ENTREVISTA
Carolina Sotero Bazzo
Jamê Nobre tem 65 anos, sendo 42 dedicados ao ministério. Sua dedicação à obra do Senhor durante todo esse tempo pode ser resumida no objetivo de cooperar com a edificação da Igreja e no cuidado de pastores por todo o Brasil. Atualmente, morando em Jundiaí (interior de São Paulo), ele é um dos pastores de uma congregação que está em processo de unidade com outras três congregações diferentes, mas a sua atuação tem ido bem além disso. Seu trabalho tem alcançado muitos lugares, pessoas e ministérios diferentes, até mesmo fora do país, com ênfase maior na maturidade dos ministérios e do Corpo de Cristo. Casado com Irani, eles têm quatro filhos e seis netos. Jamê também é autor do livro Reflexões sobre Espiritualidade e Ministério, da Editora CCC, atual Editora dos Clássicos.
José Carlos Marion, 64 anos, além de atuar como professor e pesquisador em diversas faculdades brasileiras, tem exercido, há muitos anos, juntamente com a esposa Márcia Marion, o ministério pastoral. A última comunidade que fundaram e dirigiram em Jundiaí é uma das quatro congregações que estão em processo de unidade naquela cidade. Uma das características marcantes do seu estilo de liderança nessa comunidade, mesmo antes do processo de se unir a outras congregações, tem sido o empenho de incluir vários irmãos com dons e contribuições variadas como parte do ministério local. Atualmente, o casal tem-se dedicado intensamente em favor da unidade do Corpo de Cristo em nível global. José Carlos é autor de diversas obras, tanto na área acadêmica em que atua, quanto sobre temas espirituais. O livro mais recente que escreveu em coautoria com Márcia (O Segundo Toque – a Unidade do Corpo de Cristo e a Nova Evangelização, Editora APED) retrata os prejuízos da divisão na Igreja e a necessidade de um ministério de reconciliação para que haja verdadeira unidade entre os cristãos.
Diante do tema desta edição, a revista Impacto resolveu entrevistar Jamê Nobre e José Carlos Marion por entender que as experiências e, consequentemente, a maturidade dos dois têm muito a ensinar ao leitor sobre o que é, na prática, um ministério atual no estilo de Barnabé. Esperamos que o leitor seja edificado com as confissões, os ensinamentos e as perspectivas desses homens de Deus.
Revista Impacto – Quando você lê a história de Barnabé, todo o seu trabalho e a sua trajetória, o que mais lhe chama atenção?
Jamê Nobre – Em primeiro lugar, chama-me a atenção o fato de ele ser um homem comprometido com os pastores de sua congregação e, ao mesmo tempo, desprendido de seus bens(At 4.36,37). Barnabé foi capaz de tomar algo que era seu (um campo) e transformá-lo em bênção para a igreja, colocando todo o valor aos pés dos apóstolos. Vejo nele um homem com sensibilidade para discernir as necessidades e os necessitados e uma disposição de doação muito grande. Com sua maneira de agir, mostrou que se preocupava, mas que também agia, colocando sua vida à disposição do Corpo. Em segundo lugar, chama-me a atenção o fato de ele permitir que suas características influenciassem a igreja ao seu redor (At 11.24). Era um homem que tinha o respeito dos apóstolos, pois foi o enviado deles para atender uma igreja que estava começando.
José Carlos Marion – Ele é uma figura rara; é muito difícil encontrar hoje alguém com esse perfil. Parece que o estilo Barnabé não dá dividendos. Preferimos manter visibilidade, produzir resultados quantitativos.
Revista Impacto – Se Barnabé fosse transladado, do livro de Atos para os dias de hoje, que tipo de trabalho você acha que ele estaria fazendo?
Jamê Nobre – Penso que ele procuraria cuidar de pessoas solitárias, fazendo com que fossem agregadas ao rebanho. Faria o trabalho de junta e ligamento. Foi isso o que ele fez quando entendeu que precisava de ajuda; foi até Tarso, à procura de Saulo, e aproximou-o dos irmãos, tanto os de Antioquia, quanto os de Jerusalém.
José Carlos Marion – Barnabé estaria trabalhando na reconciliação do Corpo de Cristo. A igreja dividida é preconceituosa, crítica, soberba. Porém, Deus tem dado dons a todas. Barnabé estaria valorizando cada uma delas, reconhecendo que, apesar dos nossos erros na divisão, Deus não nos abandonou, mas tem dado dons sem arrependimento. Todas as denominações cristãs bíblicas têm virtudes.
Revista Impacto – Em sua opinião, qual a importância de um ministério no estilo de Barnabé na vida e na obra da Igreja?
Jamê Nobre – O ministério Barnabé tem uma função como a dos vasos capilares, que levam o sangue até as menores partes do corpo, as células, e recebem delas o sangue que precisa ser purificado. É um trabalho como o das abelhas que polinizam as flores, fazendo as plantas frutificar por meio daquilo que cada planta recebe e dá. É um ministério que faz com que a unidade da Igreja (além da cidade) aconteça pela interação entre as igrejas locais. Isso faz com que a graça de uma congregação supra a falta de outra congregação, fazendo-as crescer equilibradamente, sabendo que nenhuma igreja local (como também nenhuma pessoa individual) é suficiente em si mesma; jamais conseguirá subsistir sem o auxílio e a contribuição do Corpo de Cristo, dos outros membros e órgãos. Mas, hoje, o que atrapalha a operação desse tipo de ministério é a visão equivocada e prejudicial de que a igreja da localidade é tão completa como se fosse a Igreja de Cristo em sua totalidade.
José Carlos Marion – Toda divisão começa numa congregação em que haja disputas, desconfiança, medo, ciúme. O “Perfil Barnabé” defende que os dons se complementam, e todos são valorosos diante de Deus. Os dons seriam reconhecidos. Cada pedra viva que compõe o Corpo de Cristo (edifício) foi talhada por Deus. São pedras que se encaixam, umas mais visíveis, outras menos. O ministério Barnabé mostra a importância das pedras pouco notadas.
Revista Impacto – O que a Igreja no Brasil, por exemplo, está perdendo por haver pouca atuação de pessoas com esse tipo de ministério?
Jamê Nobre – A Igreja no Brasil perde a graça derramada na diversidade de cada parte. Precisamos compreender que Deus não dá o todo para uma igreja ou congregação. Uma parte será sempre uma parte e compreenderá parcialmente o amor de Deus. É a igreja toda que compreenderá todo o amor de Deus (Ef 3.18,19).
José Carlos Marion – Perdemos aquele que consola, encoraja, pacifica, reconcilia, que sempre converge para o perdão. As crises no Corpo existem sempre. Os Barnabés são aqueles que lembram o ensinamento de Jesus de perdoar 70 x 7. Fazem um trabalho de bastidores, de formiguinha. Discernem que alguma coisa não está boa com determinado irmão. Às vezes, eles descobrem por ouvir falar; outras vezes, simplesmente percebem. Eles vão atrás, negociam perdão com as partes ofendidas.
Revista Impacto – Você já teve alguma experiência semelhante à de Barnabé? De encontrar uma congregação com uma necessidade e saber de alguém que poderia ser útil?
Jamê Nobre – Já. Certa vez, uma congregação, numa cidade da Bahia, sofria muito pela falta de um ministério que vivesse entre eles, na localidade. Ela recebia assistência de presbíteros de outra cidade e, por causa disso, o cuidado era prejudicado por não haver ali alguém de forma constante.
Um dia, um presbítero de outra cidade me procurou para que eu o ajudasse a encontrar a vontade do Senhor no que diz respeito ao que fazer e aonde morar. Percebi as possibilidades e procurei aproximar as duas pontas. O resultado foi muito bom: hoje esse presbítero e a congregação estão crescendo juntos no Senhor.
José Carlos Marion – O ministério de João foi de remendar redes. Quando Jesus o chamou, ele estava consertando redes (Mt 4.21). Ele foi conhecido como o apóstolo do amor. Por ter experimentado um relacionamento profundo com Jesus, pôde falar sobre vida e amor como ninguém. A princípio, eu queria ter um ministério como o de Pedro: lançar redes, pescar almas, ser instrumento para a conversão de muitos, falar às multidões. Entretanto, meu ministério tem sido o de consertar redes espirituais que estão cheias de buracos e furos. A rede precisa estar entrelaçada, com nós firmes, senão ela se rompe. Sem uma igreja sadia, amorosa, perdoadora, não será feita uma grande pescaria nos moldes de Jesus. Não adianta apanhar uma grande multidão de peixes com uma rede rompida. A unidade no amor, em Cristo, pode trazer uma nova evangelização: “para que o mundo creia” (Jo 17.21).
A igreja deveria ser um corpo bem ajustado, com todas as partes bem ligadas entre si por meio da união de todas elas. Quando cada parte funciona bem, o corpo todo cresce e se desenvolve com base no amor (Ef 4.16). Essa é a realidade da igreja hoje? Não. Então, é preciso haver conserto, relacionamento, cobertura mútua, cuidado mútuo. Já temos muitos casos de pessoas que estavam deslocadas e que Deus, com sua misericórdia, nos usou para aproximar e reatar ao Corpo.
Revista Impacto – Sobre a característica de encorajar os irmãos, encorajar ministros e ministérios ou até mesmo de levantar líderes caídos, você já teve alguma experiência pessoal?
Jamê Nobre – Sim. Alguns pastores, movidos pelo Senhor, têm-se aproximado de mim esperando que, de alguma forma, eu possa ser usado por Deus para animá-los, ou para restaurá-los em seu ministério. Minha esposa e eu entendemos que precisamos ajudar com o pouco que temos. Assim como Barnabé tinha UM campo, nós temos UMA casa e UM coração, e colocamos esse patrimônio à disposição dessas pessoas.
Temos visto a graça de Deus. Já recebemos em nossa casa diversos homens e suas famílias em estado de enfermidade, sofrimento e até de revolta da parte dos filhos.
Algo interessante que aconteceu, fruto dessa doação, foi que um dia precisei falar com uma congregação lá do Nordeste que tinha um material para formação de obreiros que me chamou a atenção. Quando liguei para lá, o irmão que me atendeu perguntou-me se eu não me lembrava dele. Disse que era um desses que passaram por minha casa, ocasião em que o Senhor operou em sua vida, embaixo do teto onde vivo.
José Carlos Marion – Deus tem-nos enviado diversos líderes e pastores caídos, desapontados, ignorados ou subavaliados. São muitos casos. Um dos mais marcantes aconteceu quando recebemos uma carta longa da esposa de um pastor esgotado. Embora fosse endereçada a mim, ela não me conhecia. Disse que Deus lhe dera essa direção. Esses casos geralmente têm como característica um descrédito, até mesmo por parte da congregação. É um trabalho de levantar pessoas caídas e buscar reconhecimento para elas. Há casos que demoram mais de dois anos. Porém, todos são honrados e voltam a ter dignidade. Deus é fiel. Normalmente, esse trabalho tem sucesso. Porém, é desgastante, pois nossa tendência é absorver grande parte da crise que a pessoa está vivendo. É mais fácil trabalhar em maternidade do que em pronto-socorro ou UTI.
Revista Impacto – Dá para perceber que você sente algum peso especial sobre o assunto.
Jamê Nobre – Tenho muita clareza daquilo que devo fazer. Por causa da experiência de andar sozinho nos primeiros anos de meu ministério, o Senhor pôs em meu coração e no de minha esposa não deixar nenhum pastor sozinho se estivermos em condições de ajudar. Quero ser útil, no tempo que me resta, ajudando, animando e exortando aos preciosos e valentes servos do Senhor.
José Carlos Marion – Sim, esse é meu ministério.
Revista Impacto – Sabemos que, ainda que raro, existem pessoas que possuem alguns dons ou características semelhantes aos de Barnabé – pessoas que são mais dos bastidores, que conseguem visualizar dons e necessidades, que amam encorajar os outros. Que conselhos práticos você daria a alguém que, no íntimo, sente um chamado de Deus para desenvolver um ministério nesse estilo?
Jamê Nobre – Eu lhe diria que abra os olhos para descobrir essas pessoas feridas e solitárias que andam pelas igrejas, que abra o coração para hospedá-las e abra a agenda para estar com elas. Não estabeleça medidas, nem ponha limites para ajudar.
Diria para valorizar cada um desses chamados de Deus. Não deixar de sacrificar seu tempo e dinheiro só porque é uma única pessoa que precisa de ajuda.
Falaria também para não se impressionar com as coisas que impressionam a outros, tais como: resultados imediatos, reconhecimento público, recompensa financeira ou, até mesmo, uma mera gratidão. Encorajaria a deixar o coração pastoral de Jesus ocupar todo o lugar em seu peito. Avisaria, é claro, que esse é um serviço de poucos resultados visíveis, com muita angústia, mas que reflete o coração do nosso Jesus, “homem de dores”. E diria, finalmente, que continuasse trabalhando como Jesus trabalhou, vindo a essa Terra movido pelo seu amor aos homens, e não em busca de recompensa alguma que não fosse ver o seu Pai agradado.
José Carlos Marion – Normalmente, as igrejas fazem uma “lavagem cerebral” no sentido de evangelizar: “Se eu não evangelizar, sinto que estou falhando. Se ganhar duas vidas para Jesus e perder uma, estamos no lucro”. É mais fácil multiplicar do que conservar. Precisamos ensinar que a igreja precisa tanto de evangelistas quanto de pacificadores, reconciliadores, elos de ligação, pontes, dons em geral de cuidar dos irmãos.