Por: Mateus Ferraz
“Só existe uma maneira de consumar o perdão: esquecer.”
Alguma vez na vida você já tentou remover uma grande pedra do lugar onde permaneceu por muito tempo? Na minha infância, eu morava em uma casa com um grande quintal cheio de árvores e grama por todos os lados. O verdadeiro sonho de uma criança de nove anos. E muitas vezes tive a oportunidade de arrancar pedras e tijolos das suas posições originais. Todas as vezes, encontrava a mesma coisa: vermes e bichos nojentos criados pelo tempo. A pedra criava um ambiente úmido, próprio para o desenvolvimento desses vermes. Você já deve ter visto isso.
Você também já deve ter ouvido alguém dizer a seguinte expressão: “Vamos colocar uma pedra em cima do assunto!”, não ouviu? Normalmente esta expressão tem a ver com esquecer por um tempo determinado tudo o que diz respeito àquele assunto. Em uma brincadeira, ouvi um amigo dizer: “Vamos colocar uma pedra em cima do assunto, mas a pedra ainda está lá!” Apesar do teor humorístico usado por meu amigo, esta expressão pode revelar uma verdade muito séria sobre o perdão. O problema de muita gente é que a pedra continua lá. Foi colocada na tentativa de solucionar momentaneamente a dor causada por alguém ou por nós mesmos, mas a pedra continua lá e a dor, embora ignorada, vez por outra, se mexe embaixo da pesada pedra que está em cima dela.
Na maioria das vezes a pedra permanece imóvel por anos e anos, sem ninguém ousar tentar tirá-la do lugar. Mas um dia ela sai. E quando sai, os vermes e os bichos da culpa, amargura e ressentimento estão lá, gozando do melhor ambiente para o seu desenvolvimento.
Culpa. Este é um dos grandes muros que dividem os seres humanos da graça e misericórdia de Deus. Quando nos sentimos culpados, nossa tendência é a reclusão. Queremos ficar longe de pessoas, de coisas que nos lembrem nossas faltas, de Deus, e se possível, de nós mesmos. Esse tormento está presente em muitos cristãos. São pessoas que vivem marcadas pelo trauma de não conseguir experimentar o perdão de Deus. Na maioria dos casos, continuam levando a vida como podem, ignorando a acusação que reside dentro deles, tentando viver sua rotina como homem ou mulher de Deus. Mas, na verdade, o que caracteriza um homem ou uma mulher de Deus é o seu relacionamento íntimo com ele, e isso não é possível para tais pessoas, porque todas as vezes que fecham seus olhos e tentam imaginar a face de Deus, a única coisa que conseguem enxergar é o rosto sisudo de um juiz, quase carrasco, que ainda relembra amargamente seu pecado enterrado em algum lugar do quintal. Ninguém pode se relacionar intimamente com alguém que representa medo, acusação ou ameaça. Algumas dessas pessoas já pediram perdão, já choraram, já se arrependeram amargamente. Alguns até mesmo responderam a apelos e assistiram palestras sobre cura interior, mas não se trata de não ter sido perdoado, e sim de não ter perdoado a si mesmo.
Esse quadro é freqüente em nossas igrejas. Muitas vezes nos perguntamos por que determinadas pessoas são tão severas e algumas tão legalistas, vivendo a vida cristã como se fosse um fardo terrível que tem de ser obrigatoriamente carregado, sem demonstrar sequer uma expressão de alegria ou contentamento. Tais pessoas, muitas vezes antigos freqüentadores de igrejas, nunca se acostumaram com um Deus amoroso. Experimentaram o poder de Deus, talvez até mesmo a unção de Deus, tiveram experiências sobrenaturais e muitas vezes presenciaram coisas incríveis — no entanto não conheceram o lado mais sobrenatural de Deus: sua infinita capacidade de perdoar. De fato, é impossível para nós, meros humanos, cheios de orgulho e egocentrismo, compreender em sua totalidade a expressão do perdão de Deus. É profundo demais, insondável demais, mas creio que existem algumas verdades sobre Deus que não são para ser compreendidas e sim, simplesmente vividas. Diante disso proponho uma reflexão sobre duas perguntas básicas a respeito do perdão.
Pergunta 1: Se Deus me perdoa, porque não consigo me sentir perdoado?
A Bíblia revela um Deus perdoador. Ao longo de todas as Escrituras vemos a misericórdia de Deus em ação. Elas nos declaram que Deus lança para trás das suas costas todos os nossos pecados (Is 38.17), que lança nossos pecados nas profundezas do mar (Mq 7.19), e que deles não se lembra mais (Is 43.25; Jr 31.34). Sendo assim, por que tantas pessoas vivem como se Deus as fosse fulminar a qualquer momento? Por que existem tantos pescadores não autorizados no mar do esquecimento?
Isso acontece porque na verdade o problema não está em Deus, e sim, em nós mesmos. A única coisa que Deus exige de nós para obtermos seu abrangente perdão é um genuíno arrependimento. Se esse sentimento existir dentro do nosso coração, Deus é fiel e justo para nos perdoar e nos purificar de toda a injustiça (I Jo 1.9). Ao liberar seu perdão, Deus não usa nossas falhas contra nós. Ele as lança para trás de suas costas, e não olha mais atrás. E se Deus, que é o único no universo que poderia justamente relembrar cada uma de nossas transgressões eternamente, não o faz, por que nós o fazemos?
Precisamos nos livrar da culpa. Se não nos perdoarmos, nosso pecado nos acompanhará de perto. Enquanto os vermes da culpa permeiam nossos corações, anulamos a eficácia do sangue de Jesus Cristo que nos reconcilia com o Pai, e perdemos de vista nossa comunhão com ele. É muito comum determinadas pessoas caírem no mesmo erro enquanto não acertam o seu relacionamento com Deus. A culpa só nos aproxima cada vez mais do nosso pecado. Como a lenha mantém a fogueira acesa, o sentimento de culpa alimenta o pecado que tão de perto nos assedia.
Pergunta 2: Se Deus me perdoa, por que não perdôo a outros?
Muitos, além de prenderem a si mesmos pelo sentimento de culpa, prendem a outros através da amargura gerada pela falta de perdão. Em Hebreus 12.15 lemos: “Tendo cuidado de que ninguém se prive da graça de Deus, e de que nenhuma raiz de amargura, brotando, vos perturbe, e por ela muitos se contaminem.” Essa contaminação, que provém da raiz da alma, se não for extirpada, causa uma terrível separação de Deus.
A falta de perdão é a expressão máxima do orgulho. Quando assumimos esta postura, colocamo-nos na posição de juízes, como se tivéssemos condições de reter o perdão a alguém. A realidade é que qualquer perdão é extremamente básico e simples perante o insondável perdão de Deus. Qualquer atitude nossa de perdão, por mais dolorosa ou árdua que seja, nunca se pode comparar com a dimensão do perdão de Deus expresso na morte de seu único Filho. Perdão que não faz acepção de pessoas, mas ao contrário, salva um ladrão minutos antes de sua morte na cruz e salva a prostituta, minutos antes de seu apedrejamento.
Se ele nos perdoa, não podemos reter esse perdão dentro de nós, pois assim como pensamos que outros não merecem, nós também não merecíamos. O amor de Deus nos foi revelado, não para que nos orgulhássemos como hipócritas, gabando-nos de nossa salvação, mas para que através de nós, esse amor continue a se revelar a outros.
Libere-se da culpa e da amargura. Não permita que sua vida seja marcada pelo medo de não poder encarar a pessoa de Deus. Pois ele anseia por olhá-lo nos olhos, e ver sua transparência e sua sinceridade. Tire a pedra de uma vez por todas! Faça uma limpeza em seu quintal, destampe o bueiro, abra a portinhola dos porões da sua alma, e arranque esses vermes e bichos que aos poucos estão deteriorando sua vida. Se a pedra ainda está lá, é porque o perdão ainda não chegou. Se ainda existe uma vaga lembrança e um ínfimo sentimento de vingança e ódio ao lembrar-se do passado, é preciso arrancar estes destruidores de jardins. Só assim o relacionamento com Deus faz sentido. Um relacionamento sem cadeias, sem reservas, pronto para viver intensamente cada momento com o Deus do amor. Remova as pedras do seu quintal!