Por: Eliza Walker
Uma Parábola sobre Responsabilidade Individual versus Segurança Coletiva
“E chegando-se a ele os discípulos, perguntaram-lhe: Por que lhes falas por parábolas?” (Mt 13.10). Quantos de nós imaginávamos que Jesus falava às multidões por parábolas para facilitar o entendimento de todos? Na verdade, o propósito de nosso Senhor era ocultar os seus mistérios e somente revelá-los aos que se achegassem a ele – através da intimidade, eles entenderiam as verdades espirituais.
Ainda hoje Deus continua inspirando homens e mulheres para nos falarem através de parábolas. Não estou querendo equiparar qualquer outro escritor ou livro à Palavra de Deus, mas o fato é que muitos irmãos ungidos nos falam de verdades profundas de forma sutil, usando o imaginário e até a mitologia aparentemente pagã. Você consegue ir além das aparências? Seu espírito é tocado em horas inesperadas?
É assim com os escritos de C. S. Lewis. Ele consegue, por exemplo, esconder realidades espirituais em suas crônicas infantis. As histórias são envolventes, prendem a atenção de crianças, jovens e adultos, mas por trás do enredo há verdades e princípios maravilhosos encobertos que nem todos percebem. Ao mesmo tempo, através dos livros e, agora, dos filmes que estão sendo lançados, a Palavra de Deus pode ser pregada sem a resistência que muitos teriam se fosse apresentada de forma mais direta.
Em toda parábola há o momento mais tocante, que nem sempre é igual para todos.
Na coleção das Crônicas de Nárnia, depois da história narrada em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa, segue-se uma aventura chamada O Príncipe Caspian. Embora conste na lista da série como o quarto dos sete livros, é o que traz a seqüência dos acontecimentos com os heróis do livro que serviu de base para o primeiro filme: Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia.
Nesta aventura, os quatro irmãos retornam a Nárnia depois de terem passado um ano no mundo deles. Descobrem que em Nárnia passou-se muito mais tempo que isso – 1300 anos –, o que explicava em parte as grandes mudanças que encontraram por lá. A mais importante era uma terrível guerra civil, que fora o motivo de o príncipe Caspian os ter convocado.
Para chegarem ao local da batalha, havia uma longa jornada, o que já foi uma aventura em si. Contaram com a ajuda de um anão que foi enviado pelo príncipe Caspian para recebê-los e que os acompanhou o tempo todo.
Em vários momentos, enquanto a história se desenrola, lições podem ser aprendidas; as mais importantes, porém, são quando Aslam – o grande Leão – aparece.
Uma Decisão Errada
A primeira vez em que ele aparece nesta história é quando as quatro crianças e o anão estão no momento de decidir de que lado do desfiladeiro eles devem seguir. Antes de seguirem pelo lado que Pedro sugeriu, Lúcia viu o Leão no lado oposto ao que queriam ir. Ela entendeu, então, que ele queria que fossem por aquele caminho. Mas ninguém além dela o havia visto e, portanto, mantiveram a decisão inicial.
Foi um caminho muito difícil de ser percorrido, especialmente para Lúcia que sabia que não deveriam estar ali. Depois de ter visto o Leão, nada poderia tirar dela essa amarga convicção.
No fim, foi isto o que aconteceu: quando parecia que estavam saindo das trevas e dos perigos, descobriram que o campo adiante, apesar de plano, estava tomado pelos inimigos e que não tinham a menor chance de avançar. Resultado: tiveram de virar-se e enfrentar todo aquele terrível caminho de volta.
Conseguiram fazer o caminho de volta enquanto ainda era dia e se prepararam para passar a noite. Não demorou que adormecessem. De repente, Lúcia foi despertada de um sono profundo com uma voz que em seu íntimo era conhecida. E foi conduzida por essa voz para fora do acampamento onde todos dormiam. Passou por entre as árvores, que se encontravam em grande agitação, uma agitação sobrenatural (não para Nárnia, mas sim para nós), de tal forma que ela via pessoas e não apenas árvores. Porém nada disso a fez perder o foco, pois queria encontrar aquele que a chamava. Finalmente ela o encontrou, ali estava ele, Aslam, o querido Aslam.
No diálogo que se segue entre os dois, Aslam mostra pacientemente que não apenas os companheiros de Lúcia erraram naquela manhã por não acreditarem nela, mas que a responsabilidade pela perda de tempo era dela também. Lúcia se admira muito disso que, diga-se de passagem, Aslam lhe mostrara apenas com o olhar, sem nem mesmo usar palavras.
“Oh, Aslam, você acha que eu errei? Como é que eu… podia deixar os outros e vir sozinha encontrar-me com você? Não olhe para mim desse jeito… bem… de fato… talvez eu pudesse. Sei que com você eu não estaria sozinha. Mas ia adiantar alguma coisa?”
Será que esta é uma pergunta válida? Estar ao lado de Aslam e segui-lo é pouca coisa?
Aslam não respondeu.
De Quem é a Responsabilidade?
Quantos de nós hoje andamos resmungando e murmurando a respeito da situação da igreja e até mesmo dos líderes que Deus colocou sobre nós, responsabilizando-os pela pobreza espiritual em que nos encontramos. É bem mais fácil enxergar o defeito do nosso irmão e atribuir a ele a culpa pela falta de rumo na igreja, mas você já fez o que Deus lhe mandou fazer? Você está sendo fiel à parte da visão que ele lhe revelou?
O problema é que não acreditamos de fato no poder e segurança de seguir a Cristo; gostamos de nos cercar de seguranças naturais. A capacidade está nele e não em nós. Em contos como estes, tanto os de Lewis como os de Tolkien (O Senhor dos Anéis), você percebe a fragilidade e aparente incapacidade dos heróis encarregados da missão. Isso é interessante, pois é o que nós também somos diante da tarefa que Deus nos dá. Somos totalmente incapazes, mas ele é tão poderoso que confia em nós para realizá-la, pois a fonte de todo poder vem dele. Somente ele poderia ter um plano tão ousado – de confiar tamanho tesouro a vasos de barro.
Meu avô, John Walker, dizia que uma pessoa em comunhão com Deus possui o potencial infinito da criatividade divina. Veja que coisa maravilhosa! Um homem em contato com Deus é capaz de mudar a história de toda a humanidade. Vemos a força dessa verdade, por exemplo, na vida de Noé. É fora de proporção o que Deus pode fazer através da vida de uma pessoa entregue a ele. Isso tira de nós o direito de responsabilizar o outro por uma tarefa que pode ser feita por qualquer um de nós.
Creio que, nesse ponto da história, C. S. Lewis está mostrando a importância da responsabilidade individual. Isso não desfaz, em momento algum, a importância do coletivo, pois é bom lembrar que aqueles que Deus coloca ao nosso lado têm sinceridade no coração e estão na mesma expectativa que nós. O fato, porém, é que nem sempre o que é revelação para você será revelação para o seu irmão. Deus quer saber o que é mais importante para você, a revelação ou a segurança de estar junto com os outros.
À Lúcia foi dada uma segunda chance. O mesmo desafio foi feito. “Você vai voltar agora e acordar os outros para contar-lhes outra vez o que viu e dizer que eles se levantem imediatamente e me sigam… (…) a princípio eles não me verão, (…) mas eles devem segui-la. Se não quiserem vir, você pelo menos terá de acompanhar-me.”
Ainda que a mesma revelação não venha a todos, Deus providenciará meios para que a comunidade caminhe. Existe a simples possibilidade de que eles não permitam que você vá sozinho, ainda que não entendam sua posição. O que nos une é o Espírito Santo que habita em nós, e ele testificará.
No momento em que Lúcia volta para o local onde todos estão dormindo, ela se encontra com redobrada força, a força do Leão, que somente um encontro com ele pode nos dar. Quando todos percebem, após terem sido acordados, que ela está resoluta, resolvem então segui-la.
Agora um detalhe interessante que vale ressaltar é que o primeiro e quase o único a acreditar em Lúcia logo da primeira vez, mesmo sem ter visto o Leão, foi Edmundo. Vocês se lembram do Edmundo no livro anterior? É, esse mesmo, aquele que traiu a todos e ao próprio Aslam. Edmundo foi aquele que pusera tudo a perder, mas que encontrou a magia profunda – a remissão, a graça do perdão. Depois daquilo, Edmundo jamais confiaria em si mesmo novamente. O traidor redimido estaria sempre alerta às manifestações de seu salvador.
Aslam tratara profundamente com o caráter de Edmundo e agora estava tratando com o de Lúcia também. Certamente ela jamais seria a mesma.
O desenrolar dessa grande aventura e como Aslam tratou dos outros heróis você só saberá lendo o livro ou assistindo ao filme.