Ezequiel Netto
Quebrar paradigmas é o assunto mais comum em nossos dias. Em qualquer ajuntamento onde exista um discurso, ou até mesmo uma palavra de agradecimento, o assunto será quebra de paradigmas – sinônimo de mudanças e renovação. Na igreja, não é diferente. Uma rápida pesquisa no Google revela 364 mil resultados para quebra de paradigmas na igreja. Mas será que temos tantas coisas a serem quebradas? O povo não está interpretando mal a fala de Jesus, quando ele disse que não ficaria aqui pedra sobre pedra que não fosse derrubada?
De onde vêm os paradigmas?
Paradigmas são modelos ou padrões estabelecidos em determinada época para resolver problemas ou necessidades. O que surge como solução, depois de um tempo, passa a ser algo que fazemos sem saber por quê. Em muitos casos, foram perpetuados com sentimento de manter aquilo que sempre funcionou. Um paradigma famoso que ninguém questiona é o formato do selim (banco) das bicicletas. É a coisa mais desconfortável e antinatural que existe, e nenhum revolucionário ousa levantar-se contra esse projeto. Albert Einstein já dizia que é mais fácil quebrar um átomo do que quebrar um preconceito. No ambiente da igreja, também existem muitas coisas que fazemos sem nenhum entendimento e que não passariam no teste da luz da Palavra de Deus.
Existe uma experiência clássica que demonstra muito bem como se formam paradigmas ou tradições[1]. Conta-se que um grupo de cientistas colocou cinco macacos em uma gaiola e, no meio desta, uma escada com bananas no último degrau. Toda vez que um dos macacos subia na escada para pegar a banana, os demais recebiam um banho de água gelada. Passado certo tempo, toda vez que qualquer um dos macacos ameaçava subir na escada, os outros o espancavam para evitar o banho de água gelada. Depois de um tempo, nenhum dos macacos se arriscava a subir apesar da tentação.
Os cientistas decidiram, então, substituir um dos macacos. A primeira coisa que o macaco novo fez foi tentar subir na escada. Imediatamente, os demais começaram a espancá-lo. Após várias surras, o novo membro dessa comunidade aprendeu a não subir na escada, embora jamais soubesse por quê. Um segundo macaco foi substituído, e ocorreu com ele o mesmo que com o primeiro. O primeiro macaco que havia sido substituído participou, juntamente com os demais, do espancamento.
Um terceiro macaco foi trocado, e a sequência de tentar subir na escada, espancamento e aprendizado foi repetida. O quarto e o quinto macaco foram trocados, um de cada vez, com intervalos adequados, repetindo-se os espancamentos dos novatos quando de suas tentativas para subir na escada. O que sobrou foi um grupo de cinco macacos que, embora nunca tivessem recebido um banho frio, continuavam a espancar todo macaco que tentasse subir na escada.
Se fosse possível conversar com os macacos e perguntar-lhes por que espancavam os que tentavam subir na escada, aposto que a resposta seria: “Eu não sei; essa é a forma como as coisas são feitas por aqui”. Com essa experiência, conseguiram mostrar como os paradigmas são formados numa sociedade.
Os paradigmas podem ser mudados?
A Bíblia mostra que é difícil mudar hábitos arraigados. Jeremias questiona: “Pode um africano mudar de pele? Pode um leopardo se livrar das pintas? Será possível vocês fazerem o bem, vocês, que têm tanta prática em fazer o mal?” (Jr 13.23; A Mensagem). Ou seja, um hábito de fazer o bem ou o mal vem da repetição, do costume, de um condicionamento que engloba questões tanto espirituais, quanto psicológicas.
Um paradigma é mais profundo do que fazer ou não fazer uma coisa. Suas raízes se enovelam nas curvas de nossa alma. Após determinado tempo fazendo a mesma coisa, a constituição de uma pessoa pode ser transformada para sempre. Por esse motivo, o apóstolo Paulo disse aos romanos: “Não se ajustem demais à sua cultura, a ponto de não poderem pensar mais. Em vez disso, concentrem a atenção em Deus. Vocês serão mudados de dentro para fora. Descubram o que ele quer de vocês e tratem de atendê-lo. Diferentemente da cultura dominante, que sempre os arrasta para baixo, ao nível da imaturidade, Deus extrai o melhor de vocês e desenvolve em vocês uma verdadeira maturidade” (Rm 12.2; A Mensagem).
Paulo foi tão enfático nessa questão com os romanos, procurando evitar a formação dos paradigmas na mente deles, porque conhecia muito bem seus efeitos nocivos. Por causa do entendimento religioso errado que tinha no passado, ele prendeu e matou muitos cristãos de forma intensa, pensando que estava servindo a Deus. No caso dele, e para a grande maioria de nós, um paradigma precisa de uma ação traumática muito forte para ser quebrado. Somente depois de romper com esta fortaleza é que somos capazes de caminhar livremente.
Paulo usou também a analogia de velho homem (ainda no casulo dos paradigmas) e novo homem (já liberto). Alguns paradigmas só mudam após sofrimentos pessoais. Paul Tournier cita um caso em que Deus falou por 20 anos com uma pessoa, e esta não conseguia mudar sua conduta. Então, ele “deu um soco na cara dela” (permitiu um acontecimento mais drástico) e, só assim, conseguiu acordá-la e levá-la a mudar de vida. Talvez, seja uma expressão muito forte para uma ação libertadora de Deus, mas não teríamos como medir a intensidade de impacto necessária para mudar certos comportamentos e hábitos que estão arraigados em pessoas que conhecemos – e, quem sabe, em nós mesmos!
O que mudar e o que não mudar
Os escritores mostram que a igreja desenvolveu quatro tipos básicos de padrões de conduta e fórmulas (estruturais, conceituais, teológicos e denominacionais) que funcionaram no passado e foram mantidos como elementos meramente culturais, bem distantes dos princípios divinos. Como a Bíblia não traz métodos de como as coisas devem ser feitas (pois a dependência no relacionamento com Deus deve ser a fonte para qualquer atividade), os homens criaram estruturas, e as ideias foram surgindo a partir daí.
Outra fonte de paradigmas na igreja é a interpretação unilateral e simplista das Escrituras, influenciada por doutrinas preferidas ou criadas a partir de versículos totalmente descontextualizados. Ao longo dos anos, igrejas e denominações inteiras ficaram tão enclausuradas nessas fortalezas que se transformaram em verdadeiras subculturas, nas quais os indivíduos podiam ser claramente identificados como membros desse ou daquele grupo cristão.
O projeto original de Deus vai além dessa realidade que vivemos no cristianismo atual. É transcendental e inclui o ser humano como um todo, em perfeita harmonia com as questões terrenas e, também, as celestiais. Cabe à igreja não substituir a proclamação do Evangelho do Reino, dada a influência dos paradigmas religiosos, por um pequeno grupo de ensinamentos que os caracteriza, diferencia e divide dos demais. Dessa forma, deixa de receber toda a efusão do sobrenatural e da eternidade, e os rios de vida eterna que estão disponíveis ao Corpo de Cristo param de fluir.
Na realidade, o que chamamos de conversão é um processo de duas etapas: primeiro, o indivíduo se converte a Jesus Cristo; logo em seguida, converte-se à subcultura religiosa à qual passa a pertencer e se moldar. Algumas denominações exigem o rebatismo como ritual de ingresso ao seu estilo particular de vida religiosa.
O livro Igreja, Forma e Essência (Gene A. Getz; Editora Vida Nova) mostra alguns sintomas que caracterizam o institucionalismo: a organização torna-se mais importante que as pessoas, e os indivíduos agem como engrenagem de uma máquina. As pessoas têm medo de fazer questionamentos “desagradáveis” que lancem dúvida sobre o funcionamento da organização, que se torna cada vez mais rígida, inflexível e burocrática. Com isso, as pessoas se tornam desanimadas, “cansadas e abatidas”, como disse Jesus. Alguns outros escritores também escrevem sobre esse tema, mostrando que, se não atentarmos a essa realidade, poderemos nos comportar como os cinco macacos da pesquisa cientifica: fazendo e repetindo coisas sem compreender o motivo.
Mas nem tudo pode ser quebrado na igreja. Precisamos manter fidelidade à sã doutrina, pois doutrina não é método a ser quebrado ou substituído. A mensagem do Evangelho é simples e clara. Começa com a proclamação (kerigma) de verdades que produzem em nós a fé necessária para recebermos os mandamentos (didaké ou doutrinas), uma nova maneira de agir, a ruptura com os paradigmas do velho homem para a liberdade do novo homem. É o poder transformador (dunamis, a mesma raiz grega para dinamite) de Deus para todo aquele que crê. E nessa simplicidade, reside toda a sabedoria de Deus para tirar-nos das cadeias e grilhões que nos prendem. Não podemos transformar essa fonte de poder espiritual num emaranhado de preceitos religiosos, usos e costumes e curiosidades bíblicas que não são capazes de trazer transformação, além de exigir um alto grau de inteligência humana e muitos anos de estudo.
Restauração da essência original
A Reforma Protestante trouxe a ideia de igreja reformada sempre reformando. Esse conceito não consegue isolar-se de “igreja dividida sempre dividindo”. Reformar, em sua essência, aponta para a reconstituição, retornar para a originalidade, à forma antiga. Parece que a doce voz do Espírito Santo na igreja aponta para essa direção. Nosso discurso atual está em sintonia com as verdades essenciais proclamadas na Palavra de Deus, ou é fruto do pragmatismo? O silêncio de Deus é mais comum que ouvir sua voz? Atividades como oração e proclamação do Evangelho já não são acompanhadas da manifestação de milagres e do poder de Deus? Quando um novo convertido está empolgado com as verdades do Evangelho, é comum alguém dizer que “ele se encontra no primeiro amor, e essa experiência vai passar”? A alegria do Senhor é a sua força, o que o move? Estamos incomodando o reino das trevas, ou os demônios nos deram uma trégua na batalha? Nossos discípulos estão amadurecendo e gerando vidas, ou continuam como ouvintes e dependentes de um religioso profissional? Esses são alguns exemplos de questionamentos que precisamos fazer ao orar: “sonda-me, ó Deus”, e que revelam a necessidade de voltar para a essência do Evangelho e não desprezar fundamentos – no impulso de quebrar paradigmas – que jamais poderiam ser trocados.
A Bíblia Mensagem expressa 1 Coríntios 3.10-14 da seguinte forma:
Usando o dom que Deus me deu, de arquiteto, desenhei a planta [a partir da revelação que recebeu do projeto que estava nos céus, também visto por Moisés, Ezequiel e João]. Apolo ergueu as paredes. Que cada carpinteiro que venha trabalhar tenha o cuidado de construir sobre o fundamento! Lembrem-se de que há apenas um fundamento [não podemos mudá-lo, querer inventar coisas, achar que este está ultrapassado], já estabelecido: Jesus Cristo. Sejam exigentes ao escolher o material que irão utilizar na obra [é Jesus quem edifica a igreja e nos dá os materiais necessários; não precisamos buscar materiais diferentes em outros lugares]. Em algum momento, haverá uma inspeção. Se tiverem usado material barato, de segunda linha [não precisamos disso, pois Deus nos dá todo o recurso necessário para a obra], vocês serão descobertos. A inspeção será rigorosa: tudo precisa estar de acordo [com o projeto original]. Se o trabalho de vocês passar na inspeção, ótimo. Se não, a parte de vocês na construção será derrubada. Mas vocês não serão destruídos – vão sobreviver, mas com dificuldade.
Ezequiel Netto faz parte do Conselho Editorial da revista Impacto. É médico veterinário e reside em Campinas, SP, com a esposa Val e suas três filhas. E-mail: ezequielnetto@itelefônica.com.br. Visite o blog: www.ezequielnetto.blogspot.com.
[1] Embora não se saiba se essa experiência foi realmente executada, é uma excelente ilustração do princípio discutido.
Respostas de 4
Gostei muito da palavra sobre quebra de paradigmas, e sei que as vezes somos como macacos amestrados, outras como marionetes e outras simplesmente condicionados e com a vontade subjugada. entendo que é hora de transformação e que Deus está levantando os inconformados, se não a uma volta a ORIGINALIDADE, o mais próximo dela.
Glória Deus por sua vida, maravilhosa palavra que nos confronta. Deus continue te usando mais e mais para edificação do corpo de Cristo.
Fico imaginando se um terremoto destruisse os prédios que denominamos “igreja” ou “casa de Deus”. O que aconteceria com a fé de muitos quando não encontrassem a pseudo proteção das paredes? Ou o que seria dos ministradores de horas marcadas e sermões de auto-ajuda?
Paz seja contigo meu irmão em Cristo! Deus lhe confiou um palavra arejada, simples, objetiva, alinhada com a Verdade e, portanto, como o Caminho. Toda árvore que pelo Pai Celestial foi plantada está ligada a Videira, produzindo frutos de justiça através de sua vida, de modo que quem a vê, vê também o Pai, quem a ouve, ouve também o Pai, quem a recebe, recebe também o Pai. A Ovelha conhece o seu Pastor (a voz), e dele é conhecida! (Jo 15:5; Mt 15:13; Mt 10:40).
A Graça de Deus seja superabundante sobre sua casa!