A morte do maior ícone do mal deste início do século 21 trouxe reações diversas entre cristãos ao redor do mundo. Até que ponto é lícito ficarmos alegres quando um “inimigo” é derrotado? Será que não estaríamos nos tornando semelhantes aos fanáticos de outras religiões se celebrarmos a morte de alguém, mesmo que tenha sido, indiscutivelmente, um instrumento do mal?
Para ajudar-nos a refletir com mais profundidade sobre o assunto, estamos oferecendo dois artigos escritos por judeus não messiânicos. Mesmo que não concorde com todos os argumentos ou conclusões, é sempre saudável pensar um pouco “fora da caixa”, ver as coisas a partir de uma perspectiva bem diferente daquela com a qual estamos acostumados.
A Redação
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Quando o Mal é Derrotado
Lori Palatnik
Assim que ouvi sobre a morte de Osama bin Laden, postei a notícia maravilhosa na minha página no Facebook. Muitos amigos “curtiram” a notícia, outros fizeram comentários de celebração. Houve um comentário dissidente: um “amigo” manifestou desagrado com o fato de celebrar a morte de alguém. Como argumento, citou um trecho do Talmude [coletânea de interpretações rabínicas sobre os livros de Moisés] que comenta a história do livramento de Israel na passagem pelo Mar Vermelho (Êx 14.23-28).
De acordo com a passagem bíblica, Deus abriu o mar sobrenaturalmente para que o povo pudesse passar em terra seca. Ao chegarem ao outro lado, viram o exército do Egito, com seus carros e cavalos, atolar no leito do mar e morrer embaixo das ondas.
O povo de Israel irrompeu em cânticos. Miriã, usando instrumentos musicais, chamou as mulheres para dançar e cantar louvores a Deus.
O comentário do Talmude diz que, no céu, os anjos também começaram a cantar. Porém, o Todo-poderoso repreendeu-os: “Como podem cantar quando meu povo está morrendo?” (Talmude, Tratado Sinédrio, 39b).
Por que Deus repreenderia os anjos por terem cantado se permitiu que os israelitas celebrassem? E o “povo de Deus”, os egípcios, morreu porque o próprio Deus os matou!
O que Deus estava dizendo aos anjos era que, em certo sentido, aquele não era um dia feliz. Ele não criara os egípcios para o mal; no entanto, por eles terem escolhido o mal, era necessário agora erradicá-lo. Por outro lado, os israelitas, que haviam sofrido nas mãos dos egípcios, não só tinham o direito, mas também a obrigação, de celebrar.
O Shabat antes do Purim (data em que os judeus comemoram o livramento do plano diabólico de Hamã, relatado no livro de Ester) é chamado Parashá Zachor, um dia para se lembrar, quando é lido na Torá sobre o ataque de Amaleque ao povo de Israel no deserto (Dt 25.17-19). O que somos ordenados a lembrar, todo ano, nessa data especial? De Amaleque, o arqui-inimigo do povo judeu, e de seus descendentes que surgem em cada geração para tentar nos destruir.
Fazer isso é um dos 613 mitzvot [mandamentos] da Torá. Por que nos esqueceríamos? Porque há algo em nós que deseja racionalizar o mal, achar que não existe. Oferecemos explicações alternativas, políticas, econômicas ou religiosas. Entretanto, a Torá nos informa que o mal realmente existe, que não podemos fechar os olhos e ignorá-lo, e que devemos fazer tudo o que pudermos para erradicá-lo do mundo.
Na ceia da Páscoa (Sêder de Passach), cantamos V’hi sh’amda, que diz: “Porque não foi um somente que se levantou para destruir-nos, mas em cada geração se levantam contra nós; e o Santo, bendito seja ele, salva-nos das mãos deles!”
Tivemos o privilégio de conhecer um judeu especial, o Sr. Yisrael Yitzhak Cohen, um sobrevivente de Auschwitz e Dachau. Ouvimos dele histórias dramáticas e horríveis de suas experiências naqueles lugares infernais. Quando os nazistas os torturavam, apontavam as armas para eles e gritavam: “Cantem, judeus, cantem”. Então, eles cantavam V’hi sh’amda.
Quando os nazistas foram derrotados, no final da guerra, saíram do acampamento, matando todos os judeus que puderam. O Sr. Cohen, pouco mais do que um esqueleto, deitou-se entre os cadáveres, fingindo-se morto. Depois que os nazistas saíram, ele e mais um amigo cambalearam para a cozinha para achar comida. Poucos minutos depois, foram liberados por soldados norte-americanos. O Sr. Cohen conhece a existência do mal e jamais se esquecerá dele.
Nesta vida, existem luz e trevas, o bem e o mal. Precisamos aprender a discernir entre os dois. Sim, temos o mandamento de lembrar que existe mal no mundo – e não só temos a permissão de celebrar sua derrota, mas também o dever!
Como escreveu o Rei Salomão:
“Tudo tem o seu tempo determinado… Há tempo de nascer e tempo de morrer… tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria… tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz” (Ec 3.1-8).
Este artigo foi traduzido do original que pode ser encontrado neste link:http://www.aish.com/ci/s/When_Evil_Falls.html.
Lori Palatnik é autora, palestrante e educadora. Vive com seu marido, Rabino Yaakov Palatnik, em Washington, D.C., nos Estados Unidos.
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O Dia em que Osama Morreu
Rabino Benjamin Blech
A morte de Bin Laden traz um senso de encerramento (em inglês, closure), de fechar as feridas, esquecer o passado e seguir em frente? Não deveria, absolutamente.
Foi apenas uma coincidência, ou houve uma mensagem divina no fato de a data em que Osama bin Laden foi, finalmente, levado à justiça ter sido justamente aquela que é marcada no calendário judaico como Yom HaShoá, ”Dia da Lembrança do Holocausto”?
Para nós, o dia em que Osama morreu foi, realmente, um dia de alegria. Fomos vítimas de sua barbárie.
Entretanto, a reação quase universal à morte desse ícone do mal parece ignorar uma verdade de grandes implicações – uma verdade ressaltada de maneira incontestável pelo significado da data em que sua derrota final coincidiu.
Tenho observado com grande interesse a cobertura da mídia desse evento histórico. Comentadores procuraram parentes das vítimas do 11 de setembro, fazendo-lhes sempre a mesma pergunta: “A morte de Osama lhe trouxe paz e sensação de encerramento?”
Imagine se tentássemos perguntar a algum sobrevivente ou parente de vítima do Holocausto: “Agora que Hitler está morto, você sente paz e tranquilidade? Você conseguiu finalmente fechar as feridas mentais e emocionais causadas pelos horrores do passado?”
Acreditar que as crueldades inexprimíveis sofridas por 6 milhões de judeus possam ser, de algum modo, amenizadas pela morte daqueles que as executaram chega a ser ridículo. Não existe possibilidade de se obter senso de encerramento em relação a crimes cometidos por um regime que declarava o genocídio uma opção civilizada.
Falar de encerramento em relação ao mal significa, de certo modo, fechar qualquer discussão ou atitude prática em relação a ele. Construímos museus, refletimos sobre o Holocausto em obras de arte, literatura e filmes e lembramo-nos de suas vítimas em Yom HaShoá, porque reconhecemos que, se chegássemos a um fechamento de paz, não seríamos mais inspirados a tirar qualquer lição para o futuro das tragédias do passado.
É por essa razão que o perigo de celebrar demais a morte de um inimigo é tão grande.
Quando Hitler morreu, foi preciso reconhecer que houve a morte de um homem, mas não de suas ideias. A Alemanha nazista provou o que o antissemitismo pode gerar quando não é detido. No período pós-Holocausto, vimos que era necessário assumir a missão de denunciar a intolerância, defender os direitos humanos e garantir que “nunca mais” não seria um lema vazio.
A morte de um líder maligno ainda deixa espaço para que seus inúmeros seguidores mantenham viva sua ideologia. Em última análise, é bem mais fácil matar um homem que constitui uma ameaça para nós do que erradicar a influência que conquistou sobre seus discípulos.
Temo que a alegria pela morte de Osama possa dar a ilusão de termos destruído o poder de sua mensagem. Ainda existem miríades de pessoas no mundo de Osama que acreditam em suas ideias. A voz dele ainda se faz ouvir entre os que afirmam que a violência é o único caminho, que justificam a matança indiscriminada de inocentes no suposto nome da religião, que escolhem a explosão de bombas como método divinamente aprovado para dominar o mundo.
A morte de Osama não mudou o conceito dessas pessoas. Muito pelo contrário, podem sentir-se agora na obrigação de vingar seu assassinato.
Os comentadores bíblicos tiveram uma percepção profunda sobre o versículo que introduz o cântico de Moisés e o povo de Israel em Êxodo 15. “Então”, diz a Torá, “Moisés e os israelitas entoaram este cântico ao Senhor.” “Então”, explicam os rabinos e não antes. Somente depois de finalizar a história toda, depois que todos os egípcios morreram foi que os israelitas sentiram, finalmente, que era apropriado celebrar.
Cantar antes da hora teria sido um pecado.
Mais de 50 anos depois do Holocausto, ainda não nos sentimos à vontade para cantar. Refletimos, estudamos, lamentamos aqueles que pereceram. Mas não podemos diminuir a tragédia de 6 milhões de judeus ao sugerir que tenhamos encontrado um senso de encerramento.
Menos de dez anos depois do 11 de setembro, podemos sentir algum consolo ao saber que o idealizador por trás da morte de mais de 3 mil norte-americanos inocentes finalmente encontrou seu justo castigo. Porém, ainda não é hora de cantar. Precisamos continuar lamentando as pessoas que perdemos. E precisamos comprometer-nos a perseverar na batalha contra os seguidores de Osama que continuam firmes em seu propósito de nos destruir.
Quando, por fim, tivermos sucesso nessa batalha (naquele momento, e somente naquele), é que nossa boca se encherá de riso, e nossa língua, de cânticos.
Este artigo foi traduzido do original que pode ser encontrado neste link:http://www.aish.com/ci/s/The_Day_Osama_Died.html.
O Rabino Benjamin Blech é autor de vários livros, palestrante internacional e professor do Talmude na Universidade Yeshiva, em Nova York.
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Comentários sobre a Morte de Bin Laden
“Justiça retributiva é justiça sóbria. A razão para isso é simples: Deus é capaz de praticar a vingança, porque é totalmente coerente com sua própria justiça e perfeição, enquanto os seres humanos não o são. Celebrar a morte de alguém nas ruas dá muito mais a impressão de que estamos tirando prazer da morte de um inimigo. Esse tipo de vingança apenas produz mais inimigos.”
Albert Mohler
“Regozijar-se com a morte de alguém, por mais malévolo que tenha sido, significa que nos esquecemos da profundidade da nossa própria depravação e da espantosa realidade da nossa salvação.”
Gideon Strauss
“O fato de todos nós sermos pecadores, merecedores igualmente de morte e juízo, é indiscutivelmente verdadeiro. Entretanto, se nos apressarmos para relembrar essa realidade em momentos como esse, a consciência de pecado pessoal não será aguçada; pelo contrário, a tendência será de generalizá-la.”
Douglas Wilson
Textos bíblicos mais publicados no Facebook e no Twitter nas 12 primeiras horas após a notícia da morte de Bin Laden:
“Quando cair o teu inimigo, não te alegres [não exultes, não sejas arrogante], e não se regozije o teu coração quando ele tropeçar; para que o Senhor não veja isso, e lhe desagrade, e desvie dele a sua ira” (Pv 24.17,18).
“Quando se faz justiça, o justo se alegra, mas os malfeitores se apavoram” (Pv 21.15, NVI).
“Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva” (Ez 33.11).
“Quando os justos prosperam, a cidade exulta; quando os ímpios perecem, há cantos de alegria” (Pv 11.10).