Por Dallas Willard
Por que ler um livro com mais de 400 páginas que questiona consistentemente o modo como você vivencia a sua fé, podendo até mesmo abalá-la de forma drástica? Vale a pena correr esse risco?
Dallas Willard tem a relevância do evangelho em nosso cotidiano como tema preferido em seus livros. Baseados em João 3.16, a grande maioria dos cristãos não tem nenhuma dúvida que, se crerem em Jesus, terão vida eterna, ou seja, “um lindo, lindo lar celestial”. É fácil (e até conveniente) entregar o nosso futuro nas mãos de Deus. Mas será que temos a mesma disposição de confiar a ele também o nosso presente? Neste ponto, muitos cristãos têm dificuldade, preferindo ter a Jesus como Salvador, mas não o consideram tão apto quanto as últimas pesquisas de opinião para nos ensinar sobre o amor e o sexo e outras questões do cotidiano.
“Essa irrelevância daquilo que Deus faz em relação àquilo que compõe a nossa vida é a falha fundamental na vida das multidões que hoje professam a religião cristã. Elas foram levadas a crer que Deus, por alguma razão insondável, simplesmente acha bom transferir para a nossa conta os méritos da conta de Cristo e também apagar as dívidas do nosso pecado, depois de inspecionar a nossa mente e descobrir que acreditamos que uma determinada teoria de expiação é verdadeira – mesmo que confiemos em tudo menos em Deus nas outras questões que nos dizem respeito.” (p. 69).
“O desligamento entre vida e fé, a ausência de Jesus como mestre nas nossas igrejas, não é provocada pela iniqüidade do mundo, pela opressão social, ou pela teimosa mesquinhez das pessoas que freqüentam os cultos e realizam os trabalhos da nossa congregação. É em larga medida provocada e sustentada pela mensagem básica que continuamente nos chega dos púlpitos cristãos… Um ditado popular entre os especialistas em administração hoje é: ‘O sistema foi projetado exatamente para gerar os resultados que você está observando’. Por isto podemos dizer que a condição da igreja tão eloqüentemente lamentada por numerosos líderes não passa da conseqüência natural da mensagem básica que se ouve hoje na igreja.” (p. 78).
Com este discurso, Willard mostra que a vida dos cristãos não mudará apenas com mudanças estruturais no estilo das igrejas, mas que é necessário uma reforma radical da maneira que entendemos e pregamos o evangelho. Nestes dias em que muitos estão questionando os resultados apresentados pela igreja evangélica, os assuntos abordados neste livro são obrigatórios se quisermos encontrar soluções bíblicas.
De acordo com Richard J. Foster, no prefácio: “Ninguém que eu tenha lido penetra com tanta eficácia o âmago da doutrina de Jesus. A análise que o autor faz das ‘Bem-aventuranças’, por exemplo, é simplesmente assombrosa, virando de cabeça para baixo muitas das nossas idéias comuns a respeito dessa famosa passagem. Só essa análise já vale o livro.”
Como Willard diz, vivemos o evangelho da administração do pecado, onde os cristãos não são perfeitos – são apenas perdoados. É por esta razão que a igreja está tão fraca e exerce cada vez menos impacto em nossa cultura. Neste ambiente, a transformação de vida e caráter simplesmente não faz parte da mensagem de redenção (lembre-se: basta crer em Jesus que terá o futuro garantido no céu), e a fé tem pouca influência sobre a vida. Alguém já recebeu algum ensinamento de como amar aos inimigos?
A verdadeira fé não consiste em tomar os ensinamentos de Jesus e tentar realizá-los pela nossa própria determinação. Tentar cumprir o sermão do monte com nosso próprio esforço não passa de frustração. Na realidade, o Filho de Deus está ao nosso lado injetando sua vida eterna (zoe) em nossa vida natural (bios). Algumas coisas até podemos fazer com nosso empenho, em nossa energia isolada. Podemos fazer mais ainda com a energia mecânica, elétrica ou atômica. Mas tudo isto é muito pequeno em comparação com o que podemos fazer se agíssemos em união com o próprio Deus. Um imenso poder criativo e transformador é liberado em nossas vidas.
Insistindo na simplicidade dos ensinamentos de Jesus, o autor discorre sobre relações interpessoais, oração, evangelização e discipulado, motivações, e até mesmo sobre a marcha para a eternidade. Tudo isto vai produzindo tamanha insatisfação no leitor que, ao perceber que o livro está acabando, dá vontade de ler tudo outra vez. Indiscutivelmente, o anseio por uma vida com Deus que realmente funcione é algo que arde dentro de todos nós.