política é o poder, e poder pode ser perigoso para qualquer um.
Perigos do Poder
Aprendi sobre os perigos do poder de primeira mão. Pouco tempo depois que me tornei assessor presidencial na Casa Branca, minha maneira brusca de “faça isso a qualquer custo”, ganhou o favor de Richard Nixon, e comecei a trabalhar diretamente com ele. Com esse tipo de influência tive pouca dificuldade em remanejar agentes do serviço secreto e secretárias a fim de ocupar o escritório imediatamente ao lado do escritório do presidente.
Ainda que a evidência da minha mudança de status fosse visível na atitude dos meus visitantes quando tomavam conhecimento de que o presidente estava ali, do outro lado da parede, a mudança era símbolo de algo ainda mais importante. Eu sabia que havia ultrapassado uma linha divisória invisível. Estava agora “por dentro”. Em Washington isso significa poder.
Entrei no governo pensando que o cargo publico era uma responsabilidade, um dever. Aos poucos, imperceptivelmente, comecei a ver tudo isso como uma cruzada santa; o futuro da república, como eu racionalizava, dependia da continuidade do presidente em seu posto. Mas, quer eu reconhecesse isso ou não, era igualmente importante o fato de que meu próprio poder dependia disso.
Mesmo que o poder comece como meio de alcançar um fim, logo se torna um fim em si mesmo. Como testemunha e participante do caso de Watergate, posso corroborar a sabedoria do adágio de Lord Acton: o poder corrompe; o poder absoluto corrompe absolutamente.
É crucial observar, porém, que o poder corrompe, o que não significa que o poder seja corrupto. É como a eletricidade. Quando manejada corretamente, provê energia e luz; quando mal manejada, destrói. Deus deu poder ao Estado para ser usado na repressão do mal e manutenção da ordem. A questão é se o poder é usado para a ordenada função do Estado, ou para ganhos pessoais.
O problema do poder não se limita aos cargos públicos, é claro. Afeta a todos os relacionamentos humanos, dos pais dominadores ao chefe intimidante, do cônjuge manipulador ao pastor que brinca de Deus. Isso também é utilizado com eficiência pela pessoa aparentemente fraca que manipula outros para obter seus fins. A tentação de abusar do poder confronta a todos, incluindo pessoas em posição de autoridade espiritual.
A bem divulgada corrupção de alguns televangelistas alguns anos atrás pode facilmente ser vista como inabilidade de lidar com o poder. É um empreendimento ousado liderar ministérios de âmbito mundial, shows milionários de televisão ou ricas igrejas que parecem anfiteatros. Líderes que alcançam proeminência no mundo religioso são colocados em precários pedestais de celebridade cristã. Quando essa celebridade é magnificada muitas vezes pelo tubo eletrônico, o perigo de cair aumenta dramaticamente.
É ridículo para qualquer cristão crer que ele próprio seja um objeto merecedor de culto público; seria como se o burro, carregando Jesus para Jerusalém, acreditasse que fosse a ele que a multidão aclamasse, e que para ele estendesse as vestes no chão. Mas as vantagens e a adulação do público, que acompanham a exposição da televisão, são suficientes para inflar o ego da maioria das pessoas. Isso leva ao uso auto-indulgente do poder, chamado por alguns de “síndrome de Imelda Marcos”, que dizia: “Porque estou nessa posição, tenho o direito de fazer como quiser”, com total egoísmo e desrespeito pelos outros. Poder é como água salgada; quanto mais você bebe, com mais sede fica.
Poder Versus Liderança de Servo
A sedução do poder pode separar o mais resoluto dos cristãos da verdadeira natureza da liderança cristã, que é servir a outros. É difícil permanecer em pé num pedestal e lavar os pés dos que estão embaixo. Foi essa mesma tentação do poder que levou ao primeiro pecado. Eva foi tentada a comer da árvore do conhecimento do bem e do mal pela “possibilidade” de ser como Deus e adquirir o poder que lhe era reservado.
“O pecado do jardim foi o pecado do poder”, diz o escritor quaker Richard Foster. Poder tem sido um dos instrumentos mais eficazes de Satanás desde o princípio, talvez por causa do desejo incontido que ele próprio nutre pelo poder. Milton escreveu a respeito de Lúcifer em Paradise Lost (Paraíso Perdido): “Reinar é uma ambição válida ainda que no inferno. Melhor reinar no inferno do que servir no céu”.
No processo de anunciar o reino e oferecer redenção da queda, Jesus inverteu totalmente as visões convencionais de poder. Quando os discípulos discutiram entre si sobre quem era o maior, Jesus reprovou-os, dizendo: “… o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve” (Lc 22.26). Imagine o impacto que sua declaração causaria nas salas laterais da política ou nos escritórios atapetados dos grandes negócios – ou, tristemente, em alguns dos impérios religiosos.
Jesus foi tão bom quanto suas palavras. Lavou os pés empoeirados dos discípulos, uma tarefa reservada para os servos mais humildes na Palestina do primeiro século. Um rei servindo as necessidades mais mundanas dos seus súditos? Incompreensível. Mas é isso; liderança de servo é o âmago dos ensinos de Cristo. “… quem quiser ser o primeiro entre vós, será servo de todos” (Mc 10.44).
O entendimento cristão é que o poder é encontrado mais freqüentemente na fraqueza. Esse paradoxo tem sido um espinho na carne dos tiranos. O ensino cristão de que o homem é vulnerável às tentações do poder tem levado democracias e nações livres a erguerem restrições e a estabelecerem um princípio de equilíbrio de poder em suas estruturas.
A mais importante restrição ao poder, porém, é o saudável entendimento de sua fonte. Quando o poder, no sentido convencional, é desprezado, descobre-se um poder mais profundo. Em suas memórias do “gulag” (sistema de prisão soviético), Solzhenitsyn escreveu que, enquanto tentava manter algum grau de poder sobre sua situação – controle de comida, roupa, horário – ele estava constantemente sob o calcanhar dos seus captores. Após a sua conversão, porém, quando aceitou e rendeu-se à sua mais completa impotência, então tornou-se livre do poder dos seus captores.
O apóstolo Paulo escreveu: “O poder se aperfeiçoa na fraqueza…”, e concluiu: “Porque quando sou fraco, então é que sou forte” (2 Co 12.9,10). A cultura que exalta o poder e a celebridade, que adora o sucesso, despreza essas palavras como se fossem sem sentido. Indivíduos fortes confiam em seus próprios recursos – que, em última instância, jamais serão suficientes –, mas a pessoa chamada fraca, conhece seus próprios limites e necessidades e, assim, depende totalmente de Deus. Talvez seja por isto que Deus tão freqüentemente confunda a sabedoria do mundo, realizando seus propósitos através dos não poderosos, e fazendo seus mais poderosos trabalhos através da fraqueza humana.
Aprendi isso, primeiro, na prisão. Quando a frustração da minha incapacidade parecia maior, descobri que a graça de Deus era mais do que suficiente. Depois da minha prisão, pude olhar atrás e ver como Deus usou minha incapacidade para seus propósitos. O que ele tem usado desde então, como meu testemunho de vida e base de ministério, não foram meus triunfos ou vitórias, mas minha derrota.
Igualmente, o trabalho de Prison Fellowship nas cadeias tem sido produtivo, não por causa de nenhum poder que tenhamos como organização, mas por causa da falta de poder daqueles que servem. Durante uma viagem inesquecível ao Peru, em 1984, por exemplo, visitei Lurigancho, uma das maiores prisões do mundo. Ali, sete mil prisioneiros, incluindo numerosos terroristas, estavam amontoados em situação terrível: ódio, hostilidade e desespero transpiravam das celas. Mesmo assim, dentro da escuridão de Lurigancho, há uma próspera comunidade cristã – homens que encontraram a Cristo e experimentaram a renovação de corações e mentes.
Após visitar esses irmãos, fui diretamente da cadeia para um encontro com funcionários do governo, no centro de Lima. Coberto com poeira da prisão e marcado com o abraço suado dos prisioneiros cristãos, falei a esses mais altos funcionários do governo – e eles prestaram a máxima atenção. Tivesse eu ido ao Peru especificamente para o encontro com a liderança chave do governo, e certamente teria sido bloqueado. Eles quiseram me ver, não por causa de minha influência ou poder, mas por causa do nosso trabalho nas prisões. Sabiam que Prison Fellowship estava fazendo algo para trazer cura e restauração ao caos de Lurigancho. Assim, estavam ávidos de ouvir nossas recomendações, prontos a discutir uma visão bíblica sobre assuntos de justiça e carceragem. Qualquer autoridade que eu tivesse ao falar para esses homens poderosos não vinha de minha posição, mas do serviço aos menos poderosos. Esse é o paradoxo do verdadeiro poder.
Ativistas cristãos que fazem lobby para diversas causas evangélicas correm o risco de algumas vezes violar princípios buscando o poder segundo a forma convencional, isto é, do mundo. Quantos incrédulos pensam do político ativista cristão primeiro como servo dos fracos e dos sem poder?
Nada distingue mais os reinos do homem do reino de Deus, do que suas visões diametralmente opostas sobre o exercício do poder. Um visa o controle das pessoas, o outro, servir pessoas; um promove o “eu”, o outro, destrona o “eu”; um busca prestígio e posição, o outro eleva o pobre e desprezado. Algumas vezes não é nem para o nosso uso pessoal que buscamos poder, mas pelo prestígio e pela posição de uma causa muito valiosa – o avanço do próprio reino de Deus. Mesmo assim, se procurarmos este avanço junto com as linhas de poder seguidas pelos reinos deste mundo, o reino que construímos pode terminar sendo o nosso próprio.
Nada disso significa que o cristão não possa usar o poder. Em posição de liderança, especialmente nas instituições governamentais às quais Deus assegura o poder da espada, o cristão pode exercê-lo em boa consciência. Mas o cristão usa o poder com um motivo diferente e de maneiras diferentes: não para impor sua pessoa sobre outras, mas para preservar o plano de Deus de ordem e justiça para todos. Aqueles que atentam à visão bíblica de liderança de serviço tratam o poder como uma humilde delegação de Deus, não como um direito para controlar os outros.
Moisés oferece um grande modelo. Ainda que tivesse enorme poder e responsabilidade como líder de 2 milhões de israelitas, foi descrito nas Escrituras como “… mui manso, mais do que todos os homens que havia sobre a terra” (Nm 12.3). Ele era guiado pelo ministério – intercedendo diante de Deus em favor do seu povo, pedindo perdão pela rebelião do povo e cuidando das necessidades do povo antes das suas próprias.
O desafio para os cristãos em posição de influência é seguir o exemplo de Moisés em vez de cumprir a profecia do filósofo alemão, Friedrich Nietzsche, em relação ao “desejo de poder” que ele previu como a força motivadora da vida no século XX. Fazendo isso, o cidadão do reino de Cristo tem a oportunidade de oferecer luz a um mundo amortalhado pelas pretensões tenebrosas de uma devastadora sucessão de poderosos e maus tiranos.
A Solução Simplista e Triunfalista
Após descrever a ilusão do poder prometido por este mundo, é importante que façamos mais uma aplicação à obsessão contemporânea que alguns evangélicos parecem compartilhar com os corredores de poder dos governos seculares.
Os cristãos podem fazer uma diferença. Em recentes anos, porém, os cristãos têm insistido numa aproximação mais direta para provocar mudanças sociais. Qual é essa aproximação mais direta? Simplesmente eleger cristãos para cargos públicos. É uma idéia simplista e perigosamente triunfalista. Sugerir que a eleição de cristãos para cargos públicos seja a solução para todas as doenças públicas, não é só presunçoso e teologicamente questionável; é também mentiroso.
O mal direcionado entusiasmo de hoje pela solução política dos problemas morais de nossa cultura nasce de uma visão distorcida tanto da política quanto do cristianismo – uma visão muito baixa do poder do Deus soberano, e uma visão exaltada da capacidade humana. A idéia de que os sistemas humanos, reformados pela influência cristã, pavimentam o caminho para o Reino – ou, pelo menos, para o avivamento – tem a mesma aura de utopia encontrada na literatura de Marx. Ignora também a lição consistente da História que mostra que as leis são mais freqüentemente mudadas como resultado de poderosos movimentos espirituais (não vice versa). Não conheço sequer um caso onde um avivamento espiritual foi alcançado pela promulgação de leis.
Ademais, a História demonstra a falácia da idéia de que, só porque alguém é devoto, será também um governante sábio e justo. Tome, por exemplo, o líder do século XIX que forjou a Alemanha unificada a partir de um aglomerado de estados menores. Otto von Bismarck-Schönhausen foi um cristão comprometido com sua fé, que lia regularmente a Bíblia, falava abertamente de sua devoção por Deus, e alegava a direção divina em resposta a orações. Ainda assim, Bismarck foi também um inescrupuloso arquiteto do Deutschland Uber Alles (Alemanha acima de tudo), uma cosmovisão chauvinista que fundamentou duas guerras mundiais. Os historiadores descrevem Bismarck como um mestre maquiavélico da duplicidade política, especializado em sangue e ferro.
Como já dissemos, poder pode ser tão corruptor – ou confuso – para os cristãos como para os não cristãos. E os resultados algumas vezes são mais terríveis quando o poder corrompe aqueles que crêem possuir um mandato divino. Suas injustiças são, então, cometidas em nome de Deus. Essa é a razão pela qual um eminente historiador conservador sugeriu que “alegações religiosas na política devem variar inversamente em relação ao poder ou possibilidade de poder que alguém tenha”.
Esta é uma distinção justa: Profetas devem fazer alegações religiosas. Políticos não devem – doutra forma se tornariam aiatolás.
Assim, o primeiro teste para que alguém assuma cargo público, não deve ser o espiritual. A celebrada alegação de que “a habilidade de ouvir de Deus deve ser a qualificação número um para ocupar a presidência do país” é perigosamente mal orientada. Políticos, assim como outros que atuam em campos especializados, devem ser selecionados com base em suas qualificações e habilidades assim como pelo seu caráter. Mesmo na teocracia de Israel, Jetro aconselhou Moisés a selecionar “homens capazes, tementes a Deus” para ajudar a governar a nação judaica (Êx 18.21). O conselho de Jetro faz sentido. Se terroristas tomassem o controle de um aeroporto, nós iríamos querer que só cristãos devotos tomassem conta da situação, ou escolheríamos pessoas especialmente treinadas em negociação de reféns? Lutero estava certo quando disse que preferia ser governado por um turco competente do que por um cristão incompetente.
O Cristão Como Cidadão Versus Homem Público
A estrutura mental triunfalista também não consegue fazer distinção entre a função do cristão como cidadão e sua função como homem público. Como cidadãos, os cristãos estão livres para advogar seus pontos de vista cristãos em toda e qualquer forma. Na maioria dos países democráticos, este é um direito constitucional fundamental. Cidadãos cristãos devem ser ativos na fé, esforçando-se através do seu testemunho, por “cristianizar” sua cultura – não pela força ou pela espada, mas pela força de suas idéias.
Os cristãos eleitos para cargos públicos, porém, recebem um conjunto diferente de responsabilidades. Agora eles possuem o poder da espada, que Deus colocou nas mãos do governo para preservar a ordem e manter a justiça. Agora, eles agem não por si mesmos, mas por aqueles a quem servem. Por essa razão não podem usar o cargo para evangelicamente “cristianizar” a cultura. Seu dever é assegurar justiça e liberdade de religião e imparcialidade para todos os cidadãos de todas as crenças.
Isto não significa que devam comprometer sua fé ou sua fidelidade a Deus; eles devem falar livremente de sua fé e testemunhá-la através dos valores cristãos em suas vidas. Não podem, porém, usar seus cargos para favorecer a posição do cristianismo ou da igreja.
Um escritor cristão o resumiu muito bem: “O ‘estado cristão’ é aquele que não oferece nenhum privilégio público ao cidadão cristão, mas busca a justiça para todos como questão de princípio público”.
Os cristãos, portanto, não devem se lançar na política despreocupadamente, pensando que poderão drenar o brejo. Existem armadilhas, que precisam ser identificadas e evitadas. Por outro lado, não estou defendendo que líderes ou grupos religiosos devam boicotar os palácios e parlamentos do mundo. Aí é onde a ação política está, e o cristão precisa influenciar as políticas da eqüidade e da justiça. Isto está dentro da melhor tradição bíblica de Jeremias, Amós, Miquéias, Daniel e muitos outros. Os cristãos (como aliás os outros também), porém, precisam ficar de olhos abertos, cientes das ciladas. C. S. Lewis escreveu que “o demônio que existe em cada partido (político ou eclesiástico) está sempre pronto a disfarçar-se como o Espírito Santo”.
Perigos da Politização
Veja a seguir três dos mais perigosos abismos à espera dos incautos.
O primeiro é o da igreja tornar-se apenas mais um grupo de interesse especial. Os evangélicos são vistos como os sindicatos, os empresários, os aposentados, ou outro grupo qualquer. Este não é nosso papel.
O segundo é superestimar nossa importância por causa do cortejo por parte de forças políticas. O efeito colateral desta ilusão é que, para não perder o acesso à influência política, algumas igrejas e líderes têm aberto mão de sua independência. “Se eu falar contra esta política”, arrazoam, “não serei convidado para o jantar e minhas possibilidades de testemunhar serão podadas”. Ainda que este raciocínio seja compreensível, os resultados serão opostos; eles conservarão seus lugares, mas perderão suas vozes, e da mesma forma qualquer possibilidade de exigir responsabilidade do governo.
A terceira e talvez mais perigosa armadilha é o erro, tanto de liberais quanto de conservadores, de alinhar seus alvos espirituais com sua agenda política. Para muitos, quem discorda da sua preferência política não pode nem ser incluído entre as “pessoas de fé”. Quando a religião se torna instrumento da ideologia política, estamos a apenas um passo de situações como a da Alemanha nazista, onde grande parte das igrejas chegou a alinhar-se com o governo. Mas este absurdo não aconteceu de uma vez, foi passo por passo através de uma seqüência de enganos mais sutis.
Outra vez, nada do que dissemos significa que os cristãos devam permanecer alheios aos desafios da política. Os cristãos se encontrarão lado a lado com os não cristãos, lutando por justiça. Poderão também (conforme eu mesmo já experimentei) encontrar-se sob a suspeita até das mesmas pessoas ao lado das quais lutaram. Esse, contudo, é o preço que têm de pagar para preservar sua independência e não estar preso a nenhum alinhamento político.
Só uma igreja livre de dominação externa pode ser a consciência da sociedade, para cobrar do governo a responsabilidade moral, perante Deus, de viver de acordo com o que diz.
Extraído e adaptado do livro Religião de Poder, Editora Cultura Cristã.