Por Pedro Arruda
Começamos nossa história de conversão e batismo no Espírito Santo nos primeiros anos da década de 1970, com reuniões em casas e lugares rurais, como à sombra de árvores, por absoluta falta de alternativa. Não queríamos sair da denominação, mas esta fazia amplas restrições à manifestação carismática. Éramos vistos como suspeitos pelos dois grandes blocos do cristianismo: de maneira geral, nossa casa católica julgava-nos crentes no sentido evangélico do termo, enquanto os evangélicos, por sua vez, só se dispunham a aceitar-nos desde que nossa conversão fosse acompanhada da adesão irrestrita à respectiva denominação. Honrosas exceções nesse cenário, tanto católicas como evangélicas, proporcionaram-nos condições para uma caminhada livre, mas sem um espaço oficial regular para nossas atividades. Para isso, então, tínhamos de contar com alternativas, sendo que a principal delas eram as casas.
Portanto, essa opção não nasceu de um embasamento teológico consciente, mas como solução à expressão de intensidade espiritual que sentíamos. Ao mesmo tempo, tornava-nos uma espécie de “patinho feio” no meio cristão. Inúmeras vezes, ouvimos expressões de espanto, como: “Vocês não têm um templo!”, ou de consolo, como: “Logo, logo o Senhor vai preparar um templo para vocês”, “Nós também começamos assim e hoje já temos o nosso templo”. Embora considerássemos que isso de fato pudesse vir a acontecer, nunca nos sentimos atraídos pela ideia. Hoje entendemos que, na verdade, Deus estava nos preservando, por meio das restrições, para que não fôssemos domesticados do ponto de vista denominacional.
Muito rapidamente, fomos aprendendo a validade bíblica da preciosa experiência (quanto ao local de reunião) que o Espírito Santo estava nos concedendo e nos apropriando das vantagens como mobilidade, simplicidade, economia financeira, flexibilidade, pessoalidade e, principalmente, o ambiente muito mais adequado à comunhão.
Ainda que possuamos uma estrutura, esta é a mais leve possível, e a expansão se dá naturalmente, seja a partir de um participante que se muda para uma nova localidade ou por convite de algum conhecido ou parente que tem notícias e deseja participar de uma atividade semelhante.
Estamos felizes por termos superado a fase de “patinho feio”; contudo, somos conscientes de que temos ainda muito a caminhar. Essa caminhada se faz à semelhança da mulher que “com um olho frita o peixe e com outro vigia o gato”. Isto é, enquanto avançamos para o alvo, ficamos atentos para que o sistema não nos faça presa dele, pois, para participar do sistema, basta não fazer nada, uma vez que sua engrenagem é sutil e poderosa para, desapercebidamente, envolver-nos. Portanto, há que resistir e dizer não diariamente a ele.
Quanto à caminhada para o alvo, temos em conta que a igreja nos lares não é um fim, mas um meio para tal. Não podemos simplesmente considerar a casa como local de reunião como se faz no templo. Pensar assim seria um retrocesso como alguém que se muda de uma chácara para um apartamento e quer levar consigo todas as tralhas e ferramentas como equipamento de pesca, máquina de cortar grama, ferramentas de jardinagens etc. Ora, ele teria melhor qualidade de vida se continuasse morando na chácara. Não basta apenas uma mudança externa de local sem aprender a pensar adequadamente de acordo com a nova situação. Assim também é com quem pretende reunir-se em casas: precisa pensar com conceitos diferentes daqueles relacionados ao templo.
Nesse enfoque, é imprescindível considerar a família antes da casa. A igreja doméstica deve ser essencialmente inclusiva. Nela, mulheres, idosos e crianças não são coadjuvantes, mas pessoas com papel próprio e indispensável, que fazem parte da banca examinadora para determinar se alguém está apto ao ministério. A família, como um todo, também deve ser inclusiva em relação aos de fora. De nada adianta para o reino dos céus uma família admirável como a das propagandas de margarinas, produzindo bons cidadãos, mas voltada para si mesma. A família deve ser hospedeira da igreja doméstica. Essa atitude foi imensamente exaltada por Jesus e praticada pelos primeiros cristãos, pois permite que a família sirva de base operacional à obra missionária. A vida familiar deve estar embasada num senso de comunhão (vontade de Deus) e não apenas de relacionamento.
Por fim, vale ressaltar que, quanto mais simples e humilde for o patrimônio da igreja, menos suscetível ela estará às divisões; além disso, o ambiente doméstico será sempre o mais favorável ao desenvolvimento de comunhão no sentido mais exato do termo. Apenas se reunir em casa e não se libertar de todo e qualquer espírito sectarista em nada contribuirá para a restauração da igreja; pelo contrário, apenas se somará a essa desastrosa ação demoníaca contra a verdadeira Igreja do Senhor.
Algumas histórias
Nem sempre as reuniões domésticas da igreja são marcadas pelo ritmo litúrgico do tripé: louvor, palavra e oração, com os acessórios de testemunhos e ofertas. Muitas são marcadas por cenas inusitadas que contribuem decisivamente para a memorização e aplicação da mensagem. Vou relatar algumas, apenas representativas, que aconteceram na reunião do grupo familiar do qual participo, fruto de uma pesquisa entre participantes sobre as ocorrências de que eles mais se lembravam.
1 – Certa vez, reunidos na sala da casa, um de nossos participantes estava sentado numa banqueta e usava a porta de acesso a um quarto como encosto. Discorria ele sobre o relato da atitude de Ananias e Safira. Ao dramatizar sobre a morte do casal, encostou repentinamente contra a porta, que se abriu de vez; em seguida, a banqueta escorregou, e lá foi ele de costas para o chão e pernas para o alto. Obviamente, o susto foi enorme para ele e todos os presentes até entendermos o que se tinha passado de fato; contudo ninguém mais se esqueceu do perigo que é uma atitude dissimulada para com o Espírito Santo.
2 – Em outra ocasião, durante uma dinâmica, foi perguntado qual seria a pessoa que mais lhe fazia lembrar de Jesus. Depois de muitas citações de personagens bíblicos ou históricos, um garoto de uns 7 anos disse com toda a convicção: “Quem mais se parece com Jesus para mim é meu pai!”. Não se tratava de uma semelhança física, pois o pai dele é totalmente diferente das imagens comumente atribuídas a Jesus. Não é preciso dizer que a consternação foi geral e marcou o coração de cada um mais do que qualquer notório pregador pudesse fazer.
3 – Diante da dificuldade de explicar às crianças menores sobre as passagens de Mateus 6.2,5,16 e 7.21-23 (que mencionam pessoas que oram, jejuam, dão esmolas, expulsam demônios ou profetizam com atitude errada, tornando-se assim candidatas ao inferno), quem estava partilhando a mensagem propôs dividir com os pais a explicação aos respectivos filhos menores, entre 3 e 7 anos, para que lhes retransmitissem o ensinamento numa linguagem compreensível a eles. Assim, em seguida, cada pai dialogou com seu filho na presença de todos. Desde o primeiro até o derradeiro, um clima de reverência tomou conta de tal forma daquela pequena sala (um apartamento num conjunto habitacional popular), que o quebrantamento foi inevitável com todos os adultos contendo as lágrimas para não estorvar a compreensão que as crianças demonstravam pelas respostas aos pais. As crianças aprenderam, e nós, adultos, aprendemos com elas, pois transferimos para nosso dia a dia que só têm valor as coisas que fazemos de coração independentemente da grandeza ou nobreza da ação.
4 – Numa das reuniões, recebemos uns jovens do movimento gótico vestidos a caráter – roupas pretas e unhas com esmalte escuro. Era evidente que estávamos todos desconcertados, tentando ser naturais, mas sem saber o que fazer. Para salvação dos adultos, as crianças logo entraram em ação: sem reservas, subiram no colo deles e espontaneamente expuseram a curiosidade, indagando por que se vestiam daquela maneira, por que os garotos usavam esmaltes, brincos e piercings exagerados. Enquanto se explicavam às crianças, foram naturalmente introduzidos à reunião e dela participaram.
5 – Noutra ocasião, estava sendo desenvolvida uma dinâmica que consistia em declarar a alguém qual a atitude dela que mais lhe agradava. Na sequência, estavam sentadas mãe e filha de uns 3 anos. Quando a mãe terminou seu relato, o responsável dirigiu o olhar ao próximo adulto, como que lhe passando a palavra e ignorando a criança, sem expectativas que tivesse entendido e desejasse participar. Esta, no entanto, antes que o próximo adulto iniciasse a fala, espontaneamente começou a declarar que amava muito a mãe, pois era ela que limpava seu bumbum quando ia ao banheiro, enquanto fazia o gesto de enrolar o papel nos dedos esticados da mão direita. Simples assim e ingênuo também, ressaltando uma tarefa que jamais estaria no rol das coisas que alguém imagina fazer como ao Senhor. Ninguém se lembra exatamente da mensagem pregada naquela reunião, mas jamais nos esquecemos da importância de considerar o Senhor em todas as nossas ações.
Falta espaço para relatar curas, abertura de coração frente às necessidades ou fragilidades, alegria do anúncio de uma gravidez – em dose dupla quando se trata de gêmeos – ou de um aniversário e as conversas inclusivas no momento em que se toma um suco ou café acompanhado de torta ou bolo, oportunidade para o recém-chegado falar da felicidade ou frustração com a rodada do campeonato de futebol, etc.