Era o dia da festa de nosso novo grupo cristão e a casa estava cheia. Eu ansiava por este dia e contava cada hora e minuto até a chegada. A casa estava lotada e a atenção de todos se voltava para mim. Eu contava piadas, fazia caretas, e todos riam. Era o centro das atenções e amava isso. Até que meu irmão começou a tocar o piano na sala ao lado e todos perderam o interesse em meu show. Antes mesmo de eu terminar a piada, a multidão correu para assistir o Maestro David, como se eles nunca tivessem ouvido um menino tocar piano. Eu torcia para ele errar uma nota, mas estava perfeito. E quando ia terminando uma canção, sempre tinha um idiota que pedia outra. E isto durou até o final da festa, quando os convidados saiam comentando sobre o maravilhoso pianista, ficando o gênio cômico no esquecimento. E eu fiquei sentado, apodrecendo por dentro, desejando quebrar aquele piano em pedacinhos, morrendo de ciúmes.
A essência da inveja
Os cientistas acreditam que o corpo humano poderá receber órgãos de macacos, ovelhas e porcos, com o intuito de salvar uma vida. O segredo está em fazer o processo lentamente e fornecer a medicação correta, para que o corpo acredite e aceite aquele órgão animal como se fosse humano.
Este mesmo princípio funciona com a nossa percepção corrosiva de amor. É espantoso ver como as pessoas recebem a falsificação até que sua alma e espírito funcionem normalmente como se tivessem um coração de babuíno sem perceber que aquilo não é humano. No sentido espiritual, em vez de salvar a vida, esta imitação do amor faz com que nosso coração pense e acredite em coisas horríveis e inaceitáveis. Se a inveja e ciúmes estão presentes, como no meu caso, ninguém erraria confundindo isso com amor. Mas eu descobri que, ao longo dos anos, todos nós experimentamos uma transição gradual em nossos pensamentos.
A inveja é ligada ao egoísmo, é ciumenta e antirrelacionamentos. Deixa a pessoa constantemente no “modo receber”, e o “modo dar” fica desligado. O egoísmo torna impossível qualquer relacionamento. A inveja tem a mesma raiz que a luxúria. Nossa geração acredita que seja impossível o amor entre duas pessoas sem a presença inicial da luxúria. A preocupação quando se inicia um relacionamento está na aparência pessoa e não se valoriza o tesouro escondido no coração. Aprendemos que a pessoa precisa ser atraente e excitar a luxúria nos outros, como sinônimos de valorização e dignidade. As mulheres acreditam que, com seu poder de sedução, devem despertar a luxúria dos homens ao entrar em uma sala. Tanto a inveja como a luxúria têm a mesma essência, de sempre receber das outras pessoas, para a satisfação pessoal. Já vi várias vezes em lojas de roupas quando uma mulher veste uma blusa ou um jeans, se olha no espelho, e pede a opinião do namorado, tentando descobrir se seu poder de sedução desperta algo nele e nos outros. A beleza exterior pode ser vista, tocada, usada, e não requer nenhuma intimidade ou aproximação emocional. Por outro lado, uma demonstração de beleza interior não traria nenhuma satisfação ou ganho pessoal para a pessoa egoísta. Este é o motivo pelo qual as pessoas têm o físico no topo da lista do que desejam no companheiro.
Como as pessoas pensam que o amor é relacionado com a inveja, eles atribuem isso também a Deus. Quando passei a amar as pessoas da minha congregação, descobri como essas deturpações no entendimento de como é o coração de Deus afetam o cristianismo moderno. Já ouvi várias pregações inflamadas dizendo que Deus é ciumento. Como interpretamos Deus por esta perspectiva distorcida, estrangulamos todo relacionamento com ele. A inveja, luxúria e ciúme são sinônimos e deixam a pessoa apenas no “modo de receber”, paralisando-a relacionalmente. Nascem do amor egoísta e apatia por outras pessoas. Deus não age assim e ninguém sobreviveria a isso!
Esta idéia de um Deus ciumento está arraigada em cada parte de nossa religião, e o resultado é catastrófico. Somos como uma mulher escravizada por um marido ciumento. Ela racionaliza, dizendo que ele age assim porque a ama. Contudo, o seu interior sabe que tudo o que faz revela que ele é a única pessoa no mundo que importa. Se ela for fiel, ele afrouxa suas garras mortais permitindo que ela receba um pouco das migalhas de sua própria vida. Por mais pavoroso que pareça, é como ouço os cristãos falar sobre seu Deus, da mesma maneira repulsiva. Por não conhecermos a Deus, agimos como esta mulher em nosso relacionamento com ele. Como crescemos neste ambiente, achamos que isto é correto e vemos pela mesma ótica distorcida da mulher que compreende o ciúme como resultado do amor.
Também dizemos coisas como “Deus quer que você dê sua vida a ele”. Isso nos soa bem e encorajamos às pessoas a fazer o mesmo, pois estamos certos de que é isso que Deus quer. Cristo veio para que tivéssemos vida, e vida em abundância. Somente um Deus invejoso nos daria a vida e a exigiria de volta. O que ele busca de fato é o nosso coração. Este conceito distorcido é visto no entendimento dos cantores cristãos, pois todas as músicas devem ser a cerca de Jesus. Se fizerem uma música que não seja sobre Deus, a comunidade cristã os rejeita, e até diz que o cantor abandonou a fé. A pessoa que recebeu este maravilhoso dom de Deus não pode expressá-lo livremente, por acreditar que Deus pode se enciumar. É por isso que muitos de nós não ouvem músicas seculares, crendo que Deus poderia ter inveja. Somos encorajados a jogar fora tudo o que temos em casa que não glorifique a Deus ou pertença a ele. Fiquei maravilhado ao ver pessoas com medo de estar amando mais aos amigos do que a Deus. Até mesmo entre casais percebi o medo que o parceiro se torne um ídolo, deixando Deus ciumento a ponto de acabar com o relacionamento ou retirar sua presença.
Eu quase chorei ao ouvir um jovem casal contar sobre seu bebê que sofria de uma série de problemas médicos, e piorava cada vez mais. Envenenados pelo cristianismo moderno, eles acreditavam que fizeram deste bebê um ídolo e Deus permitiu que a doença atacasse ao bebê por ciúme, e que a Bíblia mostrava que Deus destruiria qualquer ídolo para o qual seu povo voltasse o coração.
Existe uma olhada que dou em minha esposa, tão penetrante, que atravessa além da superfície e terras profundas de seu espírito. Este olhar vê o oculto do coração dela, e o adora incondicionalmente. E minha esposa quando vê este tipo de olhar em mim, sabe que descobri uma outra coisa maravilhosa sobre ela. Ela sabe que é valorizada cada vez que me vê olhando desta forma para ela. O mesmo acontece com meus filhos, que percebem o valor que têm através dos olhos do pai. É um olhar que diz: “eu morreria por você”, ou “eu já morri por você, e não penso mais em mim, só em você”. Existe um tesouro no peito de cada um que espera ser aberto pelo Pai. Até que a pessoa seja amada e valorizada, esse tesouro permanece fechado. Conheço pessoas esperando a vida inteira por alguém que enxergue o valor que elas têm. Por sermos uma geração sem pai, muitos nunca receberam este afago e o resultado é que ficaram perdidos.
Deus é ciumento, mas em nosso favor. Ele não tem o ciúme egoísta que acontece com os seres humanos, e seu ciúme é exatamente o oposto do que entendemos que ciúme é. Por não conhecermos seu coração, usamos as Escrituras para atribuir a ele um ciúme satânico, e isto é tão comum que não reconhecemos isto.
Quando um pai tem ciúme da filha por estar se relacionando com um homem que não a ama do jeito que ele ama, este ciúme não é em seu favor, mas em favor da filha. Ele quer o melhor para a filha e fica com ciúmes ao ter que entregá-la para alguém que não entende o coração dela.
Deus não está competindo pelo nosso amor. Constantemente vejo alguém se gloriar dizendo: “Eu amo mais a Deus do que a minha esposa”. A única maneira de amar mais a Deus do que a esposa é amar a Deus através da esposa. Não é uma questão de quem estamos amando mais. O Deus que é amor ama quando amamos. Ele não se preocupa se alguém está recebendo ou não mais amor do que ele.
Certa vez eu disse a um garotinho de cinco anos que ele era um bom menino. Fiquei horrorizado quando ele me disse que era mau e estúpido, e não havia nada de bom nele. Fiquei com o coração pesado, e pensei: “que tipo de pais ele tem?” É exatamente assim que o mundo pensa de nós, quando nos esforçamos para deixar claro que damos toda glória a Deus. Traçamos uma imagem de Deus como frio e feio.
É impossível amar mais a Deus do que amamos as pessoas. Se amarmos uma pessoa, é uma evidência de que Deus está dentro de nós. É impossível ter um relacionamento com Deus sem se relacionar com outras pessoas. Ele não tem ciúmes ou inveja do teu amor, pois foi desse jeito que ele quis que a vida funcionasse.
Fico chocado com as pessoas que acreditam que Deus quer um relacionamento secreto e separado com elas, à parte dos membros de sua família. Muitos maridos se trancam em seu quarto de oração enquanto as esposas cuidam sozinhas das crianças em outro cômodo. Eu chamo isto de adultério. Não sou contra ter um tempo de oração pessoal, mas a mentalidade que é diretamente oposto ao coração de Deus. Se eu ficar duas horas em meu escritório orando e minha esposa precisando de minha ajuda com as crianças, eu não chamaria isto de oração, mas de doença.
Quando vejo que minhas filhas se amam de todo o coração, isso me alegra. Jamais questionarei se elas amam mais uma à outra do que a mim. Se elas se amam, entendo que estão de fato me amando. E o caminho mais rápido para se chegar ao meu coração é amando minhas filhas.
Somente um egoísta perguntaria: “Quem você ama mais?” Não pense que Deus agiria assim e no momento que pensamos desta forma, fechamos a porta para conhecer o coração dele. Ele nunca terá inveja de teu amor pelos outros; Ele criou o amor! Por que ele contradiria a si mesmo? Deus não é inseguro e sua intenção é que você ame as pessoas cada vez mais. Libere-se para amar de todo o coração, pois o Pai nos céus te criou para este propósito.
Foi no exato momento que me apaixonei pelas pessoas de minha congregação que conheci as partes mais profundas do coração de Deus. Eu descobri atributos específicos do caráter de Deus entrelaçados no amor que eu tinha pelas outras pessoas. Muitos questionamentos foram esclarecidos e descobri que minha fé era limitada e miserável durante muitos anos.
E este amor não precisa de propaganda, e flui naturalmente a partir do espírito. De repente eu descobri por que o amor não tem inveja: porque todo cheiro do egoísmo se torna repulsivo quando amamos. E por não ser invejoso, ele também não se vangloria.
Tradução e resumo do cap. 5 de Misunderstood God, de Darin Hufford
Respostas de 3
Ezequiel, muito interessante a maneira como o Darin Hufford se propõe a tratar sobre a imagem que a religião cria sobre o ciúmes de Deus. Concordo com ele quando disse: “Deus é ciumento, mas em nosso favor”. Gostei!
Muito bom o texto sobre o ciúme e amor de Deus, e esclareceu muitas dúvidas que eu tinha a esse respeito. Ele só vem confirmar a passagem em 1João que diz: “Amados, amemo-nos uns aos outros; porque o amor é de Deus; e qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a Deus…Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados. Amados se Deus assim nos amou, também nós devemos amar uns aos outros”.
Ivete, acho que a essência é esta mesmo que você falou.