Andrew Murray
“Passai pela cidade após ele… e matai; matai a velhos, a moços… começai pelo meu santuário” (Ez 9.5,6).
“Porque a ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada” (1 Pe 4.17).
Evidentemente, Pedro havia lido e meditado sobre a passagem em Ezequiel, na qual as palavras “começai pelo meu santuário” estão no centro. Certamente, notou que antes dos terríveis juízos que o profeta teria que anunciar contra as nações que estavam oprimindo Israel (Ez 25-32), a força da ira de Deus se revelou, na primeira parte do livro, contra seu próprio povo.
Pedro conhecia a grande lei de que a santidade de Deus sempre trata com o pecado, em primeiro lugar, em sua própria casa e igreja. Só depois de entendermos esse princípio e de nos submetermos a ele é que seremos capazes de sentir a temível certeza dos juízos divinos que virão sobre aqueles que não obedecem ao Evangelho de Deus.
O poder para sentir e pregar sobre a ira vindoura contra os desobedientes e sobre a salvação que pode resultar disso dependerá, em grande parte, da nossa percepção sobre o que significa essa verdade de que Deus começará seu juízo pelo próprio santuário – o que, por sua vez, só será possível depois que experimentarmos no próprio coração os tratamentos de Deus contra os pecados que ainda existem na nossa vida cristã.
Já foi observado que a expressão chave do profeta Ezequiel, repetida mais de 60 vezes no seu livro, é a seguinte: “Sabereis que eu sou o Senhor”. Conhecer a Deus é vida eterna. Esse é o privilégio, a alegria e a força do seu povo. Deus não tem nenhum favor mais sublime a nos conceder do que o de se revelar. Quando sua glória, sua santidade, seu poder, sua proximidade, seu amor redentor são revelados para o coração humano, não lhe falta mais nada.
Desde que o pecado entrou no mundo, os dois grandes atributos que precisamos conhecer por experiência própria para poder conhecer a Deus são aqueles que se encontram juntos na sua santidade: justiça e amor. Em Ezequiel, descobrimos que é na revelação desses dois atributos que Deus se torna conhecido.
Por um lado, Deus se revela em justo juízo em passagens como estas no capítulo 7:
“Mas te castigarei [julgarei] por todos os teus caminhos… e sabereis que eu sou o Senhor” (v.4).
“Segundo os teus caminhos, assim te castigarei… Sabereis que eu, o Senhor, é que firo” (v.9).
“Eu lhes farei conforme o seu caminho, e os julgarei conforme os seus merecimentos; e saberão que eu sou o Senhor” (v.27).
E, em outros capítulos posteriores:
“E sabereis que eu sou o Senhor, quando tiver voltado o meu rosto contra eles” (15.7).
“E levareis os pecados dos vossos ídolos; e sabereis que eu sou o Senhor Deus” (23.49).
Depois, por outro lado, Deus se faz conhecido pela misericórdia:
“Sabereis que eu sou o Senhor, quando eu vos der entrada na terra de Israel… quando eu proceder para convosco por amor do meu nome” (20.42,44).
“Levantar-lhes-ei plantação memorável… Saberão, porém, que eu, o Senhor seu Deus, estou com elas” (34.29,30).
“Porei em vós o meu Espírito, e vivereis… Então sabereis que eu, o Senhor, disse isto, e o fiz” (37.14).
E assim sempre será. A revelação de Deus, o verdadeiro conhecimento vivo de Deus num mundo de pecado, só poderá ser recebida por meio do juízo sobre o pecado que traz libertação do seu controle e poder. Avivamento no meio do povo de Deus só virá à medida que nos rendermos a ele, permitindo que exerça juízo sobre o pecado que há em nós. Enquanto esperarmos nele no caminho dos seus juízos, aprenderemos a cantar sobre sua justiça e misericórdia.
Depois de afirmar no capítulo 7 que julgaria seu povo, o Senhor levou o profeta no capítulo 8, “em visões de Deus”, para contemplar todas as perversas abominações que estavam sendo praticadas na casa de Deus em Jerusalém. Embora aqueles que as cometiam dissessem “O Senhor não nos vê” (8.12), ele, de fato, viu, sentiu e se irou.
Assim, no capítulo 9, o profeta ouviu a ordem que foi dada (depois de ter colocado uma marca na testa dos poucos que suspiravam e gemiam por causa das abominações que se cometiam) diretamente a seis homens, cada um com sua arma na mão, para que passassem pela cidade para ferir e matar a todos, sem misericórdia, tanto velhos quanto jovens e crianças.
Foi nesse contexto que veio a determinação: “Começai pelo meu santuário” (9.6). “Então começaram pelos anciãos que estavam diante da casa” (v.7). Quanto maior o privilégio, maior o pecado – por estar mais próximo à santidade de Deus e ao juízo que ela traz. Quanto mais Deus nos ama como o seu povo, mais ciúme ele tem por causa dos nossos pecados. Pela própria natureza da situação, pela natureza de Deus e da nossa relação com ele, não poderia ser diferente. O juízo precisa começar na casa de Deus. O povo de Deus precisa sujeitar-se a esse tratamento, precisa render-se a ele – se quiser ser testemunha ao mundo do poder de Deus para salvar; só assim o Espírito Santo poderá convencer o mundo do pecado por meio deles.
Vejamos as lições que esse tema sugere em relação à oração em favor de avivamento no meio do povo de Deus.
1. Pode haver pecado no santuário de Deus que seja pouco reconhecido ou pouco considerado pelos homens. Deus mostrou ao profeta aquilo que os homens faziam no escuro, “cada um nas suas câmaras pintadas de imagens” (8.12). Mesmo assim, ainda se apegavam à casa de Deus e o chamavam de templo de Jeová. Estavam prontos para morrer por causa dessa casa como o centro e símbolo de sua religião nacional; no entanto, a contaminavam com suas abominações. E nem sonhavam em como o terrível juízo de Deus estava prestes a cair sobre eles.
Não é assim com a igreja dos nossos dias? Não é possível que a formalidade, a mornidão, o materialismo, a busca por prazeres e interesses próprios que marca a grande maioria dos cristãos professos possam ser vistos por Deus como “terríveis abominações” (8.9) em sua casa, ao mesmo tempo em que nós mesmos temos pouquíssima percepção da extensão dessa maldade?
Deus levou Ezequiel do átrio exterior para o interior. Não pode ser que os pecados que se encontram no coração e na vida do grupo mais dedicado e intenso de cristãos (como a falta de humildade e amor, a confiança na sabedoria humana e no apoio das pessoas, a negligência da direção constante do Espírito e da plena imitação de Cristo) estejam desagradando e entristecendo Deus numa medida que nem imaginamos? Façamos uma sondagem cuidadosa para verificar se não há na igreja ou no nosso próprio coração elementos que tornem necessário que o juízo comece, de fato, pela casa de Deus.
2. Se o propósito da Igreja é ser uma habitação de Deus no Espírito, se Deus realmente virá a habitar no meio do seu povo, o pecado precisa ser julgado e expulso. O juízo precisa começar no santuário. Em todo o universo, o pecado é a única coisa que pode esconder o rosto de Deus ou impedi-lo de ser para o seu povo o que ele é por natureza: a própria fonte de amor, bondade e felicidade. Toda a história de Israel prova que Deus tem prazer na obediência e que a abençoa; prova também que ele se afasta de um povo que está em pecado.
O mesmo ocorre na experiência dos santos hoje. Qualquer experiência mais profunda da presença de Deus para redimir do pecado e revelar sua proximidade do homem geralmente é precedida por uma nova descoberta do pecado e uma libertação mais profunda de seu poder e influência. A frustração da maioria dos que suspiram e lutam para alcançar vitória mais ampla e paz mais permanente é quase sempre resultado de não permitir que o próprio Deus trate com o pecado que os domina. Qualquer avivamento de santidade e devoção ao serviço de Cristo será apenas parcial e temporário enquanto os cristãos não tiverem uma convicção de que os pecados comuns da vida diária não precisam mais ser tolerados, e enquanto o poder de Cristo para expulsá-los não for conhecido e apropriado.
O livro inteiro de Ezequiel mostra como o conhecimento experimental de Deus e de sua justiça e juízo era o requisito primário para que ele fosse conhecido como o Deus de salvação. Os primeiros 25 capítulos, que falam do juízo sobre o seu povo, e os 10 seguintes, que tratam do juízo divino sobre os inimigos, foram apenas uma introdução às maravilhosas bênçãos prometidas a partir do capítulo 36.
Tudo é resumido nestas tremendas promessas:
“As nações saberão que eu sou o Senhor… quando eu vindicar a minha santidade perante eles” (36.23).
“As nações saberão que eu sou o Senhor que santifico a Israel, quando o meu santuário estiver para sempre no meio deles” (37.28).
É quando os juízos de Deus tiverem santificado o seu povo e purificado o santuário que a santa presença do Senhor será vista entre eles. Então haverá poder para convencer o mundo, e as nações saberão que Deus é o Senhor.
3. Descobrir o pecado é obra de Deus. “A mão do Senhor Deus caiu sobre mim” (8.1); “o Espírito me levantou… e me levou a Jerusalém em visões de Deus” (8.3). Foi dessa forma que o profeta foi levado a enxergar o que muitas pessoas que viviam em Jerusalém nunca souberam. E é disso que precisamos nas nossas assembléias – da mão de Deus caindo sobre nós, fazendo-nos sentir que ele mesmo está tratando conosco. Precisamos experimentar o Espírito nos elevando “entre o céu e a terra”, acima das coisas e situações terrenas, e conduzindo-nos em visões de Deus para Jerusalém.
Sim, supliquemos em favor disso em nossas assembleias e, também, em particular: para que a mão do Senhor, o Espírito Santo e as visões de Deus nos façam enxergar o verdadeiro estado da Igreja de Deus, assim como ele a vê. Em termos claros, clamemos a Deus para que nos revele, em visões sobrenaturais, o que ele pensa do estado de seu povo, do nosso próprio estado. É tão fácil congratular um ao outro sobre todos os sinais de avanço que percebemos em relação ao passado que perdemos a capacidade de reconhecer quanta maldade e pecado há em relação ao padrão de Deus. O bom, muitas vezes, é o maior inimigo do melhor. As pessoas se acomodam com um bem menor, com aquilo que deveria ser apenas o princípio de algo bem mais alto e superior, e nunca pensam em buscar o melhor de Deus – aquela medida plena e transbordante que ele prometeu.
Imploremos que ele nos mostre tudo o que está na vida do seu povo, ou na nossa própria vida, que sua santidade condena, que o entristece ou que ele gostaria que fosse diferente. Até que vejamos a maldade escondida, as coisas abomináveis com as quais ele tem uma controvérsia e por causa das quais ele retém a bênção, nunca almejaremos sua obra de juízo ou seu caminho de bênção, nem nos renderemos à sua ordem: “Começai pelo meu santuário”.
4. Deus mesmo deve julgar o pecado. Só ele pode fazê-lo. Muitas vezes, a causa de fracasso persistente na vida de cristãos é que, mesmo quando reconhecem o pecado, eles tentam combatê-lo por conta própria. E, ao agir assim, deixam de vencê-lo e, consequentemente, passam a considerá-lo impossível de ser superado. Oh, irmão, deixe Deus tratar com seu pecado! A expressão se encontra no profeta Ezequiel: “Estará firme o teu coração? Estarão fortes as tuas mãos, nos dias em que eu vier a tratar contigo? Eu, o Senhor, o disse, e o farei” (22.13,14).
Se você quiser ter o coração quebrantado e suas mãos enfraquecidas de forma tão definitiva que não conseguirá mais resistir a Deus, deixe que o próprio Deus trate com o seu pecado. Leve o pecado que for descoberto no templo do Senhor, no seu corpo ou no seu coração, a ele mesmo, e deixe que ele execute contra esse mal seu implacável furor e juízo. Seja a cobiça da carne, o pecado no corpo e nos seus apetites; seja a cobiça dos olhos, o pecado de escolher o visível acima do invisível; seja a soberba da vida, o pecado de preferir a si mesmo acima de Deus ou do próximo – exponha tudo diante do Deus santo. Entregue-o ao encargo do Senhor e peça que ele trate com isso, que execute juízo. Peça que faça o que já declarou que faria – que não pouparia nem teria compaixão, mas que derramaria seu furor até que os atos pecaminosos fossem totalmente destruídos diante de sua presença.
“E saberão que eu sou o Senhor, quando eu tiver exercido a minha vingança contra eles” (25.17).
Entregue seus pecados à vingança de Deus; espere nele como o Deus do juízo. Então ele cumprirá a promessa: “De todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei” (36.25).
Avivamento no nosso próprio coração
Em relação ao assunto de avivamento, tudo o que foi dito leva a duas conclusões a respeito das quais toda insistência ainda é pouca.
Em primeiro lugar, “começai pelo meu santuário”. A Palavra nos conclama a prestar atenção quando Deus afirma que a fraqueza e o fracasso de tantas obras feitas em seu nome são consequência do estado de sua igreja. Seu templo tem sido profanado. Até que o povo de Deus seja endireitado, não podemos esperar nenhuma grande mudança no mundo nem aumento de poder ou bênção da parte do Senhor.
Sempre que houver algum questionamento sobre as causas de fracasso, sobre novos e melhores métodos de trabalho, sobre preparação para avivamento, sobre condições de oração que garantam que ela será respondida, a voz de Deus soará do céu: “Começai pelo meu santuário”. Precisamos direcionar nosso coração para o estado do povo de Deus e para aquilo que será necessário para levá-lo à condição que Deus deseja para nós.
Em segundo lugar, a fim de despertar a Igreja do Senhor, levar os cristãos a uma vida de maior devoção a Jesus e ao seu serviço, fazer com que rios de água viva fluam do seu interior e tornar os interesses do Reino de Cristo e a salvação de almas o principal objetivo de sua vida, a fonte de sua motivação e entusiasmo, tal como Deus deseja, a obra precisa começar dentro de suas próprias vidas.
Precisamos permitir que Deus trate com o pecado na nossa vida pessoal. É no santuário dele, somente no seu lugar santo, que o Senhor pode ser conhecido em toda sua majestade. É no templo do nosso corpo, no seu lar que está no nosso coração, que seu poder para libertar do pecado precisa ser conhecido pessoalmente, a fim de podermos realmente viver em fé e devoção em favor dos outros.
“Começai pelo meu santuário.” Que o templo que foi profanado seja purificado. Que os pecados do coração sejam tratados e solucionados pelo próprio Deus. E a promessa será cumprida:
“Assim eu me engrandecerei, vindicarei minha santidade e me darei a conhecer aos olhos de muitas nações; e saberão que eu sou o Senhor” (Ez 38.23).
Extraído do livro Revival (Avivamento), por Andrew Murray.
Respostas de 2
Maravilhosa palavra nos falando da necessidade de tratarmos os nossos pecados na luz do Senhor como diz o salmista, na tua luz veremos a Luz.
Tremenda! Dá até arrepios.