Leia o testemunho completo da professora e tradutora Carla Walker a respeito das sutilezas entre ser diferente e fazer a diferença. Na revista impressa, só foi publicada uma breve introdução.
“O mundo jaz no maligno”, trecho do versículo 19 de 1 João 5, tornou-se um chavão muito ouvido no meio evangélico. Em outras palavras: o mundo está nas trevas, na escuridão. Outro trecho da Bíblia, igualmente famoso é: “Somos a luz do mundo”, o que significa que nós, cristãos, fazemos a diferença na Terra na mesma proporção em que uma lâmpada acesa o faz num cômodo escuro – ou pelo menos é que deveria acontecer.
A banda Coldplay, em um de seus shows no ano de 2012, deu ao público pulseiras luminosas controladas por computador. Durante a música “Charlie Brown”, cujo refrão diz: “E nós brilharemos no escuro”, as pulseiras acenderam, em cores diferentes, piscando no ritmo da música. Que visão incrível contemplar 50 mil luzes acendendo ao mesmo tempo, iluminando todo um estádio.
Quando vi o clipe na internet, fiquei imaginando como seria se todas as pessoas que se dizem cristãs simplesmente iluminassem o lugar onde estão. Que efeito isso não teria sobre o mundo todo? Que imagem incrível seria vista do céu… E quão melhor seria a vida aqui na Terra.
Porém, como poderemos ser essa luz nas trevas se estivermos sempre dentro da igreja, tentando passar despercebidos no trabalho e na faculdade, e nos mantendo ocupados com nossa programação cristã de final de semana?
Alienada na igreja
Quando fazia faculdade, todas as minhas amigas sabiam que eu era cristã e que frequentava uma igreja evangélica. Todos respeitavam minha decisão de seguir a Jesus e viam que eu era “diferente”. Mas nenhuma queria ser como eu. Ninguém tinha curiosidade de visitar a minha igreja nem de conhecer mais da minha fé. Na verdade, às vezes, eles tentavam me convencer a perder o controle um pouco, sair da minha zona de conforto e ser mais como… todo mundo! Minhas colegas constantemente me convidavam para festas. Aparentemente, não conseguiam acreditar que eu não bebesse e sempre tentavam me convencer a sair com algum rapaz da faculdade. Elas sinceramente acreditavam que o estilo de vida que levavam era melhor que o meu. Sempre achei que isso se dava pelo fato de que eu estava na igreja todo final de semana.
Eu nunca podia ir a festas de aniversários ou a qualquer outra comemoração porque estava ocupada com alguma programação religiosa. Minhas amigas nunca haviam pisado em uma igreja, mas tinham convicção de que a prática religiosa cristã aliena as pessoas. Porque era exatamente o que eu lhes transmitia. Elas nunca viram em mim uma pessoa em quem confiar ou com quem pudessem contar. Enxergavam apenas uma menina ingênua e sem vivência, uma imagem distorcida de quem eu era. Afinal, como elas poderiam saber quem de fato eu era e qual a diferença que Jesus fazia em mim se eu nunca estava junto delas?
Muitas vezes, nós nos envolvemos nos trabalhos e programações da igreja local e achamos que estamos servindo a Deus. Porém, acabamos nos perdendo em compromissos, e tudo o que conseguimos é uma espécie de segundo emprego: muitas obrigações e pouca visão do evangelho.
Nós nos preocupamos em mandar relatórios e organizar almoços para angariar fundos e nos esquecemos do propósito de tudo aquilo. É preciso encontrar um equilíbrio. Eu estou ali, servindo aos meus irmãos em Cristo. Enquanto isso, quem está lá fora, cuidando das pessoas que ainda não conhecem a Jesus?
Nós não precisamos frequentar os mesmos lugares que nossos amigos para convencê-los de que somos normais e não “crentes bitolados”. A questão não é ser parecido com eles. Mas acho que, para fazer a diferença na vida das pessoas, temos de participar da vida delas e deixar que elas entrem na nossa.
Muitas pessoas dizem que os evangélicos se acham “melhores” que os outros. Outras dizem que nos achamos os únicos merecedores do céu, mas que não sabemos que o inferno é melhor. Outras acham que já estamos no inferno, iludidos com a ideia de que algo possa melhorar. Segundo uma mulher sofredora que conheci, ela só não vai para o céu porque o céu não existe. Estão todos tão perdidos, cegos em meio à escuridão, tropeçando em meio a vultos e tentando traçar um caminho qualquer.
Diminuindo a intensidade da nossa luz
Há muitos anos, li um livro chamado Just Give me Jesus, de Anne Graham Lotz. Em um dos capítulos, a autora conta que, em noites quentes, quando deixava a luz da varanda acesa, muitos insetos se aproximavam e ficavam ali, rodeando a lâmpada. Ela não precisava colocar armadilhas ou fazer qualquer outra coisa para chamá-los; bastava acender a luz, e os bichinhos eram atraídos por ela. As vespas, em meio à escuridão, não são atraídas por mais escuridão, mas pela luz. Da mesma forma, as pessoas que hoje vivem na escuridão não são atraídas por mais escuridão, mas anseiam pela luz.
Muitas vezes, as igrejas querem desenvolver estratégias para atrair vidas, mas em vez de simplesmente acender a luz, tentam copiar o sistema de entretenimento do mundo. Um amigo do meu marido contou que estava sentindo-se vazio e tentou ir a uma igreja evangélica uma vez. Chegando lá, o louvor no culto dos jovens era como uma balada, com todas as luzes coloridas, som alto e jovens dançando. Ele saiu de lá frustrado. “Se eu quisesse ir a uma balada, eu teria ido a uma balada e não a uma igreja”.
Se você acender uma vela em um cômodo totalmente escuro, ela não vai iluminar o cômodo todo, mas vai fazer um círculo de luz ao redor, e você vai poder enxergar o que está logo à sua frente. Agora, se você pegar um saco e enchê-lo de escuridão, depois abrir o saco num cômodo totalmente iluminado, o que vai acontecer? Nada. A luz vence as trevas, e não o contrário. Porém, podemos diminuir a luz, ou até mesmo escondê-la debaixo de um pote, até que se torne apenas um leve brilhar que mal ilumina ao seu redor – mesmo que isso não faça sentido algum.
Se uma pessoa estiver totalmente no escuro há um tempo e você acender a luz subitamente, com certeza ela sentirá dor e incômodo nos olhos. Muitas vezes, somos ‘recusados’ e excluídos porque incomodamos as pessoas. Elas não querem sair do conforto em que seus olhos já se encontram na escuridão. Estão convencidas de que onde elas estão é melhor. Para que elas saiam dessa zona de conforto, precisamos orar por elas.
Eu li uma vez que apresentar a palavra de Deus para alguém sem antes orar por ele é como apresentar um arco-íris a um homem cego. Isso fez muito sentido pra mim. Porém, em vez de continuar orando para que essas pessoas não queiram mais ficar nas trevas, o que fazemos? Nós tentamos convencê-las de que não é tanto incômodo assim. “Ei, não se preocupe… Nós vamos diminuir a luz um pouco para que não incomode seus olhos.” E então começamos a fazer concessões.
Nós damos a entender que “tudo bem” se as pessoas ainda têm vícios e pecados do passado; “tudo bem” se as pessoas ainda mantêm um estilo de vida mundano. “É difícil” mudar drasticamente, é um “processo”. Por isso, vamos fazendo cada vez mais concessões para que as pessoas se sintam tão à vontade dentro da igreja como quando estavam no mundo – só que pelo menos agora elas têm a consciência limpa; afinal, elas estão ‘tentando’ aproximar-se de Deus. E essas concessões vão contagiando toda a igreja até tornar-se um novo padrão moral.
Não estou dizendo que devamos confrontar os pecados das pessoas que se acheguem a nós. É, de fato, um processo. À medida que andamos com Cristo, as coisas velhas ficam para trás e somos transformados. Todavia, não podemos agir como se o pecado fosse uma coisa normal e algo com o qual convivemos tranquilamente. Cada um tem o seu pecado de estimação, e nós fingimos que não o estamos vendo?
Não seremos contaminados se andarmos no mundo com aqueles que andam nas trevas. Se eu sou luz, serei luz onde quer que eu vá. A igreja toda se contamina ao tentar imitar o estilo de vida do mundo ao mesmo tempo em que se diz pertencente a Deus. Essa mistura é muito perigosa. Deixamos de ser o Corpo de Jesus e passamos a ser apenas mais uma religião de pessoas que tentam ser boazinhas.
Coisas que eu nunca vi funcionar
Festa junina crente. Balada gospel. Festa de Halloween cristã (essa é a pior; só falta colocar no convite: “Favor não usar fantasia sensual ou esotérica”). Rave gospel. Pior mesmo é quando ainda tem bebidas tipicamente alcoólicas, mas sem álcool. Às vezes, eu acho que a igreja age como a menina excluída da escola, tentando desesperadamente se enturmar com as “garotas populares”, dando festas, tentando parecer legal e por dentro do que está na moda.
Eu preferiria liberar festa junina, balada, Halloween, tudo ao mesmo tempo. Não estou dizendo que seja bom participar desses eventos, mas proibi-los e depois fazer uma versão menos legal da mesma festa não resolve nada.
Eu trabalho com adolescentes na igreja e tenho a oportunidade de presenciar várias situações corriqueiras. Por exemplo, houve uma ocasião em que algumas meninas de 13 a 14 anos não queriam se batizar, porque achavam que, assim que elas nascessem de novo, a vida delas estaria totalmente acabada. O velho homem morre e com ele morre toda a diversão. Uma me disse que não queria se batizar porque ela não conseguiria deixar de ouvir música secular. A outra, porque ainda queria ir a uma balada na vida. Outra, porque não estava pronta pra abrir mão dos namoradinhos. A ideia que essas meninas têm da vida cristã é de uma vida tediosa e chata, sem as diversões que o mundo sabe oferecer tão bem.
Meu único conselho foi decidir a quem vamos servir, para quem vamos viver. Falei que a vida com Cristo não é nem um pouco tediosa ou chata. Eu disse que Cristo veio para trazer liberdade, e não aprisionamento. A partir do momento em que permitimos que o Espírito Santo more dentro de nós, ele nos mostra as coisas que nos fazem bem e aquelas que não são tão boas assim.
Contei pra elas que, em muitos momentos, eu tive a oportunidade de fazer a coisa errada e não fiz, não porque fosse proibido, mas porque algo dentro de mim dizia que aquilo não seria bom. Se Deus nos ama, por que ele iria querer nos punir? E tudo aquilo que nos fará mal, o Espírito Santo nos direciona a não fazer. A vida cristã é um aprendizado, e nós começamos a nos moldar não porque existem regras e limites, mas porque somos transformadas e as coisas que pareciam ser superlegais já não parecem mais tão boas assim.
O mundo perde o brilho porque a verdadeira luz brilha em nós. Se os jovens das nossas igrejas ainda veem brilho nas festas do mundo, recriar festas na igreja não vai atrair nem os próprios jovens, quanto menos aqueles que estão nas trevas. Precisamos reacender a luz de Deus dentro de nossa vida e trazer perspectiva.
Muitas vezes, eu acordava no meio da noite e me assustava com algum “vulto” ameaçador no quarto. Quando acendia a luz, via que era apenas uma toalha atrás da porta ou uma pilha de roupas que ficou com o formato de uma pessoa num canto do quarto. No escuro, as coisas parecem ser o que não são. A luz revela suas verdadeiras formas. Da mesma maneira, a luz da palavra de Deus nos mostra que o que o mundo declara ser divertido ou agradável na verdade é apenas um vazio.
Como se acende a luz?
Muitas pessoas pensam que ser a luz do mundo é apenas pregar o evangelho publicamente ou confrontar pecados das pessoas ao nosso redor. Porém, nem sempre temos a oportunidade de falar abertamente de Jesus para nossos colegas de trabalho ou vizinhos. Acredito que o brilho de Deus em nós vá muito além de palavras: vem das nossas atitudes.
Em um seminário na nossa igreja, a pastora Cláudia Fajardo, da igreja Sem Muros na Colômbia, falou sobre ganhar as vidas com relacionamentos. Aquela palavra me marcou, porque ela falou sobre como Jesus ia à casa das pessoas, almoçava com elas e mantinha relacionamentos. Ela nos falou que o lugar de ganhar vidas é fora da igreja. Precisamos chamar as pessoas para tomar um café e ouvi-las. Precisamos ser um ombro amigo. E, em face de um problema, precisamos saber aconselhar – à luz da Palavra e em amor.
Ser luz nesse mundo tem muito mais a ver com o amor de Deus do que com o que falamos ou fazemos. Amar ao próximo é a coisa mais rara num mundo egocêntrico e humanista. Dentro da igreja, ouvimos muitas vezes o discurso: “Eu preciso pensar em mim” ou: “Eu tenho de amar a mim mesmo antes de amar ao meu próximo”. Será que já não pensamos demais em nós mesmos e nos esquecemos de cultivar relacionamentos nos quais o meu próximo seja tão importante quanto eu?
Nós não temos tempo e não fazemos questão de criar tempo. Esse ano, eu decidi trabalhar menos, ganhar menos e gastar menos, porque eu preciso passar mais tempo com as pessoas. Para mim, tem sido muito difícil dizer “não” a oportunidades de trabalho. Porém, se antes eu estava alienada na igreja, agora eu estava alienada no trabalho. Eu vejo que isso é uma estratégia das trevas: manter-nos ocupados demais.
Deus nos criou para vivermos em comunidade, e o diabo distorce tudo aquilo que Deus fez. As pessoas, tateando no escuro, tentam desesperadamente pertencer a um grupo, e nadar contra a maré não é um bom negócio. Ninguém quer ser o “do contra”. Os próprios cristãos preferem se omitir a contrariar.
Outro dia, uma colega de trabalho me perguntou se eu gostava do carnaval. Eu disse que não; ela disse que adorava. Ela me olhou, esperando alguma reação, e tudo o que eu pude dizer foi: “Bom, eu não odeio o carnaval, mas não participo e não gosto”. Eu apenas não queria ofendê-la, mas aquilo me deixou muito incomodada. Quase queria voltar a conversar com ela só pra dizer: “Pensando bem, eu quero refazer minha fala. Eu realmente odeio o carnaval”. Existe festa mais obscura do que essa? Eu vejo os carros alegóricos e fico com o coração triste e apertado de pensar que moro num país tão cheio de vida e, ao mesmo tempo, tão envolto em trevas.
E eu disse que “não odeio, apenas não participo”. Não é assim que a maioria dos crentes vive hoje? Não queremos incomodar e por isso não nos envolvemos. Preferimos nos omitir e deixar que as vidas se percam, sem nenhuma referência àquilo que é bom e agradável. Ao me omitir, eu a tratei com indiferença e, de alguma forma, foi como se o que ela fizesse ou pensasse não importasse para mim. Desde que ela não me incomode, eu não me importo com o que ela faz com a vida dela. Não é assim que a maioria pensa?
Esse não é o evangelho de Jesus Cristo. A Primeira Epístola de João diz que, se estamos na luz como ele está na luz, temos comunhão uns com os outros. Passamos a nos importar uns com os outros. Andar na luz é amar ao próximo. Independentemente da estratégia que a igreja utilize para atrair as pessoas, se a luz não estiver acesa, que diferença ela vai fazer? Quem é que, estando no escuro, vai ser atraído para outro cômodo escuro? E como vamos acender a luz se não agirmos com amor? Estamos tão envolvidos com nossos próprios dilemas e assuntos que nem sabemos o nome dos nossos vizinhos.
Muitas vezes, tenho vergonha de mim mesma por esquecer tão facilmente o que realmente importa: as pessoas. Elas têm um valor imenso para Deus, e quantas vezes nós simplesmente nem nos importamos com os outros. Eu peço a Deus, em minhas orações, que me dê mais amor. E, logo em seguida, eu me esqueço de orar pelos meus amigos. A verdade é que temos medo de amar ao próximo, porque não sabemos se podemos pagar o preço que isso vai nos custar. Sinto-me uma covarde quando eu penso a respeito disso.
Eu queria muito ser como a luz na varanda que atrai os insetos. Eu queria saber amar tão facilmente a ponto de deixar as pessoas à vontade para aproximar-se de mim, não porque sou importante ou melhor que qualquer outra pessoa, mas porque algo na minha vida as atrai. E depois, elas descobririam que o que de fato as atraiu foi a luz de Cristo – algo que elas também podem ter. E então elas também brilhariam.
Uma resposta
Texto muito abençoador, revelador, e que nos constrange a mudar de atitude. A ideia aqui pelo que pude perceber é mais um pouco da palavra que diz que devemos sempre estar na posição de inconformados com o mundo e seu modo de viver, mas em especial com o nosso “próprio mundo” e nossa, porque não dizer, estranha maneira de viver. Que o Senhor tenha misericórdia de nós, que sejamos transformados diariamente, ainda que isto nos cause dor, que sua luz brilhe em nós,e que possamos ter em nós a sua imagem refletida.