Por Harold Walker
Quanto mais conheço a Deus, mais ele me surpreende! Penso que este será um processo interminável, pois ele é infinito, então a previsão é que ele me surpreenderá eternamente! Há muitos aspectos da sua natureza que eu poderia citar aqui como fontes inesgotáveis de admiração: o seu amor, a sua justiça, a sua misericórdia e a sua criatividade.
Mas o que me vem à mente agora não é nenhum desses atributos maravilhosos. Estou impressionado com a sua coragem de basear o cumprimento do seu sonho eterno no homem. O homem não é apenas um coadjuvante no drama divino que se desenrola no tempo e no espaço neste pequenino planeta. Ele é o ator principal! Quanto mais medito sobre os acontecimentos da história, sobre o projeto divino expresso nas Escrituras e sobre a maldade aparentemente irremediável do coração humano, mais fico estarrecido diante da determinação de Deus de usar justamente este ser miserável para expressar sua glória diante de todo o universo, para todo o sempre!
De fato, ele tem razão quando diz: “Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos” (Is 55.8). Se dependesse de nós, jamais usaríamos um instrumento tão imperfeito, inconstante e infiel para cumprir qualquer projeto de valor. Mas é aí que está a enorme diferença entre a nossa mentalidade e a de Deus. Nós procuramos eficiência e rapidez. Deus procura outros valores. Sabemos que, entre esses valores, estão a comunhão e a satisfação de manifestar sua força no meio da fraqueza. Mas se eu realmente conhecesse esses valores, não estaria tão estupefato! Ainda bem que terei a eternidade para tentar compreendê-los!
Como Deus pôde enviar a sua palavra para homens imperfeitos proferirem, escreverem e – o que é pior – manipularem? Como ele teve coragem de enviar seu Filho para viver e morrer por nós e depois ir embora e deixar a igreja fazer o que fez durante toda a história até hoje usando seu nome, palavras e obra? Como ele pôde derramar o seu Espírito Santo sobre pessoas, usando-as para fazer sinais, curas e milagres para depois vê-las se vangloriando e tirando vantagem pessoal desses dons celestiais? Como ele pode amar a sua igreja do jeito que a ama e, ao mesmo tempo, vê-la envolvida até o pescoço com tantas coisas que ele abomina?Tão grande amor, esperança, coragem e persistência me assustam e humilham.
Mas, apesar de não compreender, não posso negar que Deus é assim e que ele não foi pego de surpresa. Ele tomou o risco calculado de amar a igreja, sabendo de todos os seus defeitos e de todos os problemas que ela lhe traria. Não, ele não baixou seus padrões ou seu nível de tolerância. Ele ainda exige perfeição, santidade absoluta, amor incondicional, fidelidade a toda prova. Mas ele planejou passar por um período de mistura primeiro; mesmo sabendo que isso traria conseqüências terríveis na história, considerou que valeria a pena diante do resultado final que deseja atingir.
Em várias ocasiões no Velho Testamento, ele discorre sobre isso em relação à nação de Israel, dizendo que a achou na miséria e deu tudo de graça para ela. Mas, quando ficou bonita e rica, ela o abandonou e foi atrás de outros amantes e se tornou prostituta. Entretanto, nada disso o faz desistir dela, e ele promete que ela ainda será sua amada perfeita e pura (Ez 16, Ez 20 e Os 2)!
Essa é a história da igreja também. Deus tem nos dado sua palavra, seu Espírito e seu Filho, e o que temos feito com tudo isso até agora? Qual é o veredicto da história? Qual é o conceito do mundo sobre o Cristianismo, sobre os seguidores de Jesus? Vez após vez, temos usado os dons de Deus para angariar vantagens, poder e glória para nós mesmos. Com todo tipo de desculpa e argumento e sob todo tipo de disfarce, o homem tem-se assenhoreado da igreja que deveria pertencer somente a Jesus.
Contudo, não devemos nos desanimar. Deus sabia que isso aconteceria. No seu plano, o impuro sempre vem antes do puro, a mistura antes da separação. Na simbologia das Festas de Israel, ele mostrou que no Pentecostes, figura do derramamento do seu Espírito sobre toda a carne, haveria fermento, a mistura das ambições carnais com os dons de Deus. No estabelecimento do reino sobre Israel, figura da vinda do reino de Deus sobre a Terra, primeiro veio Saul, escolhido por Deus, cheio do Espírito e profetizando, mas rejeitado por amar seu próprio nome e reino mais do que o nome e reino de Deus.
Mesmo nas parábolas, Jesus tomou o cuidado de mostrar que o percurso do Evangelho durante os séculos após sua vinda seria de grande crescimento no meio de grande mistura. Ele usou a figura do fermento que permeia toda a massa para mostrar como o Evangelho encheria toda a Terra, mas levaria junto consigo as contaminações da filosofia e do pensamento humanos. Usou também a figura da semente de mostarda para ilustrar como o Evangelho, mesmo começando tão pequeno e insignificante, cresceria até encher toda a Terra, porém com os seus galhos cheios de aves, que representam espíritos e filosofias impuras.
Podemos entender, portanto, que Deus não foi pego de surpresa pelos acontecimentos. Por outro lado, precisamos tomar cuidado para não ir para o outro extremo, como muitos hoje, e pensar que Deus baixou seus padrões e exigências. Ele não vai aceitar uma igreja assim nem voltará para receber uma Noiva tão imperfeita. Ao mesmo tempo em que sabia que o processo se daria no meio de grande mistura e contaminação, como se pode ver em todas as figuras que mencionamos acima, ele também mostrou que haverá uma obra perfeita e pura no final.
Depois de Pentecostes, vem Tabernáculos, a grande festa da sua habitação conosco, que não contém nenhum fermento. Depois de Saul, vem Davi, homem segundo o coração de Deus, que amava mais a Deus do que sua própria vida. Depois das parábolas sobre fermento e semente de mostarda, Jesus fala sobre a separação final: entre joio e trigo, entre peixes bons e peixes maus, entre ovelhas e cabritos. Portanto, se Deus tem tolerado o domínio de outros senhores sobre sua igreja no passado, está chegando a hora quando não mais vai permitir isso. Se ele deixou que o homem roubasse sua glória em outras épocas, estamos nos aproximando do tempo quando isso trará juízo imediato e severo da sua parte.
Aprendendo a Respeitar as Diversas Contribuições para a Restauração da Igreja
À medida que Deus tem conduzido o processo histórico de recuperar verdades preciosas na restauração da sua igreja, os servos de Deus têm tido dificuldade para reconhecer e respeitar os diferentes papéis que ele tem delegado para essa tarefa. Uma das maiores divergências sempre esteve entre aqueles que, apesar de perceberem as grandes deficiências e aberrações das igrejas organizadas e institucionais, tentam influenciar lentamente as pessoas que estão lá dentro para viverem uma vida cristã mais autêntica e aqueles que tomam medidas mais radicais, saindo das estruturas e tentando praticar as verdades que acabaram de redescobrir.
A tendência é sempre a de achar que só um dos lados está certo. Mas, se olharmos atentamente para o testemunho da história, veremos que Deus tem usado os dois para avançar nos seus propósitos. Se houvesse somente os que tentam reformar a igreja por dentro, através de um processo lento e incerto de “evolução” espiritual, não teríamos os grandes avanços da Reforma Protestante ou do Reavivamento Pentecostal, para citar apenas dois grandes exemplos. Por outro lado, se houvesse somente os revolucionários que destroem tudo que consideram tradicional e ultrapassado, grandes tesouros que Deus armazenou por muitos séculos seriam perdidos, sem falar das multidões de pessoas que ficariam à deriva sem nenhuma orientação segura, até que os radicais achassem uma estabilidade e praticidade maior para as verdades que no início ainda percebem obscuramente.
A humildade cabe bem para os dois lados: tanto para quem fica na organização, a fim de não desprezar a sinceridade e sacrifício dos que saem à procura de uma vida cristã mais pura, quanto para quem sai, a fim de não classificar como acomodados e apóstatas aqueles que não sentem o chamado divino para se lançar numa aventura incerta.
Podemos ver na história vários exemplos de como os dois tipos de pessoas e atitudes contribuíram para o mesmo propósito de Deus. Na restauração de Jerusalém após o cativeiro na Babilônia, nem todos saíram ao mesmo tempo: primeiro, saíram Zorobabel e Josué e, somente muitos anos mais tarde, Esdras e Neemias. Daniel nunca saiu. Mas todos lutaram para o mesmo fim, a reconstrução da casa de Deus e da cidade de Jerusalém. Mais recentemente, na ressurreição do Estado moderno de Israel após a 2aGuerra Mundial, metade dos judeus voltou para a terra de Israel e metade foi para Nova York nos EUA. Não fora o apoio financeiro e político dos que foram para Nova York, os que sacrificaram tudo para ir para Israel jamais teriam sobrevivido.
Como Lidar com a Questão dos Títulos na Igreja Hoje
Por que estou falando sobre isso agora? Porque, ao meditarmos nesta edição da RevistaImpacto sobre a visão bíblica a respeito de títulos na igreja, temos de tomar muito cuidado com nossas atitudes práticas sobre este assunto. Podemos, por um lado, ficar tão empolgados com o radicalismo das verdades bíblicas que acabamos de vez com o uso de qualquer título em nosso meio e começamos a julgar a todos que ainda usam esse costume. Por outro lado, podemos continuar desprezando o que a Bíblia ensina sobre isso e seguir em frente, buscando receber glória uns dos outros (Jo 5.44) e chamando os que não usam títulos de fanáticos e radicais.
Para não ir nem para um extremo nem para o outro, precisamos deixar claras algumas coisas. A mesma Bíblia que diz: “Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi; porque um só é o vosso Mestre, e todos vós sois irmãos…” (Mt 23.5-11), também diz: “Dai a cada um o que lhe é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra” (Rm 13.7). Se, por um lado, a Palavra claramente não apóia o uso de títulos entre os irmãos na igreja, por outro lado, nos ensina a prestar honra a quem é devida. Nesse assunto, como em tantos outros, é possível engolir um camelo e coar um mosquito. É possível não usar título algum, obedecendo literalmente a letra da Palavra e, ao mesmo tempo, continuar alimentando o ego de outras formas e manipulando a igreja e os cristãos através de meios mais sutis e informais.
Pessoalmente, prefiro participar de uma igreja na qual o povo usa o título de pastor para os líderes responsáveis, sem contudo estar procurando glória alguma para quem quer que seja, a estar num grupo informal no qual não há títulos, mas uma luta constante entre as pessoas por influência e destaque. Da mesma forma que acho errado alguém impor sua vontade sobre o outro por força de cargo ou posição, também acho horrível alguém pensar que a igreja é uma democracia, na qual a opinião de todos tem o mesmo peso e os mais velhos, maduros e experimentados não são devidamente respeitados.
É claro que enxergo como ideal que a liderança seja reconhecida e respeitada pelos dons e ministérios que Deus lhe atribuiu sem a necessidade do uso de títulos. Acredito que esse foi o costume na Igreja de Atos e acredito que pode voltar a ser o costume na igreja gloriosa que o Senhor está preparando para si nestes últimos dias. Entendo que, ao mesmo tempo em que podemos nos considerar como “o menor de todos os santos” (Ef 3.8) e o “principal dos pecadores” (1 Tm 1.15), podemos também reivindicar a autoridade espiritual que nos foi dada, “não tendo de si mesmo mais alto conceito do que convém; mas pensando de si sobriamente, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (Rm 12.3).
Mas acreditar nesses ideais é uma coisa, e achar que é possível aplicá-los exteriormente, sem uma revelação interior das atitudes que os sustentam, é outra bem diferente. É possível aplicar a regra exterior sem qualquer realidade interior. Nesse caso, você perde tudo – tanto o respeito e a ordem que havia no sistema anterior quanto a humildade e a graça que deveriam abundar na prática do padrão bíblico. Achar que atitudes santas podem ser criadas pela aplicação de fórmulas exteriores é um grande engano.
Portanto, acredito que nestes dias de restauração da Igreja, o Senhor vai agir de muitas formas e de muitas maneiras para destituir a liderança espúria que tem se assenhoreado do seu povo por tantos séculos e reassumir o controle da sua igreja. Diante desse fato, cabe a nós andar humildemente diante dele, procurando ouvir o que ele tem para dizer a cada parte do seu Corpo. Não devemos pensar em termos de práticas únicas, universalmente aplicadas, mas procurar reconhecer e respeitar os diferentes ministérios e funções que estão atuando, dentro e fora da igreja institucional, com esta única finalidade – devolver a igreja para o seu dono!