Por Dave Butts
John Bunyan foi preso por pregar o Evangelho. Na Inglaterra do século 17 era necessário ter uma licença emitida pela Igreja para pregar, e ele não tinha. Por isso, durante doze anos, ficou confinado numa cela por ter pregado ilegalmente. Mesmo assim, Bunyan usou esse tempo sabiamente. Suas experiências com a lei e o governo lhe ensinaram que as estruturas deste mundo frequentemente conflitavam com as do reino de Cristo. Ele começou a escrever sobre esse assunto dentro de sua cela.
O resultado não foi um entediante tratado teológico para combater o mundo. Ao invés disso, ele escreveu uma história fictícia em que um peregrino viaja de sua cidade natal, chamada Destruição, para a bela Cidade Celestial. Ao longo do caminho, Peregrino, (mais tarde renomeado Cristão), encontra todo tipo de aventuras, terrores, confortos e, também, muitas tentações que pretendiam atraí-lo para sair do Caminho verdadeiro.
Em muitas ocasiões, Peregrino conhece pessoas que tentam dissuadi-lo de sua jornada. Logo depois de deixar sua cidade natal, Destruição, ele encontra seu velho amigo, Obstinado, que lhe pergunta: “Que coisas são essas que você procura, que fizeram com que você deixasse completamente o mundo para encontrá-las?”. E a resposta de Peregrino foi: “Busco uma herança incorruptível e imaculada que nunca desapareça”.
Esse é o sentido do tema, não só do livro, mas também da seguinte passagem da Escritura: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo. Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente” (1 Jo 2.15-17).
À semelhança de Cristão, em O Peregrino, nós também embarcamos em uma jornada para uma nova cidade. E, ao fazê-la, passaremos por muitos perigos. Algumas vezes, os obstáculos parecem horríveis, enquanto outros parecem atraentes. Esses últimos são ainda mais perigosos por causa disso. Na história de João Bunyan, Peregrino cai bem no início de sua jornada em um fosso lamacento chamado Pântano do Desânimo. Ele não consegue sair por causa do fardo preso que carrega nas costas, precisando assim da ajuda de um companheiro de viagem para escapar. Em seguida, ele encontra o Sr. Sábio Segundo o Mundo, que tenta fazer com que ele se desvie para a cidade da Prudência Carnal, com suas regras e regulamentos que parecem ser sábios, mas não são. Ele escapa deste enredamento com a Lei e encontra uma pessoa chamada Paixão, que insiste que a alegria final é possuir todas as coisas boas no aqui e agora.
No caminho, o Peregrino encontra ajudantes colocados ali pelo Senhor da Cidade Celestial. Ele é equipado, treinado e armado para as batalhas que enfrentará ao longo do caminho. Ele precisará desta armadura enquanto avança pelo Vale da Sombra da Morte, luta contra a perseguição na cidade de Vaidade, escapa da ganância na colina do Lucro e é capturado pelo Gigante Desespero, do Castelo da Dúvida.
Pobre Peregrino… Parece que em todo lugar aonde vai, há alguém ou alguma coisa tentando tirá-lo do caminho em direção à Cidade para a qual Deus o chamou. Mas, com a poderosa ajuda de Deus e de sua própria fé perseverante, Peregrino finalmente chega à Cidade da Luz, onde o próprio Deus habita, e recebe sua recompensa eterna.
Nós geralmente não pensamos em nós mesmos como peregrinos ou viajantes. Mas é exatamente assim que a Bíblia nos descreve. Pedro escreveu que somos estrangeiros neste mundo. Jesus disse a respeito de seus discípulos: “Eles não são do mundo, como também eu não sou” (Jo 17.16). Ele disse, para eles e para nós, que iria nos preparar um lugar e que depois voltaria para nos levar até lá. É uma promessa de um lugar de habitação permanente para nós. Em outras palavras, a implicação é que o lugar onde moramos atualmente é um lugar meramente temporário.
Agora, quando se fala sobre o céu ou o mundo vindouro, alguém sempre dirá: “Você precisa colocar seus pés no chão. Claro, pode haver um paraíso, mas temos que viver neste mundo e não ajuda falar sobre o que está por vir. Apenas tente viver uma vida boa aqui”. Ou alguém usará o velho ditado para se referir a quem deseja viver em função da eternidade: “Ele é tão celestial que não faz nada de bom na terra”.
Eu acredito que essa frase seja uma mentira do abismo. Eu nunca conheci alguém que realmente se encaixasse nessa definição. De fato, o extremo oposto é verdadeiro, mesmo entre os cristãos que estão alicerçados nas Escrituras. Parece que esquecemos o céu e decidimos que a terra é um lugar muito bom para se viver. Nossa atitude é: “Vamos tomar posse e aproveitar o máximo possível desta terra”.
Certa vez, ouvi estas palavras de um pregador cristão: “Queremos obter tudo o que pudermos e entesourar tudo o que obtivemos”. Foi para combater esse tipo de pensamento que o apóstolo João escreveu: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele”.
Eu pergunto muito o “porquê” das coisas quando leio a Bíblia. Eu sempre farei o que Deus diz, independentemente de eu entender ou não. Mas saber o porquê muitas vezes me ajuda a andar em obediência e com alegria. Por que os cristãos não deveriam amar o mundo? Aqui estão algumas razões:
1. Nosso destino final não é este mundo.
Filipenses 3.20 diz: “Pois a nossa pátria está nos céus…”. Você já viajou para um país estrangeiro? Pode ser bonito, mas não é seu lar. Você não é um cidadão por lá! Nós realmente precisamos nos afeiçoar ao nosso lar eterno.
2. Esta vida é uma jornada para o nosso destino final.
Os primeiros crentes eram conhecidos como seguidores do Caminho. Eles entenderam que estavam em um caminho que os conduzia através deste mundo, mas não para este mundo. “Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta” (Hb 12.1).
3. O mundo (sistema) tenta nos distrair do nosso destino final.
O Novo Testamento apresenta a triste história de Demas. Na verdade, não sabemos muito sobre este indivíduo. Ele era um cristão que se converteu por meio do ministério de Paulo e foi um dos seus companheiros de viagem. Que privilégio! Você pode imaginar o que ele viu e ouviu? No entanto, em 2 Timóteo 4.10, Paulo compartilha que “Demas, tendo amado o presente século, me abandonou e se foi para Tessalônica; Crescente foi para a Galácia…”. O amor ao mundo faz com que abandonemos a causa.
4. O mundo está sob o controle do maligno.
Em João 14.30, Jesus disse, ao se referir a Satanás, “o príncipe deste mundo está chegando”, e em Efésios 2.2, Paulo se refere ao “curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar”. Quando flertamos com o mundo, quando acreditamos que somos a única pessoa que pode lidar com os encantos deste mundo sem ser danificada, devemos reconhecer que estamos enfrentando o governante das trevas, um enganador muito astuto.
O mundo está passando, mas fomos criados e redimidos para viver para sempre. “Ora, o mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece eternamente” (1 Jo 2.17). Realmente não é uma escolha tão difícil, é? Vários anos atrás, meu pai morreu de câncer e, poucos meses antes, minha mãe havia sofrido um derrame cerebral súbito e incapacitante. Eu encontrei-me sentado em sua pequena e modesta casa, rodeado por objetos sentimentais acumulados durante uma vida inteira. Havia muitas coisas que não serviam mais para meus pais e que eu também não desejava. Parecia um desperdício. Senti um impacto muito forte, vendo como tudo é temporário neste mundo. Quando olhamos para nossos irmãos na fé, estamos contemplando os únicos que permanecerão para sempre.
Com isso em mente, o que devemos fazer com esse mandamento de João de não amar o mundo? O apóstolo Paulo nos dá a chave em Colossenses 3.1-4: “Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra; porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então, vós também sereis manifestados com ele, em glória”.
Pensamos e gastamos nosso tempo, energia e dinheiro nas coisas que são realmente importantes para nós. Se Cristo é a nossa vida, como Paulo diz em Colossenses, não amar o mundo não será um problema. É quando nos aproximamos de Jesus com intimidade que vencemos o mundo e seu poder atrativo sobre nós. É amar a Jesus com tanta paixão que não há espaço para o amor deste mundo. E, nesse amor a Jesus, somos capazes de viver e andar neste mundo, expressando seu amor, cuidando dos outros e exercendo seu ministério ao servi-los.
– Reproduzido de um Arauto anterior.