O portão da garagem estava se fechando e a excitação começava a crescer. Meu irmão mais novo vigiava na janela da sala e, assim que meus pais não fossem mais vistos, ele dava o sinal para a diversão começar. Somos seis irmãos e criamos uma brincadeira com o Pierre, nosso poodle, que eu fico até embaraçado em contar. Ele era o cão mais antipático que já conheci, e nós fazíamos de tudo para deixá-lo irritado. Nós achávamos isto hilário. Se fosse um rottweiler ou pastor alemão, não poderíamos brincar daquele jeito, pois o poodle corria atrás de nós, ao redor da casa, para morder nossos calcanhares. Ele era o cão que mais agressivo e temperamental do bairro.
No canto da sala havia uma cadeira de veludo, com franjas até o chão, onde ele se escondia de medo. Um de nós sacudia a cadeira e os outros corriam ao redor da sala, gritando como loucos. Pierre corria e mordia o primeiro calcanhar que conseguisse pegar. Era um tipo de “cadeira musical”, mais por causa do poodle e não pela cadeira. Todas as vezes que fazíamos isso, o barulho das crianças gritando enchia a casa. Quando ouvíamos o portão da garagem se abrindo, o pobre cão estava no limite de um ataque cardíaco. Segundos mais tarde, meus pais entravam na sala e encontravam os filhos fazendo o dever de casa ou jogando um jogo silencioso, enquanto o Pierre fungava como um cão doente. Se ele falasse inglês, nós seríamos colocados numa terapia por vários anos por causa desta travessura.
Embora o verdadeiro amor não possa ser facilmente provocado pela ira, o fato é que o amor não é facilmente provocado por nada. Não pode estar contente e feliz num momento, e mudar para ira, tristeza, depressão e ofensas em seguida. O amor é estável e não pode ser manipulado. O assunto aqui é realmente controle, e este termo me assusta. É um rótulo que colocamos nas pessoas que buscam controlar outras, e as chamamos de controladoras. Enquanto existem pessoas que estão controlando e manipulando, fico admirado que estas sejam chamadas de controladores compulsivos. Se você me perguntar, as pessoas que permitem ser controladas são as que estão de fato compulsivas. Existe algo relacionado à perda de controle que torna alguém viciada. Desistir do autocontrole é a essência do vício, e por isso é difícil se recuperar da pornografia, alcoolismo ou drogas. Não ter controle se tornou um conveniente estilo de vida e a idéia de recobrar o controle parece algo antinatural. Demanda um nível elevado de responsabilidade pessoal e o caminho mais fácil é descansar e deixar que outras pessoas nos controlem. Isso não dá trabalho algum.
A visão de amor de nossa geração é totalmente distorcida e esperamos uma perda de controle que vem sobre nós quando estamos amando. De fato, o amor foi tão distorcido que falamos em “perdidamente” apaixonados, onde abandonamos toda responsabilidade pessoal. Parece um acidente inevitável, e os que se envolvem nele, não são tidos como culpados. Afinal, acidentes acontecem e quem vai se culpar por ser acometido pelo amor? É interessante quando meus próprios filhos me testam para ver se eu realmente os amo. Na prática, eles me provocam. Eles propositalmente ultrapassam um limite e ficam aguardando minha reação. Vou perder a calma? Gritar com eles? Não vou fazer nada? O que farei? Eles estão querendo descobrir meus limites e ver se tem algum ponto onde possam controlar e manipular meu comportamento. Se eu perder a calma, eles ganharam e estão me controlando. Se eu não fizer nada, eles entendem que podem mudar as minhas regras para suas vidas sem consequência alguma. Desde muito novos até o presente, eles me testam para descobrir meus limites. Já vi famílias onde uma criança de três anos controla completamente seus pais. É quase cômico, e os psicólogos dizem que desejam atenção. Acho que não é bem isso, pois o que buscam é o controle. Os pais são tão manipulados que as crianças determinam o humor da casa em cada momento. Os pais são marionetes nas mãos delas. Qualquer coisa que as crianças querem pode ser conseguida simplesmente pelo fato de os pais serem facilmente manipulados. No fim do dia, os pais culpam o amor que tem pelos filhos como o motivo pelo qual são tão facilmente manipulados.
A desvantagem neste jogo é que, por um lado, o pequeno Billy pode ser capaz de controlar seus pais, por outro lado tem uma sensação de que os pais que são facilmente manipulados são pais que não amam os filhos. Como todos nós, eles têm a verdade escrita em seus corações, que diz que o amor não pode ser facilmente manipulado. Ironicamente, eles testam e tentam isso, mas o que os filhos buscam são pais firmes que não deixam ser controlados. Os filhos não vão entregar seus corações a pais que possam ser controlados. Eles precisam de algo mais forte que um pai gritando e nervoso, ou um mãe preocupada e soluçando. Eles buscam algo maior que eles e, até que encontrem, não vão compartilhar a si mesmos. Por esta razão que os filhos que manipulam os pais acabam por desrespeitá-los.
Os pais também tentam manipular seus filhos, e usam o medo ou vergonha, e até mesmo a culpa, para conseguir a obediência deles. Ameaça de dor ou punição, ou de reter o amor ou afeto, são sempre usadas contra os filhos. Qualquer que seja a técnica, a essência é a mesma, pois vem de um coração que não compreende a verdade sobre o amor. Somos uma sociedade de pessoas que dominam a arte de apertar o botão certo nos outros a fim de conseguir o que querem. Infelizmente, nunca sentimos segurança nos relacionamentos e, sem isso, ficamos vazios e sozinhos. Algumas pessoas são especialistas em manipular as outras e, sempre que ouvimos sobre isso, temos uma grande lista de pessoas que se enquadram nesta categoria. Basta pegar um catálogo das grandes lojas, ou ligar a televisão, que vamos ver que somos uma nação que gosta de ser manipulada. Não sinto bem em ver mulheres que, pelo falso entendimento de que o amor é facilmente manipulado, se prendem em experiências degradantes e relacionamentos abusivos, onde se sentem “amadas” por um homem louco e sem domínio próprio. Muitas mulheres abusadas assumem que propositalmente provocaram essa atitude no homem por ser a única forma de “amor” que conhecem.
E te digo que é através desta lente quebrada que vemos a Deus atualmente. Fomos ensinados que é sendo manipuladores que receberemos resposta às orações. Muitos cristãos gastam a vida inteira tentando descobrir o código certo do controle remoto que faz com que Deus faça tudo o que eles querem. Agimos de acordo com o que pensamos que Deus quer ver e ouvir, na esperança de iludi-lo a fazer tudo em nosso favor. Algumas pessoas citam versículos bíblicos quando falam com ele, para parecerem superespirituais, e conseguirem a resposta que desejam. Outros choram e demonstram sofrimento para que Deus se sinta incomodado e atenda suas orações. Esta é a forma que os experts em oração ensinam como a maneira certa de manipular Deus e obter seu favor. Existe beleza e autenticidade quando pessoas sinceramente choram durante suas orações. Quando uma forte emoção vem quando alguém quebrantado está clamando a Deus por cura e consolo, Ele realmente se move. Contudo, é muito comum alguém estar fingindo uma emoção no esforço de manipular a Deus. Lemos que Deus deseja que entremos em sua presença com ousadia, então agimos com a melhor ousadia que sabemos fazer. Aprendemos que Deus deseja um coração quebrantado. Então fazemos o nosso melhor para demonstrar humildade diante dele. Ouvimos que Deus é um Deus apaixonado. Então erguemos nossos braços e nos esforçamos para demonstrar nossa paixão por ele. Quando tudo isso falha, nossa última cartada é citar as escrituras para Deus, a fim de “legalmente” forçá-lo a fazer o que estamos querendo. Da forma que entendemos, Deus poderia colocar os céus no piloto automático e sair de cena. Falamos abertamente que Deus, muitas vezes, não tem escolha. Se está escrito em sua palavra, ele tem que fazer. Tentamos de todas as formas manipular, controlar e forçar nosso Deus a fazer o que queremos, mas no fundo de nossos corações precisamos que ele seja mais forte do que nós. Pensamos em Deus como aquelas máquinas que colocamos a moeda, digitamos o código certo e automaticamente sai o produto que queremos. Se tivermos fé, ele vai fazer. Se lermos um versículo bíblico, ele vai agir. Se dermos uma oferta, ele nos abençoa. Se tiver duas ou três pessoas concordando em algo, ele vai nos dar o que queremos. No final, temos milhares de ferramentas que supostamente manipulam Deus para agir em nosso favor. Oramos em nome de Jesus, citamos versículos fora do contexto e praticamos atos de bondade como se fossem botões de um controle remoto para manipular as ações de Deus. Forçamos o agir de Deus sem realmente ter um relacionamento com ele e conhecê-lo intimamente. Ao assistir um programa de televisão evangélico somos levados a crer que Deus faz qualquer coisa por dinheiro.
Muitos acreditam que Deus fica facilmente irado. Citamos passagens do velho testamento que descrevem a Deus como um vulcão prestes a entrar em erupção. Citamos passagens fora do contexto onde pessoas foram mortas e usamos esta evidência contra Deus. Usamos a ira de Deus para ameaçar as pessoas que estão pensando em sair da igreja ou fazer alguma coisa pecaminosa. Muitos cristãos acreditam que precisam de um Deus raivoso para manter a si mesmo e a outras pessoas na linha. Mas por que alguém vai acreditar que a crença em um Deus raivoso vai nos levar a santidade? Conheço pessoas que entram em pânico quando ouvem a mensagem da graça porque o que as afastam do pecado e de hábitos destrutivos está enraizado num medo da punição de um Deus irado. Quando a graça ameaça desmascarar este poder, eles se sentem abandonados e debaixo de um medo opressor sobre o que eles poderiam fazer.
O medo se tornou a cola que mantém a igreja institucional unida. Se os ministros eliminarem o medo, seus negócios desmoronam. Nossa fé em Deus é motivada pelo mesmo veneno. Espantosamente nós ouvimos que é santo temer a Deus. A maior parte do cristianismo é edificada sobre o medo do inferno, como se Deus nos desse uma oferta impossível de ser recusada: venha, ou será queimado! Se descobríssemos que o inferno foi oficialmente fechado, que cristão escolheria ter um relacionamento com Deus?
Eu cresci ouvindo que o Espírito Santo é facilmente entristecido. Esse Deus se parece com meu padrasto que, quando era contrariado, demonstrava seu desapontamento em tudo que eu fizesse de errado. Eu sempre sentia que tinha que pedir desculpas a ele o tempo todo. Eu me lembro de que ficava irritado quando o pregador dizia: “o Espírito Santo está aqui”. O auditório era encorajado a não sair da linha ou fazer nada de errado para não entristecê-lo, como se ele fosse se trancar no banheiro e chorar com grande desapontamento. Eu não gostava quando o Espírito Santo vinha sobre nós, para poupar os sentimentos dele e proteger seu sensível coração.
Deus não é facilmente provocado
Não se engane: Deus jamais vai virar seu rosto de você. Se Deus fizesse isto, ele teria uma mentalidade anticristã. Seus olhos estão sempre voltados pra você com expressão de amor. Nada que você fizer vai provocá-lo a virar as costas para você. Confundimos consequências naturais com bênçãos retidas. Se você não der nada, Deus não vai te amar menos que se você doasse tudo o que tem. Deus fica triste quando alguém tenta manipulá-lo dando os 10% exigidos, sem fazer isto com um coração alegre. Também se entristece com os que se consideram inferiorizados. Fomos ensinados a não esperar nada de Deus e que ele não vai nos abençoar se não pagarmos nosso dízimo.
Deus também não é provocado quando pessoas se metem em uma situação financeira perigosa em nome da fé. Muitas vezes a vida te brinda com uma situação de devastação, e a promessa do Pai é que vai te sustentar e te livrar. Entrar numa situação destas de propósito é tentar ao Senhor. Ele não precisa ser lembrado do que está escrito nas Escrituras, a fim de te abençoar. Ele tem um prazer contínuo de abençoar a quem ama.
Percebi que existem dois tipos de pessoas que podem ser consideradas sensíveis, mesmo demonstrando definições opostas. Alguns se ofendem tão facilmente que as demais pessoas andam pisando em ovos ao redor delas. Existem também aquelas sensíveis para as necessidades dos outros. Fico admirado com a maioria dos cristãos que enquadram o Espírito Santo na primeira categoria, e ficam temerosas em “entristecer o Espírito Santo”. O Espírito de Deus se enquadra na segunda definição, pois é sensível para as nossas necessidades. Ele espera o momento certo para falar e, quando fala, usa o tom certo e fala a coisa certa. Jamais se preocupe que você já tenha ferido o Espírito Santo. É extremamente difícil feri-lo, pois é uma pessoa maravilhosamente segura, e não pode ser provocado a sentir raiva ou tristeza. Suas emoções são estáveis, pois ele te ama e o amor não é facilmente provocado. Deus também não pode ser manipulado com nossas “ferramentas” espirituais.
O nome de Jesus também não pode ser usado como um grampo que abre qualquer cadeado no reino espiritual, e nem como um dente de alho para espantar os vampiros. O poder do nome de Jesus vem do relacionamento que você tem com ele. Somente no relacionamento que a essência do nome de Jesus pode encher o ambiente quando é falado por teus lábios. O mesmo acontece com a fé, e as ferramentas foram feitas como o aroma do relacionamento, e não como chaves para conseguirmos tudo o que quisermos. Acredite ou não, quando teu nome é falado por Deus, ocorre uma explosão de poder da mesma maneira. Deus não usa teu emprego, teus filhos, teu casamento, como ferramentas para te forçar a ter maior performance. O poder vem a partir do relacionamento. A fé vista pelas lentes do amor e do relacionamento com Deus se torna muito maior do que você poderia sonhar, algo bonito e transformador de vida. Então, nunca mais se preocupe ou pense que Deus possa ser facilmente manipulado.
Tradução livre e resumida do cap. 10 de Misunderstood God – The lies religion tells about God (O Deus mal compreendido – As mentiras que a religião conta sobre Deus), de Darin Hufford.
Respostas de 3
Eu tinha umas suspeitas sobre o Darin Hufford e depois que li este artigo confirmei; não gosto de discussões, canso rápido! Mas ele parece não ter uma ideia correta sobre a ira de Deus. Observem: ”
God did not send his only son to die because God was so offended by sin that he needed to whack somebody in order to feel better. A “sin offering” is not made to God. A sin offering is an offering made to sin. Sin is a beast that wants to devour us. Imagine you are camping in the wilderness alone and you come upon a grizzly. The moment that bear sees you and begins running toward you, I promise you this: you had better come bearing gifts! If you have nothing to offer that beast he will devour you. The sacrifice on the cross was essentially Christ throwing himself in front of the beast on your behalf and allowing it to consume Him while you escaped. Jesus did not die on the cross to satisfy God’s moral rage at your sin. He died to save you from the beast of sin. The death he died to sin once for all.”
~Darin Hufford, The Misunderstood God (Windblown Media, November 2009) pp 97-98. ISSO AQUI “Jesus did not die on the cross to satisfy God’s moral rage at your sin.”. Ele nega o ensino da substituição penal, da satisfação de um Deus irado, não só ele mas Lewis, Bell, A cabana, Wayne Jacobsen, Gondim,todo a ortodoxia Oriental e outros , tem um entendimento de Deus mais relacional. Eles pensam na morte de Cristo como um sacrificio de amor, um resgate pago a feiticeira branca ( na igreja chamam de teoria do resgate em contraposição a teoria da substituição penal) e não a um Deus Justo e irado, dizem que a ideia que Cristo pegou a penalidade de nossos pecados para Deus veio com santo Anselmo no final da idade média que adaptou a teoria da expiação ao sistema judicial Romana e que só a igreja Católica no ocidente e a protestante ( sua filha)ensinam a substituição penal ( de fato, tive um curso com padres ortodoxos e li uns debates, existe essa diferença).Loyd Jones tinhas altos debates com C.S.Lewis por isso, ele dizia que por Lewis não ser um teologo, ele tinha dificuldade em compreender a substituição penal!é muito sutil a diferença
é como se os dois grupos estivessem destancando apenas um lado da Cruz
mas temos que considerar a bondade e a severidade de Deus, não acham? to escrevendo isso, só pra trazer um outro olhar a questão, pra gente não jogar fora junto com o que agente chama de “religiosidade” Doutrinas Biblicas.
Marcondes, muito bom o teu comentário. Acredito que a maioria esmagadora dos cristãos nem vai entender o que voce escreveu. As vezes eu penso no que é feito, na prática, a partir das afirmações teológicas, quando um lider tem doutrinas preferidas e as enfatiza em detrimento de outras. Vivi toda a minha longa vida cristã ouvindo sobre o Deus irado, que deveriamos ser salvos de sua ira, e não do inferno, etc, etc – te confesso que o fruto não foi bom. A idéia dos escritores relacionais, citados por ti, me parece muito mais saudável e compativel com o propósito de Deus, quando afirmam que a ira de Deus é contra o pecado, “the beast that wants to devour us”, e não contra o pecador. Pessoalmente prefiro ter o relacionamento certo com Deus do que a doutrina certa. Conheço denominações com doutrinas perfeitas, mas que são zero de relacionamento com Deus e com os irmãos. Comparando com a bicicleta, é melhor sair andando e cair às vezes do que saber tudo sobre rodas, selim, corrente, raio, coroa, sem nunca ter andado.
Boa tarde, interessante que também tive experiências de lidar com um Deus irado e posso dizer que os frutos não foram bons. A Bíblia no diz que “o amor lança fora todo medo” e “o que tem medo não está aperfeiçoado no amor”
Creio que houve um grande engano feito pela religião de olhar para Deus como se fosse como nós, um Deus arrogante, prepotente. Mas só de ler esses trechos do livro de de Darin Hufford já estou vendo que precisamos sempre ler a Bíblia com o prisma de que “Deus é amor”.
Difícil de entender isso em certos momentos, mas o Espírito Santo nos capacita para termos um relacionamento com o Pai acima de qualquer método religioso que possamos ter.