21 de dezembro de 2024

Ler é sagrado!

Garimpando na Palavra: Verdade = Realidade

Por John MacLauchlan

A palavra grega aletheia é geralmente traduzida para o português nas nossas versões do Novo Testamento pela palavra verdade. Muitos acham que verdade significa um conjunto de doutrinas, a verdade da fé. Entretanto, esse significado está longe da idéia de aletheia, que poderia ser traduzida com muito mais precisão como realidade. Não se refere a um conjunto de doutrinas mentalmente aceitas, mas a uma esfera de experiência. Significa a experiência do que é real e não o conhecimento do que é verdadeiro.

A realidade existe por definição, indiferentemente do fato de ser reconhecida ou experimentada. O que Cristo realizou na sua morte e ressurreição existe como realidade, e isso muito antes de nós o reconhecermos ou de experimentarmos perdão e submissão ao governo do Reino de Deus. Os cristãos não precisam tanto de maior conhecimento de doutrina, mas, sim, de mais experiência prática da realidade do Reino de Deus.

A tradução literal de João 8.31,32 ficaria assim: “Se permanecerem na minha palavra, vocês serão realmente (alethos) meus discípulos; e experimentarão a realidade, e a realidade os libertará”.

Alguns poderiam argumentar que as regras básicas da gramática grega exigem que substantivos abstratos usem o artigo definido; assim sendo, deveríamos omitir “a” antes de realidade na tradução para o português. Mas um estudo de como o termo é usado no Novo Testamento logo nos convencerá que aqui se refere não a um conceito abstrato, mas a uma esfera concreta de experiência. “A realidade” é a esfera de Deus, a esfera do Espírito, um reino invisível, mas real, que devemos experimentar. A palavra de Jesus e nossa submissão a ele como seus discípulos nos capacitam a experimentar essa esfera.

Na verdade, trata-se da esfera do próprio Deus, pois “Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem continuamente em espírito e em realidade” (Jo 4.24). A ligação entre espírito, a esfera da atuação de Deus, e realidade é muito clara. Nossa dimensão material deriva-se do mundo espiritual criado por Deus que “é espírito”. Como crentes, “nascemos do espírito” como também “da carne” (Jo 3.6), ou seja, temos uma vida natural, física e material e, também, uma vida espiritual. Devemos desenvolver nossa experiência da realidade na esfera espiritual para, assim, formar uma ponte entre o céu e a terra.

Jesus fez isso de forma suprema: trouxe o céu à terra e expressou perfeitamente o Deus invisível. Dessa forma, não nos deve surpreender o fato de que chamou a si mesmo de “a realidade” (Jo 14.6), pois nele se encarnava e manifestava tudo que aquele termo contém em seu significado. Ao prometer enviar o Espírito depois da sua partida, Jesus disse: “Quando vier, porém, o Espírito da realidade, ele vos guiará a toda a realidade” (Jo 16.13).

O Espírito abre a nós toda a dimensão de Deus, os lugares celestiais, e nos torna participantes dos “poderes do mundo vindouro” (Hb 6.5). É ele que torna verdadeira em nós a palavra que Jesus disse: “Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado”, e que nos leva a encarnar e expressar visivelmente a realidade invisível de Deus. De fato, no mesmo contexto (Jo 17.17-22), Jesus orou: “Separa-os [a ti mesmo] dentro da realidade (ou: Santifica-os na verdade); a tua palavra é realidade”.

Quando Jesus ficou diante de Pilatos, o governador não conseguia compreender suas afirmações. Aparentemente, o prisioneiro estava declarando que era rei, no entanto não queria dirigir uma revolta armada contra o poder romano. Jesus falou com ele a respeito da realidade do seu reino, invisível a olhos humanos sem recursos especiais, mas manifesta a “todo aquele que é fruto da realidade” (ou “a todo aquele que é da verdade”) (Jo 18.37). Pilatos não conseguia enxergar essa esfera, o que o levou a fazer a pergunta mais patética da história: “O que é a realidade?”. Nós fomos introduzidos nessa esfera de realidade em Deus e nosso papel é encarná-la de tal forma que o mundo seja confrontado com a realidade de Jesus como Rei.

Há muitas outras passagens que poderíamos destacar, mas devo deixar que o leitor, junto com a sua concordância bíblica, faça o restante. Quero terminar mostrando este mesmo termo em Efésios. Paulo chama as boas novas de “a palavra da realidade”, pois elas declaram a esfera invisível, porém transcendentemente real, do Reino de Deus. A resposta a essa palavra deve ser confirmada pelo recebimento do Espírito Santo da promessa, que garante nossa plena herança (Ef 1.13,14). Os crentes devem então entrar mais profundamente na realidade, abandonando toda prática do mal, pois a “realidade está em Jesus” (Ef 4.21). De fato, toda nossa vida deve ser uma encarnação da realidade (o texto em Ef 4.15 seria literalmente traduzido: “experimentando a realidade em amor”) e um contínuo falar da realidade (Ef 4.25). Dessa forma, nossa vida individual e nossas vidas como corpo tornam-se uma expressão do céu sobre a terra.

Este artigo foi publicado originalmente em julho de 1978, numa revista periódica da Inglaterra chamada Fulness (que não circula mais).

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