Por: Miguel Piper
Miguel e Terry Piper são missionários norte-americanos no Brasil desde 1970. Em 1982, fundaram a Comunidade Cristã de Curitiba. No ano passado, 2011, fizeram uma transição, passando a responsabilidade de dirigir e presidir a equipe pastoral a outro casal. No artigo a seguir, Pr. Miguel comenta essa experiência e fala sobre princípios importantes para se fazer uma boa transição na hora de passar o bastão a um sucessor. Com isso, reforçamos ainda mais o tema que foi abordado na edição 71 da revista Impacto: “Preparando a Próxima Geração”.
Comecei como feto, nasci bebê e, desde então, já experimentei muitas transições. Passei de solteiro a casado e de pai a avô até chegar ao ponto em que estou hoje: alguém que é jovem há muito tempo! Minha fé é que Jesus voltará, e serei “transformado num abrir e fechar de olhos” para ser semelhante a ele na sua vinda. Aleluia!
Terry e eu fizemos a transição na Comunidade Cristã de Curitiba, passando o nosso bastão como pastores seniores a um querido casal de pastores, Luiz e Eliane Magalhães, que havíamos discipulado e acompanhado por vários anos. Entregamos o encargo oficialmente a eles no dia 2 de dezembro de 2011.
Fui despertado por Deus para iniciar o processo em 2009, durante a transição de um pastor amigo que estava com 79 anos. Ouvi alguém falar enquanto estava lá: “Ele esperou demais”. Na mesma hora, eu disse comigo mesmo: “Não quero esperar demais”. Logo em seguida, Pra. Terry e eu começamos a orar, a adquirir alguns livros e a entrevistar líderes de nossa confiança sobre a transição deles.
Tínhamos filhos naturais e espirituais que poderiam perfeitamente ser nossos sucessores. Porém, qual deles seria a escolha de Deus? Oração e convicção da vontade de Deus são chaves nesses momentos.
Somos muito gratos a Deus por ter-nos ajudado a fazer uma transição tranquila e bem-sucedida. A seguir, quero destacar alguns princípios nas Escrituras e algumas lições que aprendemos durante o processo que podem ajudar outros em sua jornada.
Padrão do Velho Testamento
Os patriarcas, reis e profetas ocupavam posições únicas, quase absolutas, e normalmente só passavam seu encargo para um sucessor quando estavam perto da morte.
Dentre os exemplos bons, podemos citar a passagem do patriarca Moisés para Josué (tirando o povo de Israel do Egito e conquistando a terra prometida), do rei Davi para Salomão (construção da casa de Deus) e do profeta Elias para Eliseu (ministério de milagres).
Temos, também, diversos exemplos negativos. Josué foi um incrível servo e líder na sua geração, mas falhou em não passar o bastão à geração seguinte, que não conheceu o Senhor (Jz 2.10). Eli foi o último dos juízes e falhou com seus filhos; sua linhagem sacerdotal, mais tarde, foi eliminada. Finalmente, podemos citar Salomão, que se desviou do Senhor, não preparou um sucessor que desejasse agradar a Deus e causou divisão permanente no reino de Israel.
Podemos concluir que a prática do Velho Testamento não é ideal para os nossos dias. Se um pastor esperar até adoecer ou morrer, ou até o rebanho estar definhando, para abrir espaço a um sucessor, ele pode bem deixar cair o bastão geracional de seu ministério.
Lembro que, quando anunciamos que iríamos passar o bastão do nosso ministério na igreja, um irmão me procurou depois da reunião e me disse: “Pastor, eu tinha certeza de que você ia esperar até que estivesse caindo, quase morrendo, agarrado no púlpito, para puxar um papel dizendo: Este é o meu sucessor; por favor, sigam a ele!”.
Padrão do Novo Testamento
No Novo Testamento, vemos outro tipo de quadro. Havia mais fluidez nos ministérios e ocorriam transições sem a morte do líder anterior.
João Batista foi aquele que introduziu o Messias e a Nova Aliança e deu o maior exemplo de como se deve fazer uma transição. Ele apontou para Jesus e o indicou como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, como aquele que batiza com o Espírito Santo e com fogo. Com isso, muitos deixaram João e seguiram Jesus, incluindo alguns de seus futuros apóstolos.
Este foi o princípio de João Batista: “Convém que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30). É também a chave para todas as verdadeiras transições.
Paulo foi outro que deixou um modelo positivo de transição, preparando a liderança da igreja em Éfeso para sua ausência e passando instruções para Timóteo (veja At 20.17-38; 1 Tm 1.3). Paulo sempre trabalhava em equipe, incluía continuamente pessoas novas para ampliar a equipe e treinava e motivava seus filhos na fé, Timóteo e Tito (At 11.25,26; 13.1-3; 14.21-23; 15.40; 16.1-3; 2 Tm 2.1,2).
Princípios de uma transição ministerial bem-sucedida
Numa corrida de “revezamento”, o momento mais crucial é quando um atleta passa o bastão para o próximo corredor. O primeiro precisa colocar o bastão na mão do segundo, enquanto os dois correm lado a lado, segurando o bastão juntos por um curto tempo até que o segundo assuma a corrida sozinho. O desafio é passar o bastão adiante sem deixá-lo cair, dentro do espaço permitido e sem perder velocidade nem tempo.
I. A Escolha do Sucessor
1. A direção do Espírito Santo é fundamental na escolha da pessoa que tem os dons e ministérios certos para a próxima conquista da igreja. Dons ministeriais e dons do Espírito Santo são importantes, como por exemplo: o dom de presidir, a palavra de sabedoria, o dom de fé, o ensino e vários outros que podem ser necessários dentro do mix do novo ministro.
2. Outro aspecto importante é analisar o caráter, a competência e a compatibilidade com a cultura da igreja. A cultura é composta de história, tradições e personalidade coletiva. Escolher um sucessor de dentro da igreja é melhor porque já conhece a cultura. Assim como o corpo físico pode rejeitar um órgão transplantado, um corpo local pode rejeitar um ministro que venha de fora.
3. Deve haver um processo de confirmação, começando com o próprio pastor sênior, passando pelo presbitério ou corpo de pastores e obreiros até chegar ao povo.
4. Deve-se tomar cuidado especial quando o sucessor é filho natural do sucedido. Nesse caso, o desafio de passar o bastão é maior, pois envolve a dificuldade de confundir os papéis de pai e pastor. Alguns pais podem achar que o filho é maduro e apto, quando não o é. Outros podem ter tanto receio de estar dando preferência injusta a um filho que o deixam de fora do ministério quando, de fato, ele está pronto para assumi-lo.
O desafio do pai é preparar o filho que já conhece muito bem, em todas as suas falhas pessoais e ministeriais. O desafio do filho é saber como se relacionar; se é com o pai, que está corrigindo um defeito em sua função familiar, ou se é com o pastor, que está preparando um discípulo para assumir seu lugar na obra de Deus.
A familiaridade e o conhecimento natural podem impedir o respeito, o reconhecimento e a honra de ambas as partes. Os dois terão de praticar o perdão e a reconciliação constantemente.
5. A missão maior da igreja, os valores e o DNA devem ser preservados. O sucessor precisa crer e estar comprometido com a missão específica da igreja local. Por exemplo, Moisés confiou a Josué a missão de levar o povo a conquistar a terra prometida. Davi confiou a Salomão a missão de construir o Templo.
Todo ministro, seja qual for a sua área, precisa ser capaz de colocar no papel a direção e o alvo de Deus para sua função específica na igreja. O pastor sênior precisa fazer o mesmo para a igreja local como um todo. Uma transição não deve mudar a direção da igreja. Modelos mudam, mas a missão maior, os valores e o DNA da igreja não devem ser alterados.
O novo líder precisa enxergar-se como quem está entrando numa corrida já iniciada, fazendo parte da continuação de algo a ser completado no futuro. É uma corrida de revezamento que já dura séculos e que só terminará na volta vitoriosa de Jesus. Nenhum corredor está livre para fazer o que bem entende ou iniciar algo totalmente diferente. Todo bom líder aprende primeiro a seguir. Paulo diz: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo” (1 Co 11.1).
II. O processo de transição
1. Não se deve passar o bastão de forma precipitada, cedo demais. O próximo líder pode não estar pronto ainda, o que resultará em perda de impulso e dinâmica no avanço da igreja. Há um tempo certo para todas as coisas; o timing é muito importante, conforme se vê em Eclesiastes 3.1: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu”. Um aspecto importante no timing é não divulgar o nome da pessoa antes da hora. Um princípio importante que nos ajudou bastante é este: as pessoas vão se qualificando ou desqualificando e, neste quesito, o tempo é nosso colaborador. Se você revelar o nome da pessoa antes da hora, poderá complicar muito o processo.
2. Numa corrida de revezamento, por alguns instantes, os dois corredores permanecem juntos dentro da “zona de passagem”. Ambos seguram o bastão até o momento em que um o soltará, deixando o outro livre para continuar. São apenas segundos numa corrida. Porém, quanto tempo é necessário para fazer a transição numa igreja ou ministério? Dependerá das pessoas envolvidas, do relacionamento entre elas e da orientação do Espírito Santo. Conhecemos uma igreja bem-sucedida que levou três anos; outra levou apenas um.
Na nossa comunidade, fizemos a transição em menos de um ano. Muitos autores consideram o período de dois anos um tempo adequado. O conceito de João Batista em relação a Jesus se aplica bem aqui: “Convém que ele cresça e que eu diminua”. Transições não devem ser abruptas, e sim uma progressiva entrega de tarefas, autoridade, responsabilidade e visibilidade no ministério até que o sucessor esteja fazendo tudo, e o povo consiga reconhecê-lo.
3. Os futuros líderes devem passar por um período de preparação. Muitas empresas praticam um processo em que candidatos são encaminhados a diversos departamentos para conhecer todo o funcionamento da empresa. Essa prática os prepara para um possível futuro na liderança plena da organização. Nossos sucessores na Comunidade Cristã de Curitiba são exemplos perfeitos desse processo. Eles já haviam servido como office-boy, secretária, ministro para jovens, na administração da igreja, como parte do presbitério e como missionários no Uruguai por cinco anos.
4. Seu sucessor não será uma réplica sua. Ele terá outros dons do Espírito e outros dons ministeriais. Precisamos lembrar que fazemos parte de uma obra progressiva de Deus para trazer seu reino a este mundo. Você fez a sua contribuição a essa obra, e agora Deus quer acrescentar algo diferente por meio de seu sucessor.
5. O pastor a ser sucedido deve estabelecer um processo de transição que leve em conta estes aspectos: sua idade, eficácia no ministério, nível de energia, o bem-estar ou não da igreja (ela está crescendo, diminuindo ou estagnada?). No lado do sucessor, devemos examinar a idade, a experiência ministerial e até que ponto ele conhece as diversas facetas da igreja.
6. Princípio fundamental de uma transição bem-sucedida: o líder sucedido precisa dar espaço, até ausentar-se se necessário, para que o presbitério e a igreja possam entregar-se plenamente ao sucessor.
Jesus usou esse princípio: “Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7).
A síndrome de “controle remoto” (líder se afasta, mas continua controlando as coisas de longe) impede qualquer inovação no ministério e qualquer possibilidade de sucesso da parte da nova liderança.
O verdadeiro objetivo da liderança é reproduzir-se. O papel do sucedido é cooperar para ver o êxito do sucessor. “Não há sucesso sem um sucessor que logre sucesso.”
Para soltar o bastão, é necessário ter “segurança interna”, saber que seu valor e significado não vêm de uma posição ou título, e sim de quem você é em Deus.
É importante que o sucedido tenha um plano, um novo foco ministerial e ou de vida pós-transição. Algumas possibilidades: (1) abandonar a função de pai espiritual e assumir a de avô, ou seja, deixar de ter envolvimento direto e ficar apenas à disposição para dar conselhos provenientes da experiência acumulada ao mesmo tempo em que desfruta de mais espaço para curtir o que Deus já fez ao longo dos anos; (2) dedicar-se a viagens ministeriais, escrever livros e exercer paternidade sobre as igrejas que o reconhecem.
Há muitas opções, mas é preciso haver planejamento. Sucesso não é só concluir uma tarefa magnífica; é cumprir o propósito de Deus a cada momento e a cada fase da vida. Qual é o “novo sucesso” que Deus está lhe preparando?
7. A importância da honra. Os líderes que estão recebendo um ministério precisam reconhecer que é essencial honrar aqueles que lhe entregaram o encargo. Quando percebemos que recebemos algo que começou antes de nós e que poderá ir muito além de nós (se fizermos a vontade de Deus), desejamos honrar nossos antecessores.
Quando os sucedidos são honrados, torna-se mais fácil para eles “abrir mão” da posição. Isso, por sua vez, facilita ao novo líder continuar honrando o antecessor, gerando respeito mútuo e apreciação.
É muito lindo – e sinal de sucesso na transição – quando um sucessor chega ao ponto de alimentar na Palavra o antecessor ou pai espiritual. O ciclo se completa. Somos gratos pelo relacionamento com os novos pastores Luiz e Eliane Magalhães. Nós os consideramos nossos pastores.
Conclusão
“Esforce-se para saber bem como suas ovelhas estão, dê cuidadosa atenção aos seus rebanhos, pois as riquezas não duram para sempre, e nada garante que a coroa passe de uma geração a outra”(Pv 27.23-24). Fazer bem a transição é ter cuidado do rebanho; não é só uma questão pessoal ou ministerial. Nem é uma escolha opcional; é essencial para poder dar continuidade ao plano de Deus na geração futura.
Se você tem 50 anos de idade ou mais, já deveria estar preparando-se em oração, vendo possíveis candidatos, provando bem o caráter deles, experimentando-os em diversas áreas da igreja e verificando como se relacionam com quem está acima e abaixo deles na estrutura hierárquica.
Minha oração é que Deus dê a cada pastor sênior e a cada líder de ministério coragem, graça e sabedoria para passar o bastão com êxito à próxima geração no tempo certo.
Respostas de 2
Muito edificante e inspirador.
Muito bom esse artigo. Parabéns aos pastores que preparam sucessores.