Toda ação faz diferença diante da luta contra a dependência química
por Eliasaf Assis
Entorpecida pela droga, Cássia (nome fictício) viu sua saúde, sua juventude e seus estudos serem corroídos envoltos na névoa cinza do crack. “As mulheres, por sua constituição física e psicológica, sofrem lesões mais profundas quando usam drogas”, diz Sherydan de Oliveira, diretora da Missão Resgate da Paz, em Goiânia, onde Cássia foi finalmente atendida. Trata-se de uma comunidade terapêutica (CT no jargão do serviço social) dedicada a recuperar mulheres dependentes químicas e ajudá-las a trilhar o Caminho (At 24.14).
No programa de recuperação, Cássia sofreu os desvarios da abstinência. Desistiu, retornou, foi acolhida novamente. Surtou, foi hospitalizada. No auge de seu tormento, experimentou um contato com Deus e ficou limpa de corpo e alma. Seu coração bombeava novos planos. Retornou à universidade, graduando-se em enfermagem. Iniciou uma pós-graduação. Laços de amizade com a fraternidade cristã fortaleceram sua confiança e autonomia. Concursou-se numa cidade distante e partiu com Deus como única companhia. Enfermeira de emergência, socorria, palestrava e envolvia-se. Hoje, a convite do prefeito da cidade, ela é coordenadora da rede de saúde mental de um município de Goiás.
O depoimento de Cássia é tão luminoso que pode eclipsar a sutil trama de relacionamentos que a ajudou. Ela não contou apenas com sua vontade para deixar as drogas, mas também foi embalada numa rede viva, num verdadeiro batalhão de talentos dedicado a pescar almas. Voluntários cristãos (e mesmo não religiosos) de diferentes áreas, direta ou indiretamente, a apoiaram. E essa participação comunitária seria indispensável para que sua superação ocorresse.
Essa “network altruísta” é o que os profissionais do enfrentamento às drogas chamam de “empoderamento”: uma ação coletiva que objetiva devolver ao adicto químico a dignidade perdida, simultaneamente desenvolvendo sua responsabilidade e seu respeito ao próximo. Tal condição só é plenamente possível com o poder do evangelho. Mas “evangelho” aqui é mais do que pregar: é engajamento.
A maioria considera que evangelizar ou contribuir financeiramente são as únicas formas de colaborar com o combate às drogas. Mas uma necessidade mais urgente é a de profissionais e amadores que apoiem as CTs como psicólogos, dentistas, ginecologistas. Há publicitários que criam panfletos e sites e centenas de apoiadores comuns que compartilham links e posts nas redes sociais. Toda ação faz diferença. Foi assim que recentemente a missão recebeu a mensagem de uma empresa de eventos interessada em ajudar.
“Dependentes químicas desconhecem o que significa lembrar-se de datas, preparar-se e usar vestidos de gala para participar de uma solenidade”, avalia a diretora. Com a ajuda voluntária da empresa, o Dia Internacional da Mulher foi celebrado de forma radiante, valorizando as residentes. O que parece vaidade para alguns, para elas é a energia para resistir por mais 24 horas.
Percebe-se a real eficácia do Corpo de Cristo por meio do exercício dos dons daqueles que o compõem. Para fazer frente ao avanço das drogas, a igreja deve colaborar com um projeto já existente, doando serviços, tempo e ouvidos. Todo recurso é bem-vindo, em especial o afetivo.
Abraços, encorajamento ou sentar-se próximo são atos generosos que qualquer pessoa pode realizar e que têm grande significado para quem quer deixar a dependência. “Na reunião da igreja em que as residentes participaram, houve um momento de confraternização em que fui até as pessoas que se sentavam ao fundo e as animei a cumprimentar as meninas”, conta Sherydan. “Algumas foram, outras não. Aquelas que deixaram seus lugares e demonstraram afeto voltaram todas com um grande sorriso no rosto!”