Por: Andrew Murray
“A si mesmo se humilhou tornando-se obediente até a morte” (Filipenses 2.8).
Humildade é a vereda para a morte, porque é na morte que ela dá a maior prova da sua perfeição. Humildade é a flor da qual a morte do ego é o fruto perfeito. Jesus humilhou-se a si mesmo até a morte e abriu o caminho pelo qual devemos nós caminhar. Assim como para Ele não havia outra maneira de provar a sua entrega total a Deus até o último grau, nem de abandonar a degenerada natureza humana e alcançar a glória do Pai, a não ser pela morte, assim também é conosco.
A humildade tem de nos levar a morrer para o ego: só assim provamos até que ponto nos entregamos a nós mesmos para Deus. Somente desta maneira nos libertamos da natureza caída, e encontramos o caminho que leva à vida em Deus, àquele pleno nascimento da nova natureza, da qual a humildade constitui o ar que ela respira e a sua alegria.
Jesus comunicou sua vida de ressurreição a seus discípulos através da descida do Espírito Santo, quando Ele, como a mansidão glorificada e entronizada, de fato desceu do céu para vir habitar neles. Foi na morte que Ele obteve o poder para fazer isto. Na sua essência mais profunda, esta vida que Ele nos doa é uma vida proveniente da morte, uma vida que foi entregue à morte e conquistada através da morte. Aquele que veio habitar neles passou Ele próprio pela morte e agora vive para sempre. Sua vida, sua pessoa, sua presença, traz as marcas da morte, por ser uma vida gerada na morte.
Nos seus discípulos esta vida também sempre trará as marcas da morte. O poder da sua vida só pode ser conhecido quando o Espírito daquele que morreu habita e opera na alma. A primeira e mais importante das marcas do Senhor Jesus, das marcas de morte que identificam o verdadeiro seguidor de Jesus, é a humildade. Aqui estão duas razões para isto: só a humildade leva à morte perfeita; somente a morte aperfeiçoa a humildade. A humildade e a morte na sua verdadeira natureza são uma só. A humildade é o botão da flor; na morte o fruto é amadurecido para a perfeição.
A Humildade Leva à Morte Perfeita
Humildade significa desistir do ego e tornar-se perfeitamente anulado diante de Deus. Jesus humilhou-se a si mesmo e tornou-se obediente até a morte. Na morte Ele deu a prova mais perfeita e mais elevada de que desistira da sua vontade para a vontade de Deus. Na morte Ele desistiu do seu ego, com sua relutância natural em beber do cálice. Ele desistiu da vida que tinha em união com a nossa natureza caída. Ele morreu para o ego e para o pecado que o tentava, para entrar como homem na vida perfeita de Deus. Se não fosse pela sua ilimitada humildade, considerando-se a si mesmo como nada além de servo para fazer a vontade de Deus até no sofrimento, Ele nunca teria morrido.
Isto nos leva à resposta da pergunta que tanto se faz e que tão dificilmente se compreende: “Como posso morrer para o ego?” A morte para o ego não é obra sua, é obra de Deus. Em Cristo você está morto para o pecado. A vida que está em você passou pelo processo de morte e ressurreição; você pode ter certeza que está de fato morto para o pecado. Mas a manifestação plena do poder desta morte na sua atitude e conduta depende da medida em que o Espírito Santo implanta na sua vida o poder da morte de Cristo.
É aqui que é necessário ter ensinamento: se você quiser entrar em comunhão completa com Cristo na sua morte, e conhecer a libertação total do ego, humilhe-se a si mesmo. Este é o seu único dever. Coloque-se diante de Deus na sua mais completa incapacidade. Admita com sinceridade sua real impossibilidade tanto de se matar como de se vivificar. Abaixe-se na sua própria insignificância, com um espírito de entrega dócil, paciente e confiante a Deus. Aceite cada humilhação, encare cada pessoa que o prova ou perturba como um meio de graça para o humilhar.
Utilize cada oportunidade de se humilhar diante dos seus semelhantes como um auxílio para permanecer humilde diante de Deus.
Deus aceitará tal humilhação como prova de que a deseja de todo o seu coração, como a verdadeira e melhor oração por ela, e como a preparação para sua poderosa obra de graça. E assim, fortalecido poderosamente pelo seu Santo Espírito, Cristo será revelado plenamente na sua vida, e como servo, Ele será de fato formado em você e habitará em seu coração. É a vereda da humildade que leva à morte perfeita, a experiência perfeita e completa de estarmos mortos em Cristo.
Mas também: Somente esta morte leva à humildade perfeita. Tome cuidado com o erro de muitos que querem ser humildes mas temem ser humildes demais. Eles têm tantas qualificações e limitações, tantas racionalizações e questionamentos, sobre o que é e como deve ser a verdadeira humildade, que nunca se lhe entregam sem reservas. Tome cuidado com isto. Humilhe-se até a morte. É na morte para o ego que a humildade é aperfeiçoada. Esteja certo de que a fonte de toda verdadeira experiência de uma graça maior na vida de alguém, de todo verdadeiro progresso na consagração, de todo crescimento real em ser mais parecido com Jesus, é a morte para o ego que se comprova para Deus e para os homens através de atitudes e hábitos.
Infelizmente é possível falar de experimentar esta morte e de andar no Espírito, e ainda perceber que há muito da velha natureza egoísta atuando na sua vida. A morte para o ego não tem outra marca maior do que a humildade que não procura para si nenhuma reputação, que se esvazia, e que toma sobre si a forma de servo.
É possível se falar muito de comunhão com um Jesus desprezado e rejeitado, e de carregar a sua cruz, ao mesmo tempo em que não se vê – nem se busca – a verdadeira humildade do Cordeiro de Deus, doce e simples, bondosa e gentil. O Cordeiro de Deus significa duas coisas – humildade e morte. Procuremos recebê-lo destes dois modos. Nele as duas coisas são inseparáveis, e devem estar também em nós.
Que tarefa impossível seria se nós tivéssemos que realizar a obra! A natureza nunca pode vencer a natureza, nem mesmo com o auxilio da graça. O ego nunca pode se livrar do ego, mesmo num homem regenerado. Louvado seja Deus – a obra foi realizada, completada e aperfeiçoada para sempre! A morte de Jesus uma vez e para sempre é a nossa morte para o ego. E a ascensão de Jesus, a sua entrada uma vez por todas no Santo dos Santos, nos legou o Espírito Santo para nos comunicar esta vida com poder e para que a força desta vida que saiu da morte seja de fato nossa.
A medida que a alma, na busca e prática da humildade, segue os passos de Jesus, desperta-se nela uma consciência de que precisa de algo mais. Seu desejo e sua esperança são estimulados, sua fé é fortalecida, e ela aprende a olhar para cima para clamar e receber a verdadeira plenitude do Espírito de Jesus. É só assim que se pode manter diariamente a morte de Jesus para o ego e o pecado em todo o seu poder, e fazer da humildade o espírito totalmente predominante da nossa vida.
Através da Morte para a Ressurreição
“Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte?…considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus…Apresentai- vos a Deus, como vivos dentre os mortos” (Rm 6.3,11,13).
A autoconsciência total do cristão deve estar imbuída e caracterizada pelo espírito que conduziu Cristo para a morte. Ele deve se apresentar sempre a Deus como alguém que morreu em Cristo, e em Cristo está vivo dentre os mortos, trazendo em seu corpo as marcas do Senhor Jesus.
Sua vida sempre traz a marca dupla: suas raízes enterradas profundamente em verdadeira humildade na sepultura de Jesus, na sua morte para o pecado e para o ego; e sua cabeça elevada no poder da ressurreição para o céu onde Jesus está.
Crente, reivindique pela fé como propriedades suas a morte e a vida de Jesus. Entre na sepultura e descanse do ego e das suas obras – o repouso de Deus. Com Cristo, que entregou seu espírito nas mãos de Deus, humilhe-se e desça cada dia para aquela perfeita insuficiência e dependência de Deus. Deus o levantará e o exaltará. Desça cada manhã para a insuficiência profunda da sepultura de Jesus; a cada dia a vida de Jesus se manifestará em você.
Deixe que uma humildade voluntária, amorosa, descansada e plena seja a prova de que realmente reivindicou seu direito por nascimento – o batismo na morte de Cristo.