22 de dezembro de 2024

Ler é sagrado!

Lições da História

Compilado por Christopher Walker

CONFLITO DOUTRINÁRIO ENTRE GIGANTES DA HISTÓRIA

Quase todos já ouviram falar de dois dos maiores pregadores na história da Igreja Cristã, John Wesley e George Whitefield, que foram instrumentos de Deus no grande avivamento do século XVIII na Inglaterra e na América do Norte. Um pouco menos conhecida é a história do conflito doutrinário entre os dois e de como ameaçou a união e amizade entre eles, por pouco não causando uma profunda cisão entre os seus seguidores.

No Princípio: Harmonia e Complementação de Dons

George Whitefield era mais jovem que os irmãos Wesley, John e Charles. Quando ele, um rapaz pobre e provinciano com sotaque caipira, chegou em Oxford em 1732, Charles o convidou para participar do “Clube Santo”. Embora George tivesse tido sua experiência de conversão uns três anos antes de John Wesley, ele o considerava como pai espiritual em Cristo e sempre o tratava com total respeito e deferência.

Em 1736, enquanto John Wesley viajava para as colônias norte-americanas, George Whitefield ficou encarregado da supervisão dos grupos de metodistas em Oxford. Sua eloqüência e unção como pregador logo o impulsionaram à fama. As coisas começaram a acontecer rapidamente. Um avivamento borbulhava em ambos os lados do Oceano Atlântico.

Whitefield era mais jovem e exuberante, um evangelista eloqüente. Os dois irmãos, John e Charles, eram mais conservadores e relutantes, com grandes dons de ensino e organização. Em 1739, Whitefield conduziu a pregação da Palavra para fora dos prédios, ao ar livre, tirando o metodismo das respeitáveis sociedades anglicanas de classe média e levando-o para o meio das massas pobres, daqueles que nem faziam parte da igreja.

Multidões vieram a Cristo enquanto Whitefield e os irmãos Wesley trabalhavam na mais perfeita harmonia, complementando os dons de oratória e evangelismo com os de discipulado e organização. Entretanto, como acontece comumente na história da humanidade, esse funcionamento harmônico no meio da diversidade durou muito pouco.

Conflito Doutrinário

O problema que passou a perturbar e dividir os bons amigos e colaboradores na obra de Deus foi doutrinário. Era tudo relacionado com a questão da predestinação. Os irmãos Wesley eram arminianos irredutíveis, que negavam a predestinação tal como era promulgada pelos puritanos e calvinistas. Embora, no princípio, Whitefield não fosse tão convicto como calvinista, durante uma viagem à América do Norte, seus estudos e contatos com os puritanos de lá (como Jonathan Edwards) o convenceram completamente.

Durante o ano de 1739, John Wesley resolveu publicar um sermão sobre o assunto da predestinação. Sua opinião era que o calvinismo gerava fatalismo e desencorajava o crescimento em santidade. Seu irmão Charles temia que a predestinação – e especialmente a idéia da reprobação, segundo a qual Deus predestina alguns à condenação eterna – representasse um Deus de amor como um Deus de ódio.

Whitefield ficou extremamente receoso quando soube da intenção de John. “Ouvi dizer, honrado senhor”, escreveu-lhe numa carta, “que pretende publicar um sermão sobre predestinação. Estou chocado só em pensar a esse respeito; o que poderá resultar a não ser controvérsia? Se as pessoas pedirem minha opinião, o que devo fazer? Tenho uma parte crítica para desempenhar, que Deus me capacite a agir corretamente! O silêncio de ambas as partes seria o melhor. Já está sendo propagado por aí que existe uma divisão entre mim e você. Oh, meu coração dentro de mim está entristecido…”

Em outras ocasiões, Whitefield lhe implorava: “Como a causa do nosso Mestre em comum sofrerá se levantarmos disputas sobre pontos particulares da doutrina!… Pelo amor de Cristo, não sejamos divididos entre nós mesmos!… Evitemos toda disputa. Não me obrigue a pregar contra você; eu preferiria morrer…”

No fim, Wesley foi em frente e publicou o sermão intitulado “Livre Graça”, mas somente depois de muita intranqüilidade, de pedir um sinal de Deus e de buscar uma resposta através de jogar sortes duas vezes. Whitefield demorou mais de um ano para escrever uma resposta, mas no fim veio a público também com sua defesa da doutrina calvinista da graça.

A batalha estava armada. O avivamento começou a caminhar em linhas opostas. Ao lado das “Sociedades Unidas” de Wesley, surgiram agora as sociedades “Metodistas Calvinistas” de Whitefield na Inglaterra e no País de Gales. Em Londres, os seguidores de Whitefield levantaram um Tabernáculo na mesma rua em que ficava o “Foundery” de Wesley (a fundição que ele usava como local de reuniões).

Aprendendo a Viver em Paz Apesar das Diferenças

Em outra época, ou com outras personagens, a situação poderia ter resultado em separação definitiva e total. Entretanto, embora nunca tenham alcançado harmonia doutrinária, os dois aprenderam a viver em paz um com o outro.

Em 1741, Whitefield escreveu para Wesley, pedindo perdão por ter divulgado o seu uso da sorte para decidir se devia publicar o sermão sobre “Livre Graça”. “Descobri que amo você tanto quanto sempre amei”, ele continuou, “e oro a Deus, se for pela sua bendita vontade, que sejamos todos unidos novamente… Que Deus remova todos os obstáculos que agora impedem a nossa união…”

Em fevereiro de 1742, os dois se encontraram e alcançaram reconciliação pessoal. Nas palavras de Whitefield: “Por que deveríamos disputar quando não há possibilidade de convencer um ao outro? Isso não é desistir da nossa fé ou convicção, mas cumprir o novo mandamento do nosso Senhor: ‘Amai-vos uns aos outros’. Nosso amor é apenas fingido se não produzir o fruto esperado. Estou convencido de que quanto mais o amor de Deus for derramado nos nossos corações, mais a estreiteza de espírito desaparecerá. Na proporção em que tivermos um espírito estreito, estaremos sem paz. Preconceitos, ciúmes e suspeitas tornam a alma miserável”.

O relacionamento foi descrito por um dos pregadores de Wesley como “um acordo para discordar”. Whitefield foi convidado para pregar nas sociedades de Wesley. Wesley emprestou um dos seus melhores pregadores, Joseph Cownley, para trabalhar com Whitefield no Tabernáculo. Whitefield se recusava a edificar capelas calvinistas em locais que já tinham uma sociedade wesleyana. Wesley adotou o mesmo princípio. Mais de uma vez, Whitefield foi convidado para ser mediador em disputas entre os dois irmãos Wesley.

No final, o que mais amenizou as relações entre os dois grandes líderes foi a decisão de Whitefield, em 1749, de abandonar a liderança formal das sociedades Metodistas Calvinistas. Dessa forma, retirou-se qualquer ameaça a Wesley como o principal organizador do avivamento. Embora Whitefield certamente não fosse incapaz como pastor e organizador, ele reconheceu seu chamado principal como uma “testemunha itinerante”. Sua determinação de ir e vir continuamente entre Inglaterra, Escócia e as colônias na América do Norte o impedia efetivamente de prover supervisão para uma grande comunidade de sociedades. Já Wesley insistia que seus convertidos fossem organizados e edificados na fé. Ele resolveu nunca enviar pregadores para locais onde não pudesse formar sociedades, porque deixar de sustentar novos convertidos era como “gerar filhos para o assassino”.

Em 1770, o ano em que Whitefield faleceu, ele escreveu para Charles Wesley, dirigindo-se a ele como “meu mui querido e velho amigo” e referindo-se a John como “seu honrado irmão”. Falou de sua “indissolúvel união com ambos em coração e afeto cristão, apesar de nossas diferenças em alguns pontos específicos de doutrina”. A pedido de Whitefield, o sermão do seu funeral foi pregado por ninguém menos que seu ex-adversário, John Wesley.

No meio de tantos fracassos na história cristã de manter a unidade no meio de diferenças não-essenciais, o testemunho positivo de abrir mão de posições de liderança e de manter os verdadeiros laços de comunhão e amizade apesar das convicções divergentes mostra que é possível “esforçarmo-nos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Ef 4.3).

Compilado de “Christian History”, volume 38 (uma publicação do grupo “Christianity Today, Int”, Carol Stream, Illinois, EUA, www.christianitytoday.com); “Whitefield and Wesley on Grace and Predestination” (“Whitefield e Wesley sobre Graça e Predestinação”), de Dave Brown (http://www.geocities.com/Athens/Forum/3505/WhitefieldWesleyGrace.html); e “Iain Murray on Whitefield and Wesley (http://www.spurgeon.org/~phil/wesley/murray.htm).

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CONCORDANDO EM QUASE TUDO – UNIDOS EM QUASE NADA

Se houve um encontro entre líderes da Reforma Protestante que encarnou, mais do que qualquer outro, a heresia que deixaria sua marca indelével nos séculos de divisão que viriam a seguir, esse encontro foi o famoso concílio Protestante que ocorreu em 1º de outubro de 1529, na cidade de Marburg, na Alemanha.

Organizada pelo príncipe Philip de Hesse, que queria formar uma frente política unida entre os protestantes contra as forças católicas no restante da Europa, a conferência contou com a presença da maioria dos reformadores alemães e suíços: Martinho Lutero e Philip Melanchthon, do lado luterano, e Ulrich Zwínglio, Martin Bucer e Johannes Oecolampadius, do lado reformado suíço.

Muitos Pontos em Comum

Os dois principais representantes do movimento de reforma, Lutero e Zwínglio, tinham muita coisa em comum. Ambos rejeitavam a autoridade do Papa e se apegavam à autoridade única das Escrituras; concordavam com a doutrina de justificação somente pela fé; rejeitavam a cerimônia e a doutrina da transubstanciação que era praticada na missa católica.

Lutero aceitara o convite com certa relutância, pois via na teologia de Zwínglio a antiga heresia dos nestorianos, que fazia uma separação entre a divindade e a humanidade de Cristo. Ele acreditava que havia uma relação direta entre o entendimento que se tinha da Ceia do Senhor e o entendimento de salvação e da atividade de Deus no mundo. Já, pelo outro lado, Zwínglio não via impedimentos em estabelecer comunhão com Lutero. Na conferência, ele orou: “Enche-nos, ó Senhor e Pai de todos nós, te suplicamos, com teu manso Espírito; e dissipa em ambos os lados as nuvens de desentendimento e paixão. Põe um fim à luta de fúria cega… Guarda-nos de abusarmos dos nossos poderes e capacita-nos a empregá-los com toda sinceridade para promover a santidade…”

Durante três dias a conferência prosseguiu, discutindo uma lista de quinze itens que Lutero havia formulado. Conseguiram progresso impressionante nos primeiros quatorze itens da lista. Houve acordo sobre a Trindade, sobre a pessoa, a morte e a ressurreição de Cristo, sobre a justificação pela fé, sobre o pecado original, sobre o Espírito Santo, sobre batismo, sobre confissão de pecados, sobre autoridades civis e sobre o erro do celibato entre o clero.

Mesmo sobre a questão da ceia do Senhor, havia vários pontos em comum. Dos seis subitens no décimo quinto ponto, houve acordo em cinco! Concordaram que a doutrina da transubstanciação estava errada, mas que os participantes deveriam receber tanto o pão como o vinho para participar pelo Espírito do corpo e do sangue de Cristo…

Mas quando chegaram à questão da presença real de Cristo no sacramento, as discussões atolaram.

Dividindo-se Sobre a Doutrina do Corpo de Cristo

Zwínglio tinha uma interpretação simbólica, enquanto Lutero citava enfaticamente as palavras do texto: Hoc est corpus meum (“Isto é o meu corpo”). Ele escreveu essas palavras com um pedaço de giz em cima da mesa, onde estavam conversando, e se recusava a aceitar qualquer desvio do significado literal delas.

O argumento de Zwínglio era de que o corpo de Cristo havia subido ao céu (At 1.9) e, portanto, não poderia estar nos elementos da Eucaristia. Cristo estava presente somente no sentido da sua natureza divina, espiritualmente nos corações dos participantes.

Já para Lutero, as palavras deveriam ser aceitas literalmente. O corpo e o sangue de Jesus eram realmente presentes “em, com e sob o pão e o vinho”, sem contudo transformar sua substância, como na transubstanciação. O texto que Zwínglio e Oecolampadius usavam para responder a Lutero era: “O Espírito é que vivifica; a carne para nada aproveita” (Jo 6.63). O argumento, porém, não causou efeito algum sobre Lutero.

Para a maioria das pessoas hoje, essa discussão pode parecer muito trivial; porém, para os reformadores era uma questão de enorme significado. Para eles, o que mais importava para manter a pureza e a fidelidade da reforma na igreja era a doutrina, principalmente naquilo que se relacionava com a justificação por fé em Cristo somente. A discussão da presença de Cristo na Eucaristia era ligada às duas naturezas de Jesus, a humana e a divina. Lutero enfatizava mais a união entre as duas naturezas, enquanto Zwínglio procurava mostrar a distinção entre elas.

Houve momentos no debate em que o tom era ríspido e cáustico. Em outros, cada lado procurava pedir perdão pelo uso indevido de palavras e pela falha em demonstrar o verdadeiro espírito cristão.

A questão, porém, não era tanto o direito que cada lado tinha de discordar, mas a atitude de separação que isso gerou no Corpo de Cristo. Lutero insistia que nenhuma aliança política era possível sem completa concordância doutrinária. Para ele, seus oponentes, como Erasmo, estavam permitindo que a razão humana alterasse as palavras claras das Escrituras. Estavam exigindo que os cristãos levassem algo de si próprios para alcançar a salvação. Por essa razão, Lutero dizia que não via nenhuma razão para ser mais caridoso com os “falsos irmãos” do que era com os seus inimigos de Roma.

“Um lado nesta controvérsia pertence ao diabo e é inimigo de Deus”, Lutero dizia – e ele não estava referindo-se a si próprio!

Fracasso e Divisão

No final da conferência, apesar de todos os pontos em que conseguiram concordar, Lutero se recusou a dar a destra de comunhão a Zwínglio e disse a Martin Bucer, de Estrasburgo: “É evidente que não temos o mesmo espírito!” A partir daí, ele também não demonstrou esforço algum para trazer união ou para tratar seus adversários com amor cristão.

Seja por causa de ambição pessoal, seja por causa do engano de se considerarem os guardiães da verdade e da doutrina pura, os líderes desta primeira cúpula protestante deixaram um modelo que tem-se repetido incontáveis vezes através da história, causando incalculável dano e divisão ao Corpo de Cristo.

Compilado de “Christian History”, volumes 4 e 39 (uma publicação do grupo “Christianity Today, Int”, Carol Stream, Illinois, EUA, www.christianitytoday.com).

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