Por: David H. Adeney
Todos devemos ter um anseio ardente para estar no lugar que Deus designou para nós.
Um senso de dívida de amor e o reconhecimento que o discipulado cristão envolve responsabilidade nos levam a uma pergunta prática: Como posso cumprir com minha responsabilidade? Devo dar testemunho através de uma profissão secular, ou Deus está me chamando para dar todo o meu tempo ao trabalho missionário? Meu ministério será na própria pátria ou em país estrangeiro?
Antes que qualquer decisão possa ser tomada, é preciso ter uma mentalidade certa. É através do nosso modo de pensar que descobrimos a direção do Espírito Santo.
O estudante comunista era exortado a “mudar seu modo de pensar” e a “lavar seu cérebro”, pois os comunistas reconheciam a imensa importância de uma atitude mental correta. Primeiro, de acordo com eles, todo resquício da velha maneira de pensar devia ser removido; em seguida, após intensa doutrinação, as reações do jovem comunista a vários problemas práticos eram cuidadosamente testadas para ver se houve, de fato, uma verdadeira transformação dos seus processos mentais.
Era uma verdadeira falsificação da verdade espiritual ensinada pelo apóstolo Paulo: “Transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2). Sem esta renovação espiritual, o cristão é inteiramente incapaz de tomar decisões certas, pois “a mentalidade da carne é morte” (Rm 8.6, NVI). Quando o Espírito Santo habita no cristão e controla sua forma de pensar, torna-se fato real que “a mentalidade do Espírito é vida e paz” (Rm 8.6, NVI), e toda a perspectiva de vida é transformada.
Não Pertencemos a Nós Mesmos
A renovação da mente do cristão começa com o reconhecimento de Jesus como Senhor de sua vida. Ele passa a perceber claramente as implicações da afirmação do apóstolo Paulo: “Não sabeis… que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo” (1 Co 6.19,20). Isto significa que deve ceder àquele que o criou, redimiu e sustenta diariamente o controle absoluto da sua vida em todos os detalhes. Foi esta percepção que levou o Pastor Hsi, um dos primeiros pioneiros e missionários chineses, a escrever:
Meu corpo é teu, sim, totalmente teu;
Meu espírito reconhece-te como Senhor.
Em tuas mãos coloco tudo que sou
E somente peço que eu esteja,
Sempre que de mim precisares,
Alerta e disposto a atender teu chamado.
Mas não é suficiente entregar-se a Deus de forma vaga e geral. Na maioria dos casos, os cristãos não enxergam de fato as implicações práticas do senhorio de Cristo. Podem até usar as palavras do apóstolo Paulo: “Senhor, que queres que faça?”, mas se tal pergunta for apenas uma expressão passageira e piedosa de um vago desejo de fazer a vontade de Deus, e não um desejo ardente de estar no lugar preciso que Deus lhe designou, será mais um instrumento de auto-engano e destruição do que de genuína eficácia espiritual.
Grande parte do que é considerado consagração ao serviço de Cristo é negativa e passiva. Raramente resulta em participação ativa na obra à qual Deus chamou todos os cristãos.
Um escritor comunista comentou sobre este tipo de atitude da seguinte forma:
“Nós, comunistas, não brincamos com palavras. Somos realistas. Como estamos determinados a alcançar nosso objetivo, sabemos o que teremos de fazer para obter os meios de chegar lá. Do nosso salário e rendimentos guardamos somente o que é estritamente necessário; entregamos o restante para financiar nossa causa. Concentramos todo nosso tempo disponível e parte das nossas férias para ajudar na propagação desta causa.
“Vocês só entregam uma pequena parte do seu tempo e do seu dinheiro para espalhar o evangelho. Como alguém pode acreditar no supremo valor do evangelho se vocês não o praticam, se não o divulgam, e se não sacrificam tempo nem dinheiro em favor dele? Podem acreditar, nós é que vamos ganhar, pois acreditamos na nossa mensagem e estamos dispostos a sacrificar tudo, qualquer coisa, até a nossa vida, a fim de que a justiça social triunfe. Mas vocês têm medo de sujar suas mãos” (extraído de um jornal chinês).
Podemos ficar ressentidos diante de tais críticas, mas infelizmente devemos admitir que, mesmo não sendo verdade de todos os cristãos, é um quadro real de grande parte daqueles que professam seguir ao Salvador.
A entrega à vontade de Deus deve ser aplicada sempre nos detalhes práticos do presente e não relegada a alguma grande decisão futura. Certamente seria incoerente buscar direção na decisão sobre a vocação profissional ou a escolha da pessoa com quem se viverá o resto da vida, ao mesmo tempo em que se ignora a direção de Deus na vida e no testemunho diários.
Toda decisão de obedecer a Deus será testada. Ao homem que diz: “Seguir-te-ei para onde quer que fores”, Jesus responde: “As raposas têm seus covis e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Lc 9.57,58).
O preço do discipulado precisa ser enfrentado e a tentação de procurar uma vida mais tranqüila, vencida. Seria, evidentemente, uma incrível tolice sugerir que qualquer escolha feita pelo próprio homem poderia ser melhor que as “boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.10). Tal atitude indicaria que nossa mente não foi plenamente renovada pelo Espírito Santo, pois demonstraria falta de confiança no Salvador, cujo amor o constrange a dar o melhor àqueles que o seguem.
Descobrindo a Vontade do Mestre
Depois de se aceitar o princípio do senhorio de Cristo, a questão da obra ou campo específico de trabalho designado por Deus precisa ser resolvida. A vontade do Mestre é soberana. O chamado pode ser para testemunhar numa profissão secular em sua própria cidade, para ensinar numa escola bíblica no campo missionário, ou para evangelizar em trabalho pioneiro nas montanhas do sudeste asiático. Seja qual for o trabalho, deve ser integrado no plano de Deus para preparar o caminho para o estabelecimento do seu Reino e para a segunda vinda de Cristo. Assim, um engenheiro cristão seria chamado primeiro para dar testemunho dentro de sua própria profissão e, depois, para usar todo dom que Deus lhe deu para promover a obra dele no mundo inteiro.
O Senhor Jesus certa vez descreveu seu relacionamento com os discípulos através da parábola de um homem que se preparava para sair de viagem. Antes de partir, ele deu autoridade aos seus servos, “a cada um sua obrigação” (Mc 13.34). Não haveria confusão, ninguém ficaria ocioso, ninguém receberia um encargo inadequado para suas capacidades; pois, assim como o homem na parábola, o Mestre dá a cada um sua respectiva obrigação.
O Senhor da seara conhece tudo, do começo ao fim, e compreende não só as necessidades de cada aspecto do seu campo de trabalho, mas também a personalidade e os dons de cada um de seus servos. Somente ele sabe como designar cada obreiro ao seu devido lugar.
A incapacidade da igreja de completar a tarefa de evangelização mundial e cumprir o plano divino para esta geração se deve em grande parte ao fato de que tão poucos servos do Senhor estão fazendo a obra de Deus no lugar designado por Deus e no tempo de Deus.
A evangelização do mundo depende não só dos esforços daqueles que são chamados especialmente para ser pastores, evangelistas e missionários em outros países, mas do testemunho de cada verdadeiro cristão. Nos primeiros dias da igreja, milhares de homens e mulheres, cujos nomes nunca serão conhecidos, foram em toda parte pregando a Palavra. Com toda probabilidade, estes cristãos desconhecidos fizeram muito mais para espalhar a fé do que os esforços concentrados daqueles que foram considerados os missionários do período apostólico.
Por outro lado, a obra nunca teria se realizado sem o ministério daqueles que foram separados, de modo especial, para dar todo seu tempo em favor do estabelecimento da igreja do Deus vivo, nas regiões onde Cristo ainda não era conhecido.
Como nos primeiros dias da igreja de Antioquia, assim, hoje, toda igreja deveria ser uma sociedade missionária, onde todos os membros testemunham ativamente e enviam representantes para levar o evangelho a regiões pioneiras. Para uma igreja como esta, preocupada com as necessidades daqueles que nunca ouviram o evangelho, o Espírito Santo veio com a ordem: “Separai-me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado”.
Escolhidos assim, aqueles dois homens saíram, enviados pelo Espírito Santo e pela igreja à qual pertenciam. Foram, de fato, os precursores de uma multidão de cristãos que atravessariam fronteiras culturais, raciais e ideológicas e seriam embaixadores de Cristo fora de seu próprio país.
Se o cristão realmente crer que Deus tem um trabalho para cada servo, obviamente ele não procurará tentar definir sua própria carreira. Ele aceitará sua vocação primordial de ser uma pessoa chamada por Deus e dirá, junto com o Senhor Jesus: “Aquele que me enviou está comigo… porque eu faço sempre o que lhe agrada” (Jo 8.29). “A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra” (Jo 4.34).
Não pode haver uma hierarquia de vocações (uma ser considerada de maior honra do que outra), pois o valor que Deus atribui ao serviço de uma vida não é determinado pela posição geográfica onde aquele serviço foi prestado; antes, é determinado pela proporção em que foi realizado de acordo com a sua vontade.
Isto não significa que haja um incentivo menor para pregar o evangelho em campos não evangelizados. As necessidades espirituais daqueles que nunca ouviram o evangelho devem sempre receber prioridade na mente do cristão, pois “como crerão naquele de quem nada ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm 10.14).
Precisamos realmente tomar cuidado para não colocar tal ênfase sobre a obrigação de cada cristão ser missionário em sua própria comunidade que se ofusque o significado e privilégio do chamado especial de ser embaixador de Cristo em terras onde ele não é conhecido.
O Chamado Missionário
A singularidade da vocação missionária está no fato de que o Espírito Santo traz a certos membros da igreja uma forte convicção de que foram separados como embaixadores do Senhor e comissionados a entregar toda sua vida ao evangelho e à edificação do reino de Jesus Cristo. Receber tal chamado é, de fato, um grande privilégio. Certamente envolverá sacrifício de sonhos e ambições pessoais e pode levar a grande provas da sua fé, mas todo cristão, sem dúvida, deve procurar se qualificar para esta honra de poder servir ao seu Mestre de forma total e irrestrita.
A história de como nosso Senhor alimentou os cinco mil não só revela como o Salvador satisfez com sua compaixão as necessidades das multidões famintas, mas também serve de parábola para mostrar como o plano de Deus para alcançar o mundo será efetuado. Multiplicar os pães e peixes era obra exclusiva do Mestre, mas distribuir para as multidões era responsabilidade dos discípulos.
Porém, mesmo isto era realizado sob a direção do Senhor. Ao organizar a multidão em grupos e dar aos discípulos precisas instruções, nosso Senhor evitou confusão e a possibilidade de alguns passarem fome no meio da abundante provisão. Em obediência às ordens do Salvador, cada discípulo era responsável por uma parte daquela grande multidão e, assim, “todos comeram e se fartaram” (Mt 14.20).
Hoje o Senhor Jesus contempla os milhões que ainda não provaram do Pão da Vida. A provisão é suficiente para todos, mas poucos dos seus discípulos parecem demonstrar qualquer preocupação por aqueles que estão morrendo de fome em lugares onde nunca ouviram falar da provisão de Deus para suas necessidades.
Para aqueles que estão procurando descobrir o plano de Deus para suas vidas, a primeira ordem a ser obedecida é aquela que Jesus deu aos seus discípulos: “Erguei os vossos olhos e vede os campos” (Jo 4.35). Isto mostra a necessidade de estudar as necessidades que existem ao redor do mundo.
Muitos cristãos reconhecem a importância de acompanhar os acontecimentos atuais; lêem jornais e revistas que falam de notícias mundiais (ou assistem jornais na TV). Mas quantos acompanham a situação nos campos de batalha espiritual? Quantos lêem regularmente revistas missionárias e biografias, a fim de poderem orar de forma inteligente em favor dos diversos campos missionários?
Uma pessoa que não estuda, nem o mundo de Deus nem a Palavra de Deus, jamais poderá estar em posição para ouvir o chamado do homem de Macedônia: “Passe para cá e nos ajude!” (ver At 16.9). Nem ouvirá a voz calma e baixinha do Espírito Santo quando pergunta: “A quem enviarei, e quem há de ir por nós?” (Is 6.8).
Mas conhecer a necessidade em si não constitui um chamado. Como seminarista, lembro-me como fiquei confuso por duas afirmações bastante contraditórias. Um missionário pintou um quadro dramático da necessidade desesperadora e então disse: “A necessidade conhecida já constitui um chamado”. Para apoiar esta afirmação, ele usou a ilustração bem conhecida de dez homens carregando um tronco, nove numa extremidade e um na outra. “Para qual extremidade você deve ir?” A resposta é óbvia; entretanto, o chamado para ser missionário em outro país ou cultura não se pode explicar de forma tão superficial.
Um segundo missionário conversou comigo em particular e disse: “David, só vá ao campo missionário se não agüentar ficar mais aqui. Tem muita gente desajustada lá que foi sem ter um verdadeiro chamado. Mas se não conseguir resistir e Deus o estiver impelindo, então vá!”
Há verdade nas duas afirmações. A necessidade constitui uma razão muito séria para justificar a entrega ao serviço missionário (ou outros chamados à obra do Senhor). Por que mais de noventa por cento dos obreiros do evangelho concentram seus esforços nos países que já têm amplo conhecimento da Palavra de Deus, enquanto milhões de pessoas em outros países nunca ouviram sequer uma vez a mensagem da salvação?
Sim, a necessidade conhecida é um motivo mais que suficiente para que cada cristão procure saber que parte Deus quer que desempenhe, a fim de completar a grande tarefa de evangelização mundial.
Porém, há muitas áreas de necessidade; e uma consciência da necessidade não é suficiente para que um homem ou uma mulher deixe sua casa e dedique toda sua vida em uma terra estranha. Se a pessoa sair como resultado de uma apresentação emotiva de sofrimento físico e espiritual ou por causa de compaixão pelos “pagãos” (que pode ter um elemento de orgulho ou superioridade), é bem provável que acabará passando por desilusão e frustração.
Não, a única razão adequada para dedicar a vida a um chamado total, seja para o campo missionário, seja para outra obra qualquer, é uma forte convicção de que Deus mesmo o está chamando e enviando, como seu representante. Somente tal tipo de convicção lhe dará forças para superar o desânimo e oposição que certamente terá de enfrentar.
Deus Guia Individualmente
A direção de Deus não vem da mesma maneira para todas as pessoas; conseqüentemente, devemos tomar cuidado para não esperar que nossa experiência seja exatamente igual à de outros que conhecemos. Para alguns, o chamado poderá vir de repente, talvez através de ouvir um desafio ungido de um missionário, ou através de ler a biografia de alguém que Deus usou de forma especial.
Para outros, poderá vir como uma convicção crescente, produzida através de estudar com oração o grande plano de Deus e examinar as necessidades atuais da sua obra. Contato com pessoas envolvidas na obra ou outras circunstâncias na nossa vida podem levar-nos a sentir um encargo para uma área específica da obra de Deus ou uma região geográfica. Nossa preocupação não deve ser com o modo específico em que o chamado vem, mas com nossa própria sensibilidade à direção do Espírito Santo e nossa paixão de fazer sua vontade.
Fatores como treinamento, os dons do Espírito, saúde física e responsabilidades já existentes precisam ser levados em consideração. Dificuldades e obstáculos à nossa entrega não significam, entretanto, que a porta está fechada.
Na minha própria experiência, Deus permitiu que eu passasse por uma prova de minha fé, nos últimos meses de preparação para o trabalho missionário no exterior. Depois de vários anos de convicção cada vez mais forte a respeito de um chamado para a China, tive um exame médico desfavorável que foi encaminhado para a junta missionária. Apesar disso, Deus deu confirmação de que ainda abriria a porta para a China.
No dia exato em que a decisão final teria de ser tomada, na minha leitura diária recebi a promessa da sua Palavra: “E dure a sua força como os seus dias” (Dt 33.25). Por causa desta convicção que tinha sido tão forte e constante, os membros da junta foram convencidos também que Deus estava dirigindo e, desta forma, consentiram em me enviar apesar do relatório médico.
Assim, devemos testar cada aparente barreira para ver se é uma prova da nossa fé ou um indício claro de que Deus está fechando o caminho.
Quando Deus começa a nos dar um encargo sobre as necessidades de um determinado campo ou área de serviço, é hora de começar a andar naquela direção. Isto pode significar entrar em contato com uma missão, escrever para missionários no campo ou preparar-se através de treinamento bíblico ou vocacional. Deus pode estar esperando que comecemos a andar, antes de dar maior confirmação da sua direção. Geralmente, esta confirmação virá através de sentir a paz de Deus no nosso coração, à medida que o Espírito Santo dá testemunho ao nosso espírito de que estamos andando no caminho que ele mesmo designou para nós.