Por Jamê Nobre
As revoluções têm como característica mudar algumas partes do todo, mas, no geral, tendem a alterar a forma sem alterar o conteúdo. A reforma trabalha na essência, mudando os fundamentos.
Por exemplo, Lutero apresentou suas teses, entre as quais a do sacerdócio universal dos santos e da salvação pela fé. Isso tocou nas bases doutrinárias do catolicismo. Por isso foi uma reforma.
A ida da igreja para as casas não é uma revolução, pois não se trata de uma mera mudança na maneira ou no local de reunião. Esse mover de Deus trata de uma reforma profunda na visão, na prática e na experiência do povo de Deus. Antes de efetuar mudanças externas, portanto, temos de trabalhar com base em princípios e fundamentos.
O fundamento primordial tem a ver com uma visão de Jesus, numa profunda revelação de sua Pessoa, de forma que haja transformação no indivíduo. A consequência disso é uma mudança no entendimento do que é a igreja de Jesus. Se formos para as casas sem uma visão correta de igreja, cada casa será uma pequena denominaçãozinha, independente e autônoma. Cada um de nós pode ir para casa e ali formar um grupo à sua imagem e semelhança. E então ele se torna a melhor e mais bíblica motivação para as divisões.
O Modelo
Há um bom tempo, temos pensado e afirmado que o Novo Testamento não fornece um modelo de estrutura para a igreja – nem nos evangelhos, nem nas cartas. Percebo que, até agora, temos procurado no lugar errado. Deus sempre trabalhou para a família e ao redor da família. Seu projeto foi abençoar as famílias da Terra. Seu desejo é ter uma família de muitos filhos semelhantes a ele. Ele é Pai.
Diante disso, a única estrutura que cabe nos projetos da igreja é a estrutura de uma família. A igreja deve viver como família, com pais, irmãos e filhos, e a única forma de alcançarmos isso é transformando nossa casa em igreja, não como forma de reunião, mas em manifestação do Espírito Santo na relação entre seus integrantes.
Para que a casa seja uma igreja, seus participantes precisam viver como igreja: os pais devem pastorear seu pequeno rebanho, a esposa e os filhos. Só assim ele terá condições de cuidar de mais gente à medida que o Senhor for acrescentando. Por causa disso, precisamos trabalhar no ensino sobre as funções dos participantes de uma família, o que passa necessariamente por dar um exemplo de vida.
A Dracma Perdida
“Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma, não acende a candeia, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la? E, tendo-a achado, reúne as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque achei a dracma que eu tinha perdido” (Lc 15.8,9).
A dracma era uma moeda de valor bem baixo. O que fez com que aquela mulher acendesse uma candeia (gastando combustível), varresse a casa e buscasse com tanta diligência a moeda que perdera, convocando amigas e vizinhas para festejar depois de encontrá-la? Em sua convocação, ela não diz que achou uma dracma perdida, mas a dracma perdida. Isso demonstra que as vizinhas e amigas já sabiam da perda, e que a dracma era especial. Especial por quê?
Uma interpretação assinala que era uma mulher pobre, o que se pode inferir pelo fato de ter de acender uma candeia, providência necessária numa casa sem janelas, escura, tipicamente pobre. Outra coisa é que ela mesma buscou a dracma, e não os empregados. E, por ser pobre, precisava muito encontrá-la.
A outra interpretação destaca que essa dracma fazia parte de um conjunto de moedas ligadas entre si, como um colar ou um diadema, que era usado por mulheres casadas (comprometidas); no caso de perder uma das dracmas, a mulher não poderia usar o símbolo de seu compromisso. Penso que esta interpretação é mais coerente com as outras parábolas de Lucas 15: uma ovelha no conjunto do rebanho, o filho e o irmão no conjunto da família. Em cada parábola, uma perda que deixou colar, rebanho e família incompletos.
O colar, ou diadema, representa o compromisso que a igreja tem com o Noivo. As dracmas representam os dons recebidos do Senhor, as atitudes e os frutos provenientes da conversão e da operação do Espírito Santo, os ministérios, enfim, coisas pequenas ou grandes que revelam uma vida comprometida com o Senhor, tais como dignidade, respeito, pureza, domínio próprio, humildade, disposição para servir, sobriedade, disciplina, submissão, coragem, integridade, fé, gentileza, dedicação, sobriedade, consagração, piedade, disposição ao trabalho, diligência, honestidade, delicadeza. Essas virtudes são recebidas no relacionamento com Deus e com as pessoas e podem ser perdidas.
Dentro de casa, perdemos a maior parte da nossa vida espiritual. É no convívio com os de nossa casa que se manifesta o que realmente somos. Ouso dizer que os chamados “confins da terra”, aquele lugar mais difícil de ser alcançado, são justamente o ambiente da casa, pois ali a autoridade é questionada, e a santidade, posta à prova.
Acabando com a esquizofrenia
Hoje, a igreja é o reflexo daquilo que são as famílias. Se a igreja está fraca, é porque as famílias ficaram fracas. Uma viagem de carro de casa para o local de reunião não tem o poder de transformação como pode parecer, quando pessoas egoístas e carnais subitamente passam a exibir um comportamento quebrantado e espiritual. Não podemos ser uma coisa em casa e outra no ambiente de culto.
Como numa esquizofrenia diabólica, vivemos dupla personalidade. E isso veio porque conseguimos dividir o indivisível. Separamos a vida da família da vida da igreja. Passamos a adotar práticas de vida diferenciadas. Quando estamos no ambiente da família, não temos a mesma atitude que demonstramos junto aos irmãos.
Esquecemos que, quando dois ou três estão reunidos no nome do Senhor, ele está presente. Esquecemos que, antes de sermos marido e mulher, pais e filhos, irmãos e irmãs, somos filhos de Deus e devemos viver como tais, para que nossas orações não sejam interrompidas. Muita oração é interrompida por causa da duplicidade de vida.
Igreja nas casas é a consciência de que somos pessoas espirituais, e se, antes nos conhecíamos segundo a carne, agora nos vemos segundo Deus.
Igreja nas casas é a transformação da vida de família em um ambiente de manifestação da vida de Deus e a consequente atração que a vida de Cristo opera naqueles que o encontram.
Pais e filhos na família da fé
Por último e como paradigma indispensável, temos de obedecer à última ordem de Jesus; de fazer discípulos. Uma igreja não pode subsistir como igreja sem cumprir esse mandamento do Senhor. Não podemos pensar no fazer discípulos como um ministério destinado a alguns ou aceitar a esterilidade como algo normal. É mandamento do Senhor que cada filho dele faça discípulos. Isso implica a prática do discipulado pelos pais da igreja na casa e, também, que eles próprios sejam discipulados. Cada chefe de família deve estar em íntima unidade com quem cuida de sua vida e ser discípulo fiel, para que, por sua vez, possa fazer discípulos dentro de casa. Não se pode cobrar algo de outros quando não se pratica o mesmo que está sendo exigido.
Não defendo uma estrutura hierárquica, mas a paternidade que deve ser reconhecida na igreja. Cada um de nós foi gerado por alguém ou adotado por alguém que é reconhecido como pai. O discipulado é a adoção de pessoas como filhos e não um sistema em que o discípulo é servo do discipulador, assim como a igreja não é serva de seus pastores e presbíteros. Ao contrário, aquele que cuida é servo do que é cuidado.
O que a igreja na casa não é:
– uma troca do lugar de reunião;
– uma reunião;
– uma simples melhora na estrutura;
– uma mudança de formas;
– o simples comer junto, pois o reino de Deus não é comida ou bebida.
O que a igreja na casa é:
– uma mudança na raiz da igreja;
– uma mudança de mentalidade de seus membros;
– uma restauração da vida de Jesus na família;
– acender uma candeia na casa com o fim de atrair os vizinhos.
Jamê Nobre mora em Jundiaí, SP, é casado com Irani e tem três filhas casadas, um filho e quatro netos. Ele dá assistência espiritual a diversas congregações no Brasil e no exterior.