Por João A. de Souza Filho
Deus sempre usou, de uma forma ou de outra, os lares e as famílias como ambiente fundamental para os elementos essenciais de comunhão e crescimento autêntico, tão facilmente perdidos nas estruturas institucionais. De acordo com a época ou a cultura, porém, era necessário fazer as devidas adaptações para que a prática não se tornasse rígida e imposta.
Hoje não é diferente. Precisamos, em primeiro lugar, apontar os aspectos negativos que impedem a igreja de reunir-se nos lares e casas de irmãos nas grandes cidades e, depois, pensar em como mudá-los de forma prática e funcional.
1. Nas grandes cidades brasileiras, o povo, em geral, usa suas residências principalmente como dormitório dos membros da família. Pais e filhos estão demasiadamente envolvidos no trabalho e no estudo e não têm tempo de encontrar-se durante os dias da semana e, quiçá, aos domingos (porque, aos domingos, passam o dia na “igreja”, no templo). A necessidade de sustento e de acompanhar tecnologicamente o avanço da sociedade empurra os membros da família para “fora” de casa. E, quando em casa, divertem-se usando os meios eletrônicos, às vezes cada um de per si: Internet, pesquisas, TV a cabo…
2. O espaço para moradia nas cidades grandes está ficando cada vez mais reduzido. Nos prédios de apartamento, para a população em geral, as salas de estar são minúsculas, e a cozinha, um mero espaço onde só entra quem dela se utiliza. Além disso, por precaução, as pessoas, com medo da violência, não saem de casa à noite.
3. Os mais abastados, que decidem residir em condomínios fechados, isolam-se uns dos outros no mesmo condomínio e dos que residem fora dali. O acesso, às vezes, é impeditivo. Agregue-se a isso o fato de que os apartamentos e residências não possuem revestimento acústico, e as paredes têm “ouvidos”. Qualquer som elevado de pessoas falando, orando ou tocando algum instrumento é motivo de reclamação ao síndico e de exposição a multas.
4. Em algumas regiões do Brasil, as famílias não possuem a cultura do lar, isto é, não costumam ter uma casa ou apartamento aconchegante para acolher os amigos. Mesmo os que possuem uma casa maior nem sequer pensam em adaptá-la como local para reunir amigos ou a igreja; geralmente, os mais aquinhoados constroem salões para festas e encontros – para comer e beber –, mas nunca como local de adoração.
Quando falo em cultura do lar, refiro-me ao ninho da família, ao aconchego, ao acolhimento, à hospedagem e à liberdade de qualquer amigo ou visitante sentir-se também em casa – um local onde a mamãe tem liberdade de trocar a fralda do filho, em que se pode beber água sem se solicitar ao proprietário etc.
Essa falta de cultura é fruto do corre-corre diário, quando se gastam duas ou três horas para deslocar-se do trabalho até a casa e vice-versa, porque todos os membros da família têm de trabalhar, inclusive a esposa, o que os impede de usufruir das benesses do lar como reunião em família, conversas amigáveis ou encontros com os amigos.
Em algumas cidades, as pessoas se isolam atrás de muros altos e impenetráveis, e nem sequer se consegue ver o telhado das casas – seja porque as pessoas querem privacidade, seja por medo da violência urbana. E isso já é cultura.
Nas décadas dos anos 60 e 70, as casas não tinham muros altos, apenas uma cerca de madeira para que animais não entrassem no pátio ou saíssem dele, e os vizinhos sentavam-se na calçada, no fim da tarde, para conversar, rir e jogar conversa fora. Ou conversavam olhando uns aos outros através da cerca. Viver assim, hoje, em algumas cidades é impossível. E isso faz com que a cultura do lar desapareça para dar lugar à cultura tecnológica.
Como mudar este quadro?
1. Voltando-se ao estilo de vida simples sem que seja necessário concorrer com o mundo. Não é preciso possuir tudo o que o mundo tenta nos impor. Um estilo de vida simples agrada a Deus. Hoje, as casas dos irmãos têm televisão, computadores e banheiros em cada cômodo… Confortável para os membros da casa, mas não disponível para os visitantes.
2. Edificando-se casas, pensando sempre nos amigos e nos irmãos da igreja, e não apenas na família. Nos últimos anos, venho acompanhando o progresso material de alguns cristãos que se preocupam em ter sala de vídeo e de TV, sala de estudos, sala de estar meramente decorativa onde ninguém se assenta, amplo espaço para churrascos e festas, etc. Em nenhum deles, contudo, notei a preocupação em reservar um espaço maior para reunir a igreja, orar e buscar Deus. Existem salas de vídeo, mas não de oração; salas de estudo, mas não de oração; salas com mesas de jogos, mas jamais para oração e reuniões.
3. Nas grandes cidades, onde é impossível reunir-se em apartamentos de condomínios devido às regras impostas pela comunidade, é aconselhável que se busquem alternativas mais caseiras, como, por exemplo, reunir esforços para comprar um local e construir uma ampla casa – não um templo – com cozinha, salas amplas adaptáveis, espaço para as crianças etc. O espaço que não se tem num apartamento, os irmãos passam a tê-lo conjuntamente na “casa”. No entanto, o conceito de igreja que os especialistas em crescimento de igreja nos empurram goela abaixo é de fazer construções megalômanas para milhares de crentes. Isso tem de ser urgentemente revisto.
4. Criar, dentro dos apartamentos, um ambiente de lar apenas dispondo de cadeiras e lugares para que “dois ou três” se reúnam em nome do Senhor. Mude-se o conceito de que “a casa é minha” para “minha casa, sua casa”!
Nossa experiência nesse sentido foi sempre positiva, e a igreja que iniciamos em Porto Alegre funcionava em nossas casas, especialmente naquela em que eu residia, com vários encontros semanais de casais com os filhos e de jovens com seus anelos e esperanças, o que contribuiu para o surgimento de uma comunidade de amor e serviço, sinônimo de comunidade de adoração.