Por: Eliza Walker
No livro Vida de Meditação, Ken Gire cita a história de um rabino que era brilhante e despertava a admiração dos alunos. Era tão admirado, que um deles foi ao seu gabinete só para dizer que o amava. Ao ouvir tal declaração, o rabino perguntou-lhe:
– O que me faz sofrer?
O aluno olhou para ele, intrigado:
– Como assim?
– O que me faz sofrer? perguntou o rabino de novo.
O rapaz ficou ali parado, sem fala, e acabou dando de ombros:
– Não sei.
– Como você pode me amar se não sabe o que me faz sofrer? perguntou o rabino.
Com essa história, o autor quis mostrar que conhecer a dor do outro é um meio de despertar amor e compaixão por ele. A superficialidade e a falta de saber o que realmente importa e causa dor no outro nos impedem de amar.
Essa verdade também se aplica à superficialidade de nosso relacionamento com Deus. Como cristãos, costumamos declarar nosso amor por ele; amar a Deus é o maior de todos os mandamentos.
Pensando na história do rabino, eu pergunto: você ama a Deus? E isso me leva à segunda pergunta: você sabe onde lhe dói? Você conhece a dor de Deus, aquilo que o faz sofrer?
Gastamos a maior parte de nossas orações falando sobre nós mesmos. Somos peritos em despejar, diante de Deus, nossa dor e desabafar – o que é muito bom e importante. É fundamental que abramos o coração diante daquele que nos conhece profundamente. É maravilhoso ter este amigo que nos ama incondicionalmente e diante de quem não precisamos usar máscaras. Contudo, é muito fácil esquecer que esse relacionamento é uma via de mão dupla – Deus também deseja se abrir conosco.
Não podemos cometer o erro de tornar Deus tão sagrado, mas tão sagrado que ele deixa de ser uma pessoa. Isso, ao invés de exaltá-lo, torna-o inferior a nós. Deus é uma pessoa que nos criou à sua imagem para poder relacionar-se conosco. Nesse relacionamento, ele quer dividir a realidade de seu coração no qual se encontram seu sonho e sua dor. Você conhece o sonho de Deus? Talvez, saiba algo a respeito dele mentalmente; talvez, nem isso. A questão verdadeira, porém, é: até que ponto você está envolvido com o sonho de Deus?
Procurando o sonho de Deus
Se observarmos o versículo mais repetido em toda a Bíblia, já teremos uma boa pista do sonho de Deus. Vinte e três vezes encontramos estas mesmas palavras: “Eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus”. Se a Bíblia inteira fosse uma grande música, esse versículo seria o refrão. É a batida que marca o ritmo da mensagem que Deus deseja transmitir.
Quando Israel ainda não era um povo, o Senhor já sonhava e dizia a Abraão: “Farei de você uma grande nação, eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus”. Quando Abraão se tornou uma grande nação, e essa nação estava debaixo de escravidão no Egito, Deus levantou Moisés para libertá-la. Durante todo o processo de libertação, ele dizia: “Eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus”.
Independentemente da situação do povo e do estado de seu coração, a ideia de Deus nunca mudou. Ele quer um povo que seja seu, pois criou o homem para si e deseja obsessivamente tê-lo de volta.
Os livros que mais repetem essas palavras são os dos profetas Jeremias e Ezequiel. Na época deles, o povo estava prestes a ir para o cativeiro, ou já se encontrava lá. Mesmo assim, Deus continuava revelando seu intenso desejo: “eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus”. Ele não se cansa de dizer isso, tanto quando está feliz quanto nos momentos de ira, quer no amor, quer nas crises – ele sempre diz a mesma coisa.
Encontramos esse versículo no Novo Testamento também, na ocasião em que o plano de Deus é estendido para os gentios (Hb 8.10), e no Apocalipse (21.3), para mostrar que ele não mudará de ideia no final dos tempos.
É quase um delírio, um devaneio tão persistente em Deus que não resta dúvida: ele quer se casar. Esse é o seu sonho: fazer de nós sua Noiva, seu povo de propriedade exclusiva.
Talvez, algum anjo que sirva por ali, próximo ao trono do Pai, ao ver como esse povo tem dado trabalho, tenha dado um conselho bem-intencionado a Deus: “Sem querer ofender-te, Senhor, creio que poderias sonhar mais alto… Por que insistes tanto nesse povinho?” Eu não quero nem imaginar o que teria acontecido a esse pobre anjo por tentar demover o Senhor de sua “obsessão”! Não existe sonho mais alto do que o sonho de Deus. Não é à toa que ele seja tão determinado e incansável em concretizá-lo. Transformar seres humanos (agora caídos) em seu povo exclusivo é um desafio e tanto – um desafio do tamanho de Deus!
É um sonho tão fascinante que não tem como se aproximar de Deus e não ser contagiado por ele. E ser contagiado pelo sonho de Deus é a única maneira de sair do buraco negro que é o nosso egocentrismo.
Envolvendo-se com o sonho de Deus
Com isso, chegamos à próxima pergunta: uma vez que você já conhece o sonho de Deus, até que ponto está envolvido com ele?
E não me diga que está envolvido só porque entregou sua vida a Cristo! Não é isso o que estou perguntando.
Há um detalhe importante que torna esse sonho mais admirável e perigoso ao mesmo tempo: o fato de Deus querer usar o próprio homem para realizá-lo. É claro que isso faz muito sentido, pois, se ele deseja ter um povo como noiva, então tem tudo a ver já começar o treinamento com algumas pessoas que ele vem escolhendo ao longo de toda a História. Estas pessoas fazem parte da Noiva, mas também participam do processo de prepará-la. No meio desse processo, elas se tornam a Noiva. Vejam que genial! Na verdade, este é o chamado de todos os que foram resgatados das trevas: cooperar para a concretização desse sonho.
Portanto, eu pergunto novamente: até que ponto a sua vida está envolvida nesse processo? Até que ponto você foi contagiado pelo sonho de Deus?
Vou exemplificar esse envolvimento com a vida de alguns homens mencionados na Bíblia.
Moisés
Este foi um homem consumido pelo sonho de Deus. O processo é simples. Moisés tinha uma vida tranquila, cuidando de ovelhas. Certo dia, Deus se aproximou dele com uma intenção específica. Naquele encontro, Moisés perdeu a vida, pois Deus a trocou por uma missão. Só que uma missão como aquela vale mais do que qualquer vidinha pacata voltada para as coisas terrenas!
Repito: o processo é bem simples. Aproximar-se de Deus = ficar contagiado. Você pode aumentar essa “equação” até o último volume, pois não existem limites para essa verdade. Foi exatamente o que aconteceu com Moisés. Ao encarar a missão que Deus lhe oferecia, ele foi aproximando-se cada vez mais do próprio Deus, e, como consequência – adivinhe! Sim! Ele ficou cada vez mais contagiado pelo sonho de Deus!
Talvez, você ainda não tenha captado a dimensão do estrago que esse sonho fez na vida de Moisés. Leia Êxodo 32.30-32 e veja o ápice do bom contágio do sonho de Deus na vida de um homem.
No dia seguinte disse Moisés ao povo: Vós tendes cometido grande pecado; agora porém subirei ao Senhor; porventura farei expiação por vosso pecado. Assim tornou Moisés ao Senhor, e disse: Oh! este povo cometeu um grande pecado, fazendo para si um deus de ouro. Agora, pois, perdoa o seu pecado; ou se não, risca-me do teu livro, que tens escrito.
Que impressionante! Todas as vezes em que leio essa passagem, sinto-me aflita! Como não ficar tenso diante dessa cena? Você consegue visualizá-la? Ali estava um homem diante de Deus, intercedendo por um povo que tinha acabado de cometer um terrível pecado. Moisés estava colocando-se entre a santidade e a perversidade. Ele estava entre o fogo consumidor e uma cera extremamente inflamável. De onde veio tal ousadia? Moisés conhecia suficientemente o Senhor para saber que ele não trataria suas palavras como brincadeira.
E realmente Moisés não estava brincando. Ele não estava brincando com fogo. Ele não estava simplesmente defendendo um povo pecador. Moisés se colocou entre Deus e a ameaça ao seu sonho.
Você percebe a diferença? Não se trata de testar o Todo-poderoso nem de fazê-lo baixar seu padrão; é um exemplo supremo de alguém que se aproximou de Deus a tal ponto que ele próprio se misturou com o sonho divino. O sonho de Deus passou a ser o sonho de Moisés!
Veja as palavras dele: “Deus, nós dois sabemos que não haverá eternidade se o teu sonho não for realizado. Não importa o que acontecerá comigo depois desta vida; só importa uma coisa: perdoa este povo ou, então, risca-me do teu livro. Cumpre o teu sonho ou manda-me pro inferno!”
Meu amigo, uma coisa é você trocar a sua vida insignificante por uma missão que contribua para o sonho de Deus; outra coisa é você abrir mão da eternidade por causa deste sonho!
Eu chamaria isso de insanidade. Mas Jesus o chamou de evangelho: “Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim, esse a salvará” (Lc 9.24).
Fico sempre impressionada com a vida de Moisés, mas o que de fato impressiona é a força e o fascínio que esse sonho exerce sobre a vida de qualquer pessoa que se deixe contagiar por ele.
Davi
Este homem também é de tirar o fôlego. Estudar a vida de Davi é um verdadeiro deleite, pois foi um homem segundo o coração de Deus. A Bíblia não poupa detalhes para falar dele e de como seu coração foi conquistado por Deus. Como resultado de sua paixão e de passar tanto tempo na presença do Senhor, acabou descobrindo o sonho de seu coração.
E isso o deixou maluco!
Ele respirou o frescor da eternidade. Foi muito além de seu próprio tempo. Viu, profetizou, identificou-se, conquistou, cooperou, trouxe de volta a arca para o centro do culto de sua nação, profetizou mais! Não tinha limites para o que aquele homem em comunhão com Deus podia fazer!
Não tinha limites? Esta foi uma dura lição que Davi teve de aprender.
Totalmente tomado pelo sonho de Deus, Davi declara: “Não entrarei na casa em que habito, nem subirei ao leito em que durmo; não darei sono aos meus olhos, nem adormecimento às minhas pálpebras, até que eu ache um lugar para o Senhor, uma morada para o Poderoso de Jacó” (Sl 132.3-5).
Davi, portanto, foi bem além de seu tempo: ele viu a Igreja! Viu a intenção de Deus de vir morar com seu povo, não apenas visitá-lo! Viu que Deus queria casamento.
Não tem como pensar em outra coisa diante de tamanha revelação. E, por isso, Davi queria trazer a realidade desse sonho já! Queria construir uma casa para o Senhor. Entretanto, Deus falou: “Meu caro amigo, vamos com calma; você não pode fazer casa para mim. Porém, gostei tanto dessa ideia que vou fazer casa para você, e essa casa (que é seu descendente) fará casa para mim!”
Esse acordo acalmou o seu coração, e foi firmada uma aliança entre os dois. Foi ali, também, que foi definida a linhagem do Filho de Deus. Dá para ver que esse desejo de Davi surpreendeu o Senhor de tal forma que, daí em diante, ele não pensou em outro lugar para morar a não ser na própria casa de seu amigo Davi. Apesar de Salomão construir o templo no monte Moriá, a Bíblia faz inúmeras menções ao monte Sião, que era onde Davi morava. Moriá só é citado duas vezes, enquanto Sião é citado vez após vez como o lugar da habitação de Deus. Parece que Deus fez confusão e trocou os montes!
Paulo
Mais um exemplo, agora, de um homem grandemente usado por Deus no Novo Testamento. Sua conversão foi algo estupendo! E sua intensidade passou a ser usada totalmente para o Reino de Deus. Devemos dar graças ao Senhor pela vida de Paulo, pois, sem as cartas que escreveu, não teríamos como entender tantas coisas profundas sobre o mistério de Cristo e a sua graça. É maravilhoso o que Deus pode fazer com a vida de um homem entregue a ele.
Como aconteceu com Moisés, o nível de envolvimento de Paulo com o sonho de Deus foi além de apenas abrir mão de sua vida aqui na Terra. Em favor deste sonho, Paulo abriu mão da eternidade ao lado de Cristo!
Digo a verdade em Cristo, não minto, dando testemunho comigo a minha consciência no Espírito Santo, que tenho grande tristeza e incessante dor no meu coração. Porque eu mesmo desejaria ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne… (Rm 9.1-3)
Por favor, entenda: existe algo bem maior do que sua vida terrena – e maior ainda que seu destino eterno: é o sonho de Deus!
Paulo não está fazendo uma escolha entre “seu” povo e Jesus. Não! Paulo viu o sonho de Deus, que inclui necessariamente a nação de Israel! E, diante dessa visão, é impossível ficar indiferente. Nada é mais importante do que a realização integral do propósito de Deus na Terra. Nada!
Eu me lembro de ver a dor do meu avô (John Walker) gemendo pela Igreja do Senhor. Lembro-me de algumas declarações ousadas feitas por ele, como: “Não me importo em ir para o inferno desde que Deus realize seus planos na Terra”.
Damos tanto valor a nós mesmos, à nossa vida e ao que vai acontecer conosco… No fundo, é só isso o que nos importa. Mas eu quero dar uma boa notícia: existe uma possibilidade de sermos livres da escravidão e deixarmos de viver para nós mesmos. Existe algo mais fascinante do que os prazeres desta Terra…
Estamos mais próximos agora
Citei alguns homens que, durante a História, foram fisgados pelo sonho de Deus, apenas para mostrar que essa atitude existe, já aconteceu. Homens do passado visualizaram, pelo Espírito, o sonho de Deus, e isso já bastou para que vivessem exclusivamente em função desse propósito, mesmo não chegando a ver o pleno cumprimento em seus dias. Hoje, temos a possibilidade de viver a concretização desse sonho! A força dessa possibilidade é bem maior do que apenas ver no Espírito e acenar de longe para algo que só virá no futuro.
O fato é que cada um deles deu a vida para que um dia, no tempo e no espaço, uma geração pudesse viver a realidade de tudo o que havia sido profetizado – para que, um dia, uma geração entrasse na realidade de ser a morada de Deus na Terra, sua Noiva por toda a eternidade.
Imagine comigo! Imagine uma geração na Terra contagiada pelo sonho de Deus; uma geração de pessoas como Davi, Moisés, Paulo. Você não fica eufórico só de pensar? E eu lhe digo: Deus vai conseguir esse milagre. Não está em nós o mérito, está na força de atração dele. Ele é o tesouro no campo em favor do qual abandonamos todos os nossos bens.
Qualquer coisa que trocarmos por isso será incomparável, pois a glória que nos foi proposta faz tudo o mais parecer lixo.
Permita que Deus se aproxime de você. Pare de fugir. Você já sabe o resultado da equação, não sabe?
Eliza Walker reside em Monte Mor, SP, e faz parte da coordenação do CPP (Curso de Preparação Profética – www.cppmontemor.com.br)
Respostas de 2
É muito importante esse estudo, muitos de nós estamos preocupados em sonhar nossos sonhos e não sonharmos o sonho de DEUS.
Gostei da forme de relacionar uma grande verdade, que nos invade a cada dia. Estamos tomados de uma superficialidade que nos perdemos de nós mesmos. Hoje, conversamos com nossos parentes e amigos em meio eletrônicos, virtuais. Estamos a cada dia mais distante da revelação do amor de Deus através do próximo. Concordo com a frase: A superficialidade e a falta de saber o que realmente importa e causa dor no outro nos impedem de amar.