Por: Mateus Ferraz de Campos
Uma reflexão sobre o livro “O Deus Invisível”, de Philip Yancey.
Quem nunca passou por momentos de dúvidas na fé cristã? Quem nunca parou por um momento, durante a sua peregrinação, para refletir sobre as imensas questões sombrias que nos aparecem durante nosso relacionamento com Deus? Quem nunca ficou insatisfeito diante de realidades intangíveis como a Trindade? Quem nunca ficou sem reação diante da aparente inércia de Deus em momentos de crise? Quem nunca questionou sua fé? Quem nunca teve medo de não crer?
Quem responder “sim” a essas perguntas, provavelmente ainda não tentou se relacionar com Deus de forma pessoal e íntima.
“Se você não teve dificuldades para encontrar a Deus, talvez não seja Deus a quem você encontrou”, disse Thomas Merton.
São frases como esta e pensamentos desse tipo que Philip Yancey usa para surpreender-nos como cristãos em seu livro “O Deus (in)visível”.
Usando uma sinceridade incomum, ele levanta muitas questões que todos nós fazemos de uma forma meio disfarçada em nossa jornada com Deus.
O que chama atenção no livro é a abordagem que o autor faz a respeito da dificuldade que um homem mortal encontra ao relacionar-se com um Deus transcendente. Esse tipo de análise sincera do relacionamento homem-Deus é de vital importância em nossos dias.
Em geral, pela falta desse tipo de sinceridade em nosso cristianismo, acabamos pendendo para duas reações opostas em nosso relacionamento com Deus: a impessoalidade ou a banalização.
Alguns, por não compreenderem os mistérios de Deus, acabam depreendendo a idéia de que Deus é grande demais para ser inserido na realidade humana. Suas dúvidas constroem uma muralha que deixa Deus do lado oposto da vida sem qualquer possibilidade de comunicação, comunhão ou relacionamento. Obviamente, quando pensamos nesse tipo de gente, logo os associamos com os pecadores que não conhecem a Deus e vivem longe da realidade de sua existência. Porém, embora eles também sejam representantes desse relacionamento impessoal, não constituem o único grupo que sofre com essa concepção.
Estranhamente, existem mais pessoas dentro das igrejas evangélicas se relacionando com um Deus impessoal do que imaginamos. É como se, na verdade, elas se relacionassem com uma espécie de “presidente de banco”, onde se envolvem com o sistema que ele encabeça, mas nunca o alcançam de forma pessoal. Da mesma forma, muitos cristãos se relacionam com o sistema (infelizmente esse termo se aplica à nossa realidade eclesiástica) que Deus encabeça, porém nunca sentiram sua presença pessoal na realidade da vida. Nesse caso, as dúvidas são sufocadas por uma vida religiosa que se disfarça muito bem nos trajes de uma “vida de fé”.
O outro lado do pêndulo é a banalização do relacionamento com Deus. Justamente pela falta de sinceridade, muitos acabam simplificando demais a dinâmica desse relacionamento. Logo, perde-se de vista a dimensão dos mistérios de Deus, de sua infinitude e de seu poder. As dúvidas são também sufocadas por uma suposta “vida de fé”, que na verdade nunca questionam, porque é uma fé superficial. O resultado é que o Deus infinito e pessoal torna-se banal e comum. E, embora os que vivem dessa maneira afirmem uma intimidade extraordinária com Deus, o que elas, na verdade, estão experimentando é um enganoso relacionamento com suas concepções de Deus e não com o próprio Deus. É aí que perdemos as palavras significativas e transformadoras do Criador para ouvirmos os ecos de nossas próprias reflexões sobre ele. O pior de tudo, nesse processo, é que devido à sua sutileza, raramente conseguimos identificá-lo.
Em ambos os casos, estamos mantendo Deus à distância. Ora por considerá-lo grande demais, ora por ignorarmos sua grandeza. Como disse anteriormente, essas duas posturas são facilmente confundidas com uma “vida de fé”.
Em seu livro, Philip Yancey deixa claro que uma vida de fé não é caracterizada pela ausência de dúvidas. Deus não é um ditador tirano que se ofende com os questionamentos de seus seguidores. Quando as dúvidas são pontos cardeais de uma sincera jornada em busca de Deus, o próprio Deus as utiliza para revelar-se cada vez mais.
É impossível que na relação entre o divino e o humano, entre o temporal e o eterno, entre o absoluto e o limitado, não surjam questionamentos. A grande surpresa é a maneira como Deus responde ou não aos nossos questionamentos para manter-nos perto dele.
Partindo dessas premissas, o livro “O Deus (in)visível”, nos leva a profundas reflexões sobre a pessoa de Deus e sua dança com o homem. Os parêntesis no título são absolutamente justificáveis, uma vez que somos levados a compreender melhor que nosso desafio é nos relacionar com o invisível como se fosse mais real do que o visível.
Não quero passar a idéia errada de que o livro de Yancey seja um livro de respostas. Pelo contrário, provavelmente seja um tributo às dúvidas. Mas, sem dúvida, aprendemos o valor da nossa sinceridade para Deus e como essa sinceridade pode nos levar a conhecê-lo melhor.
Se você já teve dúvidas, esse livro é uma leitura importante e agradável. Se não as teve, é uma leitura absolutamente necessária.