Por: Angelo Bazzo
Quando falamos sobre mudança de regras na forma de Deus agir na Terra, várias dúvidas podem surgir. Além da nossa própria resistência humana a mudanças, que é natural, podemos argumentar com base na natureza de Deus. Um de seus atributos essenciais não é imutabilidade? Foi ele mesmo quem afirmou: “Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos” (Ml 3.6).
Se Deus não muda, como podemos falar em mudança de regras?
A primeira coisa que precisamos entender é a diferença entre a essência e a economia de Deus. A essência fala do que Deus é, daquilo de que ele é “feito” (guardadas as devidas limitações da palavra feito). Deus é essencialmente imutável. Já a economia indica o plano de Deus, a maneira como ele age. Essa palavra economia vem da passagem de Efésios 1.10, que fala a respeito da “dispensação da plenitude dos tempos”. Na maioria das versões em português, a palavra grega oikonomia é traduzida como “dispensação”. Porém, o significado real da palavra é bem diferente: refere-se às leis de administração de uma casa, da forma como ela é governada.
Portanto, essência trata de quem Deus é; economia, daquilo que Deus faz. Essência fala dos atributos de Deus; economia, das obras de Deus.
Quando falamos em mudanças de regras, estamos olhando para o aspecto econômico de nossa relação com Deus. Deus jamais mudará na essência. Entretanto, no aspecto administrativo, na forma como desenvolve sua estratégia, ele pode mudar porque isso faz parte de uma etapa prevista em seu plano e, também, em virtude de sua interação com o homem, com nossas reações às suas iniciativas.
PROPÓSITO
Aprofundando-nos um pouco mais nessa questão, vamos examinar um texto do sábio Salomão: “Porque para todo propósito há tempo e modo” (Ec 8.6). Encontramos aqui três realidades espirituais: propósito, tempo e modo. Vamos falar um pouco sobre cada um e aplicar os princípios a esse contexto de mudança de regras no plano de Deus.
Em primeiro lugar, vem propósito. O propósito de Deus é o alvo; constitui o objetivo e a direção de tudo o que ele faz. Todas as coisas são avaliadas de acordo com o foco do seu grande desejo: “segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). E também: “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28).
Algumas pessoas pensam que essa última passagem promete que todas as circunstâncias serão favoráveis em nossa vida. Mas não é isso o que ela ensina; o texto diz que, mesmo nas piores circunstâncias, Deus está trabalhando para cumprir em nós o seu propósito, o que, mesmo quando não parece, é para o nosso bem.
Podemos encontrar nas Escrituras várias expressões do alvo que Deus determinou como seu propósito. Uma delas está em Romanos 8.29: “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos”.
Em tudo o que Deus faz, ele está trabalhando para conformar seus filhos à imagem do Filho primogênito.
TEMPO
O segundo elemento na equação é tempo. Embora Deus tenha definido um propósito bem claro, ele não o realiza de forma imediata.
No mesmo livro de Eclesiastes, encontramos outra vez propósito e tempo: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu” (Ec 3.1).
Assim como há tempo para todo propósito humano, Deus também age dentro dessa dimensão para desenvolver seu plano na Terra. Você já se perguntou por que Jesus não veio para morrer pelos pecados da humanidade logo após a queda de Adão em Gênesis 3? Não podemos saber a resposta exata, mas certamente tem a ver com a realidade de tempo e estações, do momento oportuno, da sincronização de diversos requisitos e processos de preparação.
Quando Paulo escreveu aos tessalonicenses, ele usou duas palavras diferentes para se referir a esse elemento do tempo: “Irmãos, relativamente aos tempos e às épocas, não há necessidade de que eu vos escreva…” (1 Ts 5.1).
A palavra para “tempos” no grego é chronos, da qual vêm palavras em português como cronologia e cronograma. Ela tem a ver com a sequência normal do tempo em que a História se desenvolve.
A segunda palavra é “estações” ou “épocas”, que no grego é kairós. Em contraste com chronos, kairós tem o significado de uma oportunidade especial dentro da História. Um exemplo disso foi o nascimento do Senhor Jesus. Dentro da passagem normal do tempo e das gerações, surgiu um momento único, uma intervenção especial. Veja como esse momento foi descrito em Gálatas 4.4: “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher…”. Durante a passagem normal da sequência do tempo, houve um momento de plenitude e grande oportunidade.
Outra ilustração pode ser encontrada na agricultura. Existem 365 dias dentro do chronos ou tempo normal do ano. Mas, para cada tipo de semente, há um tempo certo, um kairós ou estação, para ser plantada e para ser colhida.
Portanto, Deus tem um propósito, que foi concebido antes da existência do tempo, e que agora está sendo desenvolvido dentro da cronologia normal da História. Porém, esse propósito não acontece de uma vez nem de maneira uniforme ou previsível. Acontece de forma mais intensa em momentos ou oportunidades específicas, quando as condições estão maduras (do ponto de vista divino!), e passos especiais são dados. Esses momentos especiais são estações, tempos kairós de intervenção divina e de mudança de regras!
MODO
Chegamos agora ao terceiro fator, que é o modo. Para falar sobre modo, precisamos compreender mais uma distinção importante: entre propósito e plano. O propósito, como já vimos, é o alvo final, o objetivo de todas as ações de Deus. Já o plano é o meio, o processo que conduz ao fim desejado.
O plano de Deus (sua forma de administrar, ou seja, sua economia) pode sofrer variações, pois é necessário que haja correspondência da parte do homem. O propósito, por essência, é imutável, enquanto o plano sofre variações. Essas variações dentro do plano são o que chamamos de modo.
Resumindo: o propósito é o ponto aonde Deus quer chegar; o tempo é quando Deus vai chegar;
o plano ou modo é como Deus vai chegar.
Exemplo bíblico de mudança de modos: lei e graça
Talvez, a mudança mais forte que temos registrada no relato bíblico seja a da lei para a graça. No entanto, podemos verificar que, mesmo sendo bem diferentes um modo do outro, o propósito divino nunca mudou.
Em Gálatas, encontramos uma análise muito clara dessa mudança e da imutabilidade do propósito de Deus. Em primeiro lugar, Paulo afirma que Abraão experimentou a graça antes da vinda da lei: “É o caso de Abraão, que creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça” (Gl 3.6; veja também Rm 4.10-13).
Depois, ele mostra que a lei, que veio posteriormente como novo modo de Deus trabalhar com seu povo, não invalidou o modo anterior: “E digo isto: Uma aliança já anteriormente confirmada por Deus, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois, não a pode ab-rogar, de forma que venha a desfazer a promessa” (Gl 3.17).
Finalmente, ele explica como Deus agora trabalha usando um modo diferente que ele chama de fé: “Mas, antes que viesse a fé, estávamos sob a tutela da lei, e nela encerrados, para essa fé que, de futuro, haveria de revelar- se. De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio” (Gl 3.23-25).
Veja, portanto, que qualquer novo modo de Deus agir nunca será uma contradição ou anulação do modo anterior. “É, porventura, a lei contrária às promessas de Deus? De modo nenhum!” (Gl 3.21).
Em síntese, podemos dizer que Deus sempre desejou salvar o homem por meio da graça. No desdobramento de seu propósito dentro do tempo, novas estações vieram trazendo uma nova etapa do plano com a qual o homem podia corresponder ou não. De acordo com o tempo, a etapa do plano e a interação com a resposta humana, Deus estabelecia um novo modo de agir. Nenhuma mudança, porém, altera o propósito divino, que permanece sempre o mesmo.
O DESAFIO
Embora Deus seja soberano nessas mudanças, as Escrituras nos exortam em vários lugares a estarmos atentos, pois podemos correr o risco de ficar de fora ou de tentar caminhar em direção oposta, mesmo quando estamos tentando manter aquilo que Deus já mostrou no passado.
Veja alguns exemplos bíblicos.
Dentre as pessoas que Deus levantou de cada tribo para apoiar Davi no estabelecimento de um governo de acordo com a vontade divina, havia um grupo especial: “… filhos de Issacar, conhecedores da época, para saberem o que Israel devia fazer…” (1 Cr 12.32).
Davi precisava de homens que ajudassem o restante do povo a entender as épocas, para saber quando seria o momento para alguma mudança de rumo ou modo de agir. Esses homens sabiam discernir o tempo, entendiam que o tempo do governo de Saul havia acabado, que chegara a hora de um novo tipo de governo. Eles discerniram o momento certo no plano de Deus e souberam alinhar-se com ele.
No evangelho de Lucas, vemos um exemplo negativo de um povo que não soube perceber a hora de Deus e que, consequentemente, perdeu a oportunidade kairós que estava diante deles. Ouça as palavras de Jesus e a dor em seu coração:
Quando ia chegando, vendo a cidade, chorou, e dizia: Ah! Se conheceras por ti mesma, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto está agora oculto aos teus olhos. Pois sobre ti virão dias em que os teus inimigos te […] arrasarão e aos teus filhos dentro de ti […] porque não reconheceste a oportunidade [ou tempo, kairós] da tua visitação” (Lucas 19.41-44).
Havia chegado um tempo propício para Jerusalém, mas a mentalidade do povo não conseguiu reconhecer o Messias. Por não haver discernimento profético, o povo continuou atuando de acordo com o modo antigo, sendo que Deus já estava partindo para algo novo, cumprindo as promessas que fizera há longos séculos. Os resultados da incapacidade de percepção foram desastrosos.
Em outra ocasião, Jesus falou duramente com os líderes religiosos, dizendo que era absurdo eles terem capacidade de prever o tempo (se ia chover ou não), e não serem capazes de discernir “os sinais dos tempos” (das oportunidades, das mudanças, do kairós – Mt 16.2,3). Todos nós somos extremamente hábeis para saber como nos preparar quando as condições do tempo climático mudam. Jesus está dizendo que deveríamos ter a mesma capacidade de discernimento em relação às mudanças nas estações do plano de Deus. Ele não acha “normal” não sabermos como acompanhar e entender tais momentos cruciais no desdobramento do plano divino.
Paulo também achava que a igreja como um todo tinha plena capacidade de entender “os tempos” (chronos) e “as épocas” (kairós) do plano de Deus, tornando até desnecessário que ele lhes explicasse tais coisas (1 Ts 5.1-2). Eles deveriam estar “inteirados com precisão” de tudo isso.
O fato de vermos tudo isso com certa estranheza mostra o quanto estamos longe da condição ideal como igreja. Se não estamos “inteirados com precisão” dos tempos e das épocas, não estamos fazendo nossa lição de casa e, portanto, nem sabemos onde estamos atualmente em relação ao objetivo final de Deus para nós. Se perdermos o momento atual, não teremos desculpas!
É nosso chamamento e responsabilidade estar preparados para esse tipo de oportunidade. Vamos acordar, investigar melhor o momento que estamos vivendo e ficar abertos para o que o Espírito está dizendo às igrejas!
UM PARADIGMA HISTÓRICO
Um exemplo do modo diferente de Deus trabalhar em tempos diferentes é a relação entre a Igreja Católica, a Igreja Protestante e a Igreja Carismática.
No tempo da Idade Média, se não houvesse a Igreja Católica para preservar a Palavra escrita nos mosteiros, nunca teríamos a Bíblia em nossas mãos hoje. Naquele tempo, o modo de Deus trabalhar era nos mosteiros, visando à preservação da Palavra escrita.
De dentro dos mosteiros, surgiu um homem com uma Bíblia que revolucionou a História. Seu nome era Martinho Lutero. Ele pegou a Bíblia guardada nos mosteiros e começou a pregá-la e traduzi-la. Dessa forma, um novo modo e um novo tempo tiveram início. A esse modo, chamamos Igreja Protestante.
Tempos depois, alguns entre os protestantes observaram que deveriam experimentar de forma subjetiva as promessas contidas na Bíblia, conservada nos mosteiros e traduzida por Lutero. Essa experiência é chamada em alguns círculos de batismo no Espírito Santo. A partir daí, houve um novo modo para um novo tempo. A esse modo, chamamos de Igreja Pentecostal/Carismática.
Nos dias de hoje, o Senhor novamente está fazendo algo diferente, uma nova mudança de regras. Assim como os protestantes mostraram a muitos católicos novas formas de viver a fé, e assim como os carismáticos mostraram aos protestantes e católicos um novo modo de operação divina (abrindo caminho para experimentarem entre si uma verdadeira comunhão e união no Espírito), da mesma forma, nos dias de hoje, há um novo tempo sobre nós. Estamos sendo chamados a discernir esse novo modo de Deus trabalhar para que alcancemos seu propósito dentro da nossa geração.
“Não vos lembreis das coisas passadas, nem considereis as antigas. Eis que faço coisa nova, que está saindo à luz; porventura, não o percebeis? Eis que porei um caminho no deserto, e rios no ermo” (Is 43.18,19).
Ângelo Bazzo é gaúcho, casado com Carolina Sotero e atualmente reside em Monte Mor, SP. Faz parte da equipe do CPP (Curso de Preparação Profética) e se dedica ao levantamento da geração que verá a volta de Jesus.
Respostas de 4
Grande revelação! Clara, objetiva, de fácil entendimento por todos os que lerem, mesmo os neófitos! Que Deus te abençoe, Angelo!
Ótimo texto! Muito edificante.
Ótimo texto. Só uma dúvida: à luz de Lc 19, 41-44, não era necessário que Cristo viesse, padecesse e morresse? Pq então, a “surpresa” de Jesus?
Boa inquirição.