Por Harold Walker
Um Conflito Cósmico
Apesar de muitas vezes não nos apercebermos do fato, estamos vivendo nas fases finais de uma batalha milenar entre Deus e Satanás. Como bons cristãos, estamos todos de acordo que o mundo não veio a existir pelo acaso, mas foi criado por Deus com um propósito específico. Chamamos esse propósito de plano eterno de Deus. Também estamos todos de acordo que há um inimigo poderoso que tem procurado, desde o início da história até hoje, frustrar esse plano de Deus. Portanto, podemos afirmar que uma autêntica cosmovisão cristã tem de apresentar, como elemento central, esse conflito mortal entre Deus e Satanás.
Infelizmente, uma grande maioria dos cristãos, hoje, ainda não entendeu as implicações disso. Seja pela ênfase em muitas igrejas na pregação do evangelho da prosperidade, seja pela falta de ensino bíblico coerente e sistemático a respeito do pensamento de Deus através da história, seja por outro motivo qualquer – a verdade é que apenas uma pequena minoria dos cristãos sabe que estamos no meio de uma guerra de vida e morte. Dois fios paralelos percorrem toda a história. O primeiro é o mistério da piedade (1 Tm 3.16), que é o plano redentor de Deus se desenrolando apesar de constantes aparentes retrocessos. O segundo é o mistério da iniqüidade (2 Ts 2.7), que é a manifestação progressiva dos intentos de Satanás, os quais, apesar de parecerem mais bem-sucedidos, serão derrotados no fim.
Satanás foi derrotado terminantemente na cruz do Calvário, mas ainda exerce tremendo poder e influência, não só no mundo, mas também na igreja. E uma das maiores armas que ele usa para este fim é o engano. Jesus disse: “A verdade vos libertará” (Jo 8.32), mas a verdade custa caro, e os homens, muitas vezes até os cristãos, preferem ser enganados (Jo 3.19-21; 2 Ts 2.10-12). É por esse motivo que Satanás continua tendo poder, apesar de já ser um derrotado.
Deus não quer vencer Satanás pelo poder, o que seria muito fácil, porque isso frustraria seu propósito eterno. Ele quer vencê-lo pela verdade, pelo direito, pelo amor e pela fraqueza. Por quê? Porque Deus não está focalizando sua atenção nele e, sim, na grande jóia que pretende obter de todo esse processo – uma igreja gloriosa, uma humanidade redimida, um povo com sua natureza para reinar com ele por toda a eternidade.
Assim como, no livro de Jó, vemos Deus interessado em Jó e não em Satanás, no seu plano eterno, Deus está interessado em nós e não em Satanás. Seria fácil esmagar Satanás com seu infinito poder, mas ele quer esmagá-lo debaixo de nossos pés (Rm 16.20). Seria fácil pegar Satanás pelo pescoço, enfiar o dedo em seu rosto e forçá-lo a enfrentar a verdade, mas ele quer usar a igreja para envergonhar Satanás (Ef 3.10,11; Ap 12.11). Deus quer que nós, diante desse terrível inimigo, aprendamos a discernir suas armadilhas e a vencê-lo, não pela sabedoria ou pelo poder, mas pelo amor à verdade e pela fé na palavra e caráter de Deus.
A Fuga da Responsabilidade Pessoal
Diante disso tudo, tenho ficado muito preocupado com o estrago que o inimigo tem feito, hoje, nas mentes e espíritos de muitos cristãos sinceros, na área de autoridade espiritual. É verdade que muitos têm dado permissão para Satanás agir em suas vidas através de um espírito de rebeldia. Essa é uma clássica estratégia diabólica que, apesar de tão conhecida, ainda funciona em muitas vidas. O homem natural abomina autoridade de qualquer natureza e se identifica com a rebeldia, assim como o peixe se identifica com a água.
Entretanto, não é isso que me preocupa tanto hoje. O que me pesa no coração é algo mais sutil, aparentemente mais “espiritual”, mais “santo” e mais “religiosamente correto”.
Na vida, existem muitas contradições e paradoxos, e este é um deles. Apesar de ser rebelde por natureza, a humanidade em geral também tem uma forte tendência de fugir de qualquer responsabilidade moral. Como faz isso? Terceirizando sua responsabilidade pessoal a um líder qualquer, geralmente religioso. Quais as vantagens? Através de me “submeter” a essa “autoridade espiritual”, escapo de intermináveis questionamentos interiores sobre o que é certo ou errado. Encontro uma grande simplificação da vida, pois agora minha tarefa não é discernir o que é verdade e segui-la, mas apenas obedecer às ordens da autoridade a quem me submeto.
O que me preocupa é o grande número de cristãos que estão aderindo a esse costume. Em troca de uma obediência cega a alguma autoridade espiritual, ficam livres de sua responsabilidade pessoal de descobrir e fazer a vontade de Deus. As pessoas querem alguma fórmula mágica que as livre de condenação na consciência e as libere para curtir a vida. Acatam mudanças questionáveis de doutrina, liturgia ou estrutura impostas pelas autoridades e, quando alguém se manifesta contrariamente, escondem-se debaixo do chavão: “Cuidado para não tocar no ungido do Senhor”. Sentem que, ao submeterem-se às autoridades de suas igrejas, estão cumprindo seu dever para com Deus e estão livres para levar sua vida secular como bem entendem.
Ao mesmo tempo, tenho visto pessoas aterrorizadas por ensinos ameaçadores de retaliações espirituais e naturais que podem sofrer se saírem de suas igrejas. Tenho visto pessoas que não se sentem livres para visitar outras igrejas e conferências ou para ler outras publicações ou livros sem o aval de sua autoridade espiritual. Tenho visto pessoas obrigadas a obedecer sem o direito de entender o porquê. Como se o plano de Deus dependesse de um exército de pessoas obedientes que não entendessem nada, mas fizessem tudo que lhes fosse ordenado. (Se esse fosse o caso, por que Deus teria criado o homem? Ele já tinha os anjos que preenchem esse requisito mil vezes melhor!)
Parece que, muitas vezes, as pessoas não cristãs conseguem entender esse princípio melhor do que as cristãs. No Julgamento de Nuremberg, quando os criminosos nazistas foram julgados, não foi diminuída sua culpa pelo fato de seus crimes terem sido cometidos em obediência às autoridades militares da Alemanha. Não adiantou explicitar as conseqüências terríveis que teriam sofrido se tivessem desobedecido às ordens de superiores por causa de uma convicção moral pessoal. Até hoje, o mesmo critério é adotado no Tribunal Internacional de Haia, quando são julgados crimes cometidos contra a humanidade por militares iugoslavos ou outros quaisquer. O senso de justiça do homem comum, mesmo não cristão, diz que a obediência não pode substituir a responsabilidade moral pessoal, independentemente das conseqüências que se tenha que sofrer.
A Massificação da Humanidade
Apesar disso, vejo não só na igreja, mas no mundo também, a estratégia de Satanás de massificar a humanidade, tornando-a maleável e manipulável. Vemos, cada vez menos, o sistema educacional ensinando as pessoas a questionarem valores, a pensarem por si mesmas, a lutarem por valores espirituais, a valorizarem opiniões divergentes. A mídia também induz a população a pensar da mesma forma e a adotar a mesma visão de mundo. O humanismo, o materialismo e o relativismo estão se tornando onipresentes. Estamos caminhando rapidamente para um consenso mundial sobre valores humanistas e logo todos que se opuserem a esses valores serão considerados personae non gratae, terroristas em potencial. O grande vilão, hoje, que rouba a paz e a prosperidade mundiais, é o fundamentalismo religioso de qualquer natureza. Não importa o que você crê, se é radical e realmente baseia sua vida em sua fé, você é uma ameaça ao sistema. Portanto, vai aumentar cada vez mais a pressão para não se destoar do pensamento da maioria, e seguir a “manada”. Haverá liberdade religiosa, sim, desde que você não creia tanto nos seus dogmas religiosos que isso venha a interferir na vida material, no mercado, nos relacionamentos pessoais e sociais.
Essa tendência é mais um sinal de que estamos nos aproximando dos últimos dias. A grande Babilônia, que é a manifestação visível do mistério da iniqüidade, não consiste apenas dos sistemas econômico e político do mundo, mas inclui também o sistema religioso. Muitos falam sobre a besta, mas poucos sobre a mulher que está montada nela (Ap 17.1-6)!
Haverá um período de grande bonança depois do desfecho da guerra atual contra o terrorismo. Toda a humanidade dará um suspiro de alívio e haverá paz e harmonia sob a égide da união entre os sistemas político, econômico e religioso. Mas será uma paz falsa baseada em princípios falsos e humanistas. Será o reinado do homem sem Deus e não subsistirá. O problema a pensar agora é: quantos “cristãos” vão gritar “Ai!” quando Deus começar a desferir golpes contra a Babilônia, e quantos dirão “Aleluia!”? (Ap 18.16,19,20; 19.1-7).
O Sonho de Deus
Chegamos, portanto, à conclusão de que aquilo que Deus mais procura na história é justamente aquilo que o diabo e, por tabela, o mundo controlado por ele, mais temem. Deus sonha com um povo, humilde sim, submisso sim, mas, além disso, autêntico, sincero, íntegro, questionador e que assuma suas responsabilidades. Um povo que não é uma massa homogênea e ingênua, mas cujas pessoas conhecem ao Senhor e se relacionam com ele (Jr 31.33,34). Um povo que tem os planos e ações realmente dirigidos pelo Espírito Santo e os ouvidos atentos à sua voz (como era o caso na igreja em Atos). Um povo que respeita autoridade, que sabe que ninguém é igual ao outro, que há diferentes fases de maturidade e diferentes dons espirituais, mas que nunca permite que alguém tome o lugar de Jesus como único mediador entre o homem e Deus. Um povo composto de indivíduos que têm coragem de ser diferentes, de destoar da maioria, de levantar a voz no meio de muitas vozes contrárias e defender a causa da justiça e da verdade. Um povo que se submete à voz do Espírito mesmo quando este se manifesta através de alguém sem aparência ou importância naturais. Um povo que não tem medo de perguntas difíceis e opiniões contrárias, porque sabe que a verdade é rica e variada e sempre há de vencer. Um povo que respeita as autoridades instituídas, naturais ou espirituais, mas não aceita a obediência cega e não delega a terceiros sua responsabilidade pessoal de ouvir e conhecer a voz do bom Pastor.
Mas como atingir esse objetivo? Como sair de onde estamos e chegar ao lugar que Deus quer que alcancemos como igreja? Deus está trabalhando desde o início da história com esse alvo em vista e certamente tem providenciado todos os meios para alcançá-lo. Mas seu desejo é nos usar como cooperadores com ele nesse propósito, assim como usou os heróis da fé no passado. Por isto, precisamos compartilhar da mesma visão que ele para melhor cooperarmos no seu projeto. Portanto, podemos afirmar com segurança que o entendimento correto de autoridade espiritual é fundamental para que o sonho de Deus para seu povo se realize.
Mesmo que a pessoa investida de autoridade por Deus tenha a atitude correta, corre-se o perigo das pessoas criarem uma dependência doentia dela. Podemos citar como exemplo, Moisés. O povo de Israel aceitava sua liderança, mas não conseguia obedecer as palavras de Deus transmitidas por ele por falta de um contato direto com Deus, o que eles também não queriam (Ex 20.19).
Quando um homem queria que Jesus ordenasse ao seu irmão que repartisse com ele a herança, Jesus rejeitou seu apelo (Lc 12.13,14). É como se estivesse dizendo: “Só porque tenho autoridade na pregação e na cura, não significa que tenho autoridade como juiz para resolver qualquer questão!”. Quantas vezes, nos Evangelhos, o povo ou os próprios discípulos queriam depender dele de forma errada e ele rechaçava essas tentativas! Quando o jovem rico chamou-o de “Bom Mestre”, Jesus repreendeu-o dizendo que só Deus era bom (Mc 10.17,18). Quando queriam que fizesse alguma coisa por eles, muitas vezes Jesus lhes devolvia a responsabilidade. “Se tu podes…”, disse-lhe o pai do menino epiléptico, ao que Jesus respondeu: “Se podes! Tudo é possível ao que crê!” (Mc 9.22,23).
Desde Adão que, quando Deus o confrontou com seu pecado, quis escapar de sua responsabilidade, jogando-a sobre “a mulher que tu me deste” (Gn 3.12), o homem caído sempre quer alguém que o alivie de sua responsabilidade de relacionar-se diretamente com Deus. Jesus veio como substituto para o nosso castigo, mas não como substituto de nosso relacionamento pessoal com Deus. Jesus não veio para nos resguardar do contato com um Deus santo e temível, mas justamente para colocar-nos em contato com ele (Jo 16.26,27). Se nem o próprio Jesus quis ocupar esse espaço entre nós e o Pai, quanto menos devemos ceder isto a alguma autoridade terrena, por mais espiritual que seja! Foi por isso mesmo que ele nos proibiu de chamar alguém de mestre ou pai (Mt 23.8-10).
Se vamos avançar de nosso atual estado de infantilidade espiritual para sermos filhos maduros de Deus, precisamos aprender a exercer a autoridade espiritual de forma correta. Temos de fugir de todo tipo de intermediação no meio do povo de Deus, considerando a todos, desde o menor até o maior, como irmãos que caminham juntos para o mesmo alvo – comunhão plena e direta com Deus. Isso não significa que a autoridade de Deus não deve ser exercida por homens, mas que o propósito dessa autoridade é conduzir todos à maturidade, a um relacionamento pessoal com Deus. Autoridade na igreja não existe para ditar as regras da vida espiritual, mas para levar as pessoas a ouvirem melhor a voz do Supremo Pastor.
Que Deus nos ajude a fugir, não só da maldita rebeldia, mas também da obediência cega! Que o povo de Deus acorde do sono, entenda a hora em que está vivendo e as questões que estão em jogo, e se apresente diante de Deus com disposição para ouvir, entender e obedecer à sua voz! Somente assim o inimigo será derrotado pela verdade encarnada em pessoas íntegras e retas, e Deus obterá seu tesouro tão almejado – filhos maduros com quem ele possa dialogar, repartir os seus pensamentos, e com quem ele possa governar o universo!
Harold Walker faz parte do Conselho Editorial da Revista Impacto e reside em Monte Mor – SP.
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Uma resposta
Que o Espirito Santo fale aos nossos corações… Somos carentes dele e de sua sabedoria…
Ah, Senhor, dá nos um coração igual ao teu… Dá-nos, Senhor!