Por: Christopher Walker
Praticamente dois milênios depois da grande obra de Jesus Cristo na terra, e do nascimento da primeira igreja, é muito natural que paremos para refletir sobre os frutos desta obra e para examinar a igreja que existe hoje para saber se realmente está “dando certo” aquilo que foi iniciado.
Por um lado, se lembrarmos que depois de três anos e meio de ministério sobrenatural, na hora da sua morte, Jesus foi abandonado pelas multidões que foram curadas por ele, e até pelos discípulos em quem investira a maior parte do seu tempo e atenções; se lembrarmos que quando Jesus ressuscitou e foi embora, o único fruto visível que deixou foi um pequeno grupo de discípulos temerosos e confusos, e que a única instrução que tinham era que esperassem a vinda do Espírito Santo, uma pessoa invisível e impalpável, para completar a obra neles e iniciar a igreja; se analisarmos os obstáculos que esta igreja recém-nascida teria de enfrentar dentro do seu próprio território da Palestina, e ainda mais, da parte do poderoso Império Romano; e se formos mais adiante e descobrirmos os longos séculos na Idade Média em que as chamas da revelação e da verdadeira comunhão com Deus praticamente desapareceram das instituições que tomaram o lugar da igreja de Jesus — com certeza, diante de tudo isso, nos colocaremos diante de Deus em profunda reverência e admiração pelo fato de que hoje há um testemunho de Jesus em tantas partes do mundo e em tantas pessoas. Só uma grande obra soberana e sobrenatural deste Espírito Santo que Jesus de fato enviou aos seus discípulos poderia ter preservado este testemunho durante tantos séculos e diante de tantos obstáculos.
Mas se, por outro lado, começarmos a comparar a igreja que existe hoje com aquela primeira igreja que nasceu com tanta falta de recursos e potencial humanos, mas com tanta pureza e poder do Espírito Santo, podemos ser tentados a perguntar se o que vemos hoje é realmente uma filha legítima, ou da mesma espécie, daquela primitiva do livro de Atos. Há tantas diferenças que nem poderíamos começar a colocar neste pequeno ensaio uma lista completa. Alguns logo rebateriam esta comparação, dizendo que nosso mundo hoje é diferente e que a igreja simplesmente se adaptou ao novo contexto em que se encontra. Neste caso, a Bíblia passa a ser uma mera referência histórica, e estamos ao léu neste imenso mar de opiniões e pragmatismos humanos. Outros, como já fizeram durante toda a história da igreja, voltam ao Novo Testamento, e tentam (sempre parcialmente) copiar literalmente alguns aspectos da igreja primitiva, como os costumes (véu e ósculo santo, por exemplo), forma de governo (pluralidade e colegiado de pastores), ou tipos e títulos de ministério (apóstolos e profetas, além dos mais conhecidos pastores, mestres e evangelistas). O resultado, como sabemos, não traz de volta nem a vida nem o poder daquela igreja vibrante que queremos redescobrir, mas apenas mais divisões, sectarismo, e prepotência humana. Depois, há aqueles que querem acabar com toda esta confusão e multiplicação de facções e denominações na igreja atual, e voltar a ter apenas um representante da Igreja de Jesus na terra, mas ao se auto-proclamarem como a única igreja verdadeira e pura, simplesmente acrescentam mais uma à longa lista já existente, e confundem ainda mais aqueles que querem encontrar a verdade.
O Novo Testamento, que relata a vida e as palavras de Jesus, e o princípio da igreja que surgiu como o principal fruto da sua missão na terra, não foi escrito para nos dar um modelo ou manual de organização de igreja. O seu objetivo é mostrar-nos os elementos principais que constituem a igreja de Jesus aonde quer que esteja, e em qualquer época em que existir. Assim sendo, não podemos concluir que por vivermos em outra época os princípios do Novo Testamento são ultrapassados e já não podem mais ser aplicados hoje, nem por outro lado tentar copiar algum padrão ou prática exterior daquela igreja primitiva como se isto fosse nos dar a chave do seu poder e pureza.
E quais seriam, então, os princípios essenciais da igreja de Jesus que nos levariam a ser a igreja verdadeira da nossa geração? Obviamente, se eu soubesse e os estivesse praticando, a igreja hoje não estaria tão distante e tão diferente daquilo que deveria ser. Mas depois de muitos anos procurando responder estas perguntas com outros que já as procuravam há muito mais tempo que eu (inclusive com meu pai), creio que podemos apontar pelo menos para a direção onde devemos colocar nossa atenção.
Jesus mostrou a essência nas únicas duas ocasiões em que mencionou a palavra “igreja”. Em Mateus 16.16-19, ele mostrou que a igreja é edificada sobre a revelação de Jesus como Filho de Deus. Revelação não é doutrina, não é aprender um dogma intelectualmente, é resultado de uma operação sobrenatural em que o próprio Deus revela ou mostra algo da sua pessoa a nós. Portanto, igreja só existe no sentido bíblico onde há pessoas que tiveram esta experiência sobrenatural com Deus.
Mas isto sozinho não produziria a igreja. Em Mateus 18.18-20, temos o outro elemento. “Onde dois ou três estão reunidos (ou unidos) em meu nome, ali estou no meio deles.” Então a igreja que tem o poder de ligar na terra e ser ligado no céu é formada por pessoas unidas (em koinonia ou comunhão entre si) por causa da presença de Jesus entre elas. Esta é a prática da igreja. É formada por pessoas que tiveram uma experiência sobrenatural com Deus, mas não só isto. É preciso estar em comunhão uns com os outros através de Jesus estar verdadeiramente no nosso meio.
Aí está a grande e essencial diferença entre a igreja primitiva e a igreja atual.
Citamos hoje a passagem acima como se fosse verdadeira para nós, mas geralmente não é isto que acontece. Não adianta tentar dizer que acontece “pela fé”, pois onde Jesus está algo acontece. Veja só o que acontecia no livro de Atos (por exemplo, em Atos 4.31,32). E veja como era a vida da igreja: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações… todos os que creram estavam juntos, e tinham tudo em comum … Diariamente … partiam pão de casa em casa” (Atos 2.42-47).
Esta é a essência da igreja: comunhão com Deus e uns com os outros. Para saber se na sua igreja ou na sua vida isto está acontecendo, basta examinar os resultados. Comunhão não é uma palavra teórica ou abstrata — é algo vivo e concreto e produz resultados. E se esta é a essência da igreja, precisamos buscá-la como alvo prioritário, abrindo espaços e procurando entender o que é necessário para que ocorra.
Ao invés disso, temos concentrado nossa atenção em programas e reuniões e estruturas que não favorecem e às vezes nem permitem que haja comunhão. O “negócio” da igreja não é mais transmitir a revelação de Jesus e procurar uma vida em comunhão com outros irmãos onde possamos encontrar com este Jesus diariamente. Nossa preocupação é formar grandes estruturas eficientes que consigam resultados, à semelhança das grandes empresas seculares. Queremos números, mas infelizmente no meio destes grandes números, muitos não conhecem realmente a Jesus e dependem de programas e grandes líderes para manter seu ânimo e motivação. O resultado tem sido a falta de comunhão e a falta da presença de Jesus em nosso meio. E na ausência destes elementos essenciais, temos procurado um substituto na nossa “criatividade” humana, ao invés de buscar realmente o genuíno conteúdo que pode nos transformar com todas as nossas divisões, atitudes erradas e semelhanças com o mundo na verdadeira igreja viva de Jesus, assim como ocorreu com aqueles discípulos primitivos.
Afinal, as Escrituras afirmam que Jesus se entregou pela igreja, para a santificar, e para apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mancha ou ruga, ou defeito algum (Ef 5.25-27). Se, por um lado, podemos dizer com profunda reverência e admiração que sua morte, ressurreição e envio do Espírito Santo realmente deram certo, pois a igreja nasceu, superou barreiras e obstáculos aparentemente intransponíveis durante todos os séculos da era cristã, e está aqui hoje com mais números e presença mundial do que em qualquer época anterior — por outro lado, teremos que admitir que Ele ainda não achou esta noiva gloriosa na igreja atual. Ele ainda não viu “o fruto do penoso trabalho de sua alma” para poder ficar “satisfeito” (Is 53.11). Somos filhos de Deus e mais filhos continuam a nascer, mas ainda não se manifestou o que havemos de ser (1 Jo 3.1-3). A igreja não conhece a dispensação do mistério oculto desde os séculos passados do Velho Testamento, revelado a Paulo, mas oculto novamente, e por isto não pode manifestar a multiforme sabedoria de Deus aos principados nos lugares celestiais (Ef 3.8-11).
Jesus entregou-se a si mesmo para preparar esta noiva, não só para que houvesse almas salvas em todas as épocas da história até o fim do mundo. E se a sua obra deu certo na primeira parte, com certeza dará também na segunda. Se esta for a nossa certeza e convicção, então encontramos o maior propósito e esperança que alguém pode ter na vida (ver 1 Jo 3.1-3; 1 Pe 1.13). Assim como os primeiros discípulos tinham um objetivo especial de esperar a vinda do Espírito Santo para que a igreja pudesse nascer, nós temos a missão de esperar a revelação de Jesus para que a igreja que já existe seja realmente a igreja que complete o mistério da sua vontade na terra (Ef 1.9-12). Isto é algo que deve encher a nossa vida com sentido, com visão, e com paixão, pois trata-se da consumação de toda a história e do plano de Deus!
A igreja dos últimos anos desta era não será idêntica à igreja primitiva, mas terá os mesmos princípios operando. E quem fez o milagre de preservar a chama durante dois mil anos, com certeza é capaz de aperfeiçoar sua obra e consumá-la para o seu louvor e glória.